Opinião

A ciência, as universidades e o futuro do país

Robusto, sistema de C&T do Brasil precisa de investimentos contínuos para continuar crescendo, defende reitora da UFMG

Pesquisadora no CTVacinas, que desenvolve uma das candidatas vacinais em estágio mais avançado no país
Pesquisadora no CTVacinas, que desenvolve uma das vacinas em estágio mais avançado no país Reprodução | TV UFMG

Investir em ciência é o passaporte mais seguro para a soberania nacional e a melhoria de vida da população. A data de 8 de julho marca o Dia Nacional da Ciência, momento propício para refletirmos sobre os rumos da ciência no país. Nosso sistema de Ciência e Tecnologia (C&T) alcançou proeminência nas últimas décadas, o que possibilitou ao Brasil ingressar no ranking mundial das nações mais produtivas no campo da pesquisa.

Relatório produzido neste ano pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), órgão vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), põe o Brasil em destaque na produção científica mundial (13º lugar), classificação que contabiliza o número de artigos científicos publicados em revistas internacionais. Estudos recentes do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) revelam ainda que 19 dos 25 maiores depositantes de patentes no Brasil são universidades públicas, responsáveis por mais de 95% da produção científica do país. A UFMG lidera a lista de universidades com maior número de patentes e recebeu recentemente o prêmio da Clarivate Analytics, por ser a universidade brasileira com o maior número de pedidos de depósitos de patentes.

A ciência (e todo o seu conjunto de saberes) fundamenta a existência humana. A corrida pela vacina contra a covid-19 é um exemplo da centralidade da ciência em múltiplos aspectos do nosso cotidiano. O Brasil tem várias candidatas vacinais, e uma das mais avançadas está em testes na UFMG. Países que saíram à frente nessa corrida conseguem, de um lado, imunizar a sua população e, de outro, exportar as vacinas e os insumos necessários à sua fabricação para outras nações, o que dá a eles condições de exercer uma espécie de soft power, ou seja, a capacidade de influenciar os rumos da geopolítica internacional de forma decisiva e colaborativa.

Se o Brasil alimenta a ambição de ingressar no seleto grupo de nações desenvolvidas, que oferecem a seu povo perspectivas de oportunidades, bem-estar, igualdade e justiça social, ele não pode negligenciar o imprescindível investimento em ciência e tecnologia.

No entanto, esse robusto, mas ao mesmo tempo frágil sistema de ciência e tecnologia, que é formado por órgãos como MCTI, MEC, agências de fomento e universidades públicas, vem sofrendo sucessivos cortes de recursos que debilitam o desenvolvimento científico do país. O contingenciamento das verbas das universidades federais e o corte de bolsas e de financiamentos da ciência brasileira colocam em risco o futuro do Brasil, ameaçando também a permanência de muitos de nossos pesquisadores, que se têm deslocado para o exterior à procura de mais investimentos em suas pesquisas.

Nações com projetos de desenvolvimento de longo prazo são as que mais dão importância à ciência. Elas aplicam recursos de forma contínua em seu sistema de C&T porque têm a clareza de que só ampliarão seus índices de desenvolvimento econômico, social e humano se a ciência ocupar lugar central em suas políticas públicas. Enquanto os Estados Unidos e a Alemanha investem 3% de seu PIB em atividades de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico, o Brasil, cujo PIB já é menor do que o desses países, aplica menos de 1%.

O Brasil está em uma encruzilhada. Seu sistema de C&T alcançou, neste século, um grau de maturidade sem precedentes na história. Por outro lado, esses avanços estão ameaçados justamente porque os aportes de recursos têm caído drasticamente. Se o Brasil alimenta a ambição de ingressar no seleto grupo de nações desenvolvidas, que oferecem a seu povo perspectivas de oportunidades, bem-estar, igualdade e justiça social, ele não pode negligenciar o imprescindível investimento em ciência e tecnologia.

Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, em 7/7/2021

Sandra Regina Goulart Almeida | reitora da UFMG