'Acesso à universidade é uma boa forma de integrar refugiados', diz especialista dinamarquês
Thomas Gammeltoft-Hansen ministrou a aula inaugural da Cátedra Sérgio Vieira de Melo, rede que acolhe estrangeiros em situação de vulnerabilidade
O professor dinamarquês Thomas Gammeltoft-Hansen, especialista em migração e direitos de refugiados, ministrou, na manhã desta sexta-feira, 8, a aula inaugural da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, à qual a UFMG aderiu no ano passado. Especialista em questões de asilo e imigração, o docente na Universidade de Copenhague e professor honorário da Universidade de Aarhus abordou os principais desafios enfrentados nos estudos relacionados aos refugiados, principalmente aqueles que fazem referência às dificuldades enfrentadas por essas pessoas para se inserirem nos contextos social e cultural dos países para onde migram.
Segundo o professor, há uma diferença considerável entre os estudos sobre refugiados e a realidade dessas pessoas. “No caso específico do direito, que é a minha área de estudo, as diferenças das leis nos diversos países que lidam com os refugiados podem acabar dificultando a integração dessas pessoas à sociedade. Os estudos que abordam os refugiados precisam aliar teoria e prática, pois as leis que atingem essas pessoas acabam afetando toda a comunidade onde estão inseridas”, explicou.
Gammeltoft-Hansen acrescentou que a existência de diferentes abordagens em relação aos refugiados não é benéfica. “Não há um consenso mundial sobre como a crise política internacional dos refugiados deve ser tratada, e essa falta de consenso gera violação dos direitos dessas pessoas. É cada vez maior o número de pessoas obrigadas a deixar seus lares. Os refugiados precisam de proteção e de oportunidades", disse.
Essas oportunidades, segundo o pesquisador, podem ocorrer por meio do acesso ao ensino superior ou pela validação dos diplomas dos refugiados. Segundo ele, as cátedras agem nessa direção, pois “os ajudam a se estabelecer no país para onde migraram. A entrada do refugiado no ensino superior no novo país é essencial para sua integração à sociedade, mas muitas vezes não há instrumentos ou legislação locais que ajudem neste sentido. Daí a importância dos estudos sobre refugiados, pois eles nos permitem conhecer a realidade dessas pessoas, para, assim, ajudá-las.”
O pesquisador dinamarquês destacou a necessidade de que campos distintos do conhecimento se debrucem sobre a questão dos refugiados. “O acesso à universidade é uma boa ferramenta de integração. Precisamos observar qual é o estudo prévio do refugiado, entender a profissão que ele traz do país de origem e a sua bagagem cultural. Ajudá-lo a entrar e a permanecer na universidade é um modo de impedir que ele seja marginalizado no novo país.”
Gammeltoft-Hansen acrescentou outro aspecto importante para que os refugiados tenham acesso ao ensino superior nos países que os recebem. “Os fundos e financiamentos para esses refugiados universitários também são importantes para que eles consigam se manter nas instituições. A questão econômica precisa ser levada em conta para a proteção dessas pessoas.”
Mais pesquisa
Em sua apresentação, o especialista dinamarquês também destacou a necessidade da realização permanente de pesquisas sobre temas relacionados aos direitos dos refugiados. “As leis precisam ser revisadas e melhoradas. A interpretação jurídica pode ser subjetiva e variar de país para país, o que gera tensão entre o que pode ser feito para os refugiados e o que é, de fato, feito”, disse.
O pesquisador concluiu que nem todas as instituições de ensino superior estão aptas para receber os refugiados. Segundo ele, são necessárias avaliações regulares para ampliar o número das instituições aptas e, consequentemente, o de refugiados que conseguem concluir o ensino nos novos países. “É nesse momento que entra a atuação dos cientistas políticos e das pesquisas multidisciplinares", avaliou Gammeltoft-Hansen.
A cátedra
A Cátedra Sérgio Vieira de Mello foi criada em 2003 pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Organizada em rede, visa promover ações com o objetivo de garantir e ampliar o acesso de refugiados a direitos e serviços no Brasil. A Cátedra conta com a adesão de cerca de 30 instituições brasileiras, entre quais a UFMG.
Segundo dados do Acnur, cerca de 80 milhões de pessoas já foram obrigadas a abandonar seus lares. O assistente sênior de elegibilidade do organismo, William Torres Laureano, destacou que as universidades brasileiras têm papel importante no trabalho com refugiados no Brasil. Laureano afirmou que existem hoje 188 mil solicitações de refúgio no país, e a cátedra funciona como polo de educação e extensão para essas pessoas.
"O ingresso facilitado às universidades é um dos passos que podemos dar para facilitar a entrada dos refugiados no ensino superior. Hoje, só 3% dos refugiados que poderiam estar na universidade conseguem frequentar este espaço. A questão de revalidação de diplomas também é importante, pois ajuda na integração e na qualidade de vida dessas pessoas no novo lar”, defendeu Laureano.
O diretor-adjunto da Diretoria de Relações Internacionais (DRI), Aziz Tuffi Saliba, destacou que a cátedra presta homenagem a um brasileiro – o diplomata Sérgio Vieira de Mello – que, ao longo de sua carreira, trabalhou para reconstruir sociedades destruídas por guerras. “Essas pessoas perdem o direito à saúde, ao emprego e à liberdade. São números impactantes que nos mostram que precisamos fazer a nossa parte, unindo esforços para compreender a situação dos refugiados e tomando atitudes que diminua o sofrimento daqueles que se viram obrigados a abandonarem seus lares.”
Para a reitora Sandra Regina Goulart Almeida, a cátedra reafirma o compromisso da universidade com a acolhida humanitária dos mais necessitados e com a criação de uma sociedade mais justa e igualitária. Ela destacou o edital recém-lançado pela UFMG, que prevê a destinação de 77 vagas nos cursos de graduação da Universidade para estrangeiros em situações de vulnerabilidade.
“Vivemos a pior crise sanitária e social da nossa história, com a morte de 200 mil brasileiros pela covid-19. Os indígenas, quilombolas, negros e refugiados são os mais vulneráveis, e a nossa Universidade sempre procura atender às demandas das populações mais necessitadas. Essa cátedra é essencial para nos ajudar a refletir sobre a situação dos refugiados, cumprindo com o nosso papel de universidade pública que atua em defesa dos direitos humanos desde a sua fundação”, concluiu.