Semana do Conhecimento

Abertura tem matemática em teoria e na relação com a literatura

Professor e escritor apresentam em palestras o tema da 26ª edição

Bernardo Lima (à direita) e Jacques Fux: abordagens complementares
Bernardo Lima (à esquerda) e Jacques Fux: abordagens complementares Raíssa César / UFMG

O tema da Semana do Conhecimento 2017 – Matemática, diversidade, conhecimento – deu bem o tom do evento de abertura, na manhã desta segunda, 16, no auditório da Reitoria. A matemática esteve presente em diferentes perspectivas: na forma de problemas em aberto no campo da probabilidade, em exposição do professor Bernardo Lima, do Instituto de Ciências Exatas, e das interseções com a literatura, em palestra do escritor Jacques Fux.

A Semana foi aberta pelo reitor Jaime Ramírez, que destacou a participação de equipes de todas as pró-reitorias na organização do evento, e pelo pró-reitor de Pesquisa, que enfatizou a importância de se refletir sobre a amplitude da presença da matemática no universo acadêmico e na vida cotidiana. Também integrou a mesa o vice-reitor em exercício, José Marcos Nogueira.

Literatura potencial

Leitor do argentino Jorge Luís Borges desde a infância, sempre encantado com o conhecimento matemático abstrato de que o autor lançou mão em obras como O livro de areia e A biblioteca de Babel, Jacques Fux passou pela matemática (graduação) e pela ciência da computação (mestrado), antes de chegar à literatura, no doutorado.

Em período de estudos na França, Fux conheceu melhor o OuLiPo (Ouvroir de Littérature Potentielle, algo como oficina de literatura potencial), movimento liderado por Raymond Queneau. “Os escritores pretendiam refundar a literatura, por meio da autoimposição de restrições baseadas na matemática. A ideia era ser ao mesmo tempo sério e lúdico”, comentou o escritor, premiado diversas vezes por obras como Antiterapias (2012) e Meshugá (2016), em que também utiliza conceitos e recursos da matemática e de outros campos do conhecimento.

Jacques Fux: inspiração em Borges e Perec
Jacques Fux: inspiração em Borges e Perec Raíssa César / UFMG

Em sua explanação, Fux contou que sua pesquisa de doutorado estabeleceu relações entre as obras de Borges e do francês Georges Perec, que “elevou a literatura potencial ao infinito”. “Perec, que perdeu a mãe assassinada pelos nazistas, acreditava que o mundo que criou (o campo de concentração de) Auschwitz era um mundo descontrolado, e ele desejava criar uma literatura controlada”, disse Jacques Fux.

Em La disparition, Perec escreve sobre os horrores da guerra sem usar palavras com a letra e, e A vida: modo de usar tem ainda mais restrições, ditadas por algoritmo vinculado ao caminhar do cavalo no tabuleiro de xadrez. “São 99 capítulos, cada um com 42 restrições diferentes. O que é mais bonito sobre esse tipo de literatura é que o escritor está sempre entre desejo e temor de manter escondidas as restrições ou ser descoberto em suas intenções”, disse Fux.

O escritor revelou que, em suas obras, procura não incomodar o leitor que não seja especialmente interessado nas restrições, que não ficam tão explícitas. “Não é preciso entender matemática para fruir uma obra literária com restrições desse tipo, mas se a pessoa conhece um pouco, pode abraçar essa obra de uma forma diferente.”

Probabilidade

Para demonstrar que, ao contrário do que muitos pensam, ainda existe muita investigação em matemática, que está em constante desenvolvimento, Bernardo Lima mostrou dois problemas ainda por resolver no campo da probabilidade. O primeiro deles, considerado um dos mais importantes em toda a teoria, é da área da percolação (movimento dos fluidos em meio poroso, segundo os dicionários), que em matemática trata da conexão de um ponto de origem a infinitos pontos. O desafio dos pesquisadores, nesse caso, é comprovar que a probabilidade de percolação é contínua no ponto crítico (aquele em que a probabilidade deixa de ser nula).

O segundo problema, em que também se usam técnicas da percolação, é o da compatibilidade de sequências. A pergunta é: se são tomadas duas sequências aleatórias de zeros e uns, e são apagados os zeros da primeira e os uns da segunda sequência, em que circunstâncias é positiva a probabilidade de as duas sequências serem compatíveis?

Segundo Lima, esse problema está ligado, por exemplo, à questão da compactação de dados. No trabalho que ele considera o mais importante da sua carreira, ele e outros pesquisadores conseguiram demonstrar que uma sequência determinística é compatível com uma sequência aleatória.

Bernardo Lima: questões em aberto na área da probabilidade
Bernardo Lima: questões em aberto na área da probabilidade Raíssa César / UFMG

Lima, que é doutor pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), lembrou que a probabilidade é uma área jovem – seus primórdios remontam ao século 17, e ela foi formalizada na década de 1920 – e que a percolação “virou moda” nos últimos tempos, chegando a render medalhas Fields, a mais importante premiação da matemática (para o alemão Wendelin Werner, em 2006, e o russo Stanislav Smirnov, em 2010).

Na conversa com a plateia, Bernardo Lima afirmou que não há nada que se pareça com inspiração divina para as grandes realizações em matemática de alto nível e que as interseções da matemática com as letras são mais frequentes que se imagina. Ele mencionou que na Índia, no século 2 antes de Cristo, utilizaram-se, para a compreensão da métrica de versos em sânscrito, conceitos que só seriam elaborados muito tempo depois.

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Ado Jorio (à esquerda), Jaime Ramírez e José Marcos Nogueira abriram a Semana
Ado Jorio (à esquerda), Jaime Ramírez e José Marcos Nogueira abriram a Semana Raíssa César / UFMG