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Campus Pampulha recebe seis ‘monumentos’ do artista Paulo Nazareth

Obras de grandes dimensões exaltam personagens que simbolizam resistência e luta por direitos na história; mostra é desdobramento de ocupação artística na FaE

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Na Face, estão Dina, que atuou na preparação dos camponeses que combateram no Araguaia, contra o regime de 1964 (ela acabou assassinada), e o trabalhador rural Zequinha Barreto, que aparece carregando Carlos Lamarca, líder da resistência armada à ditadura, baleado em emboscada na BahiaFoto: Jebs Lima | UFMG

Seis “monumentos”, obras de grandes dimensões que homenageiam personagens com atuação histórica relacionada à resistência e à luta por direitos, estão instalados em diferentes pontos do campus Pampulha. As obras são de Paulo Nazareth, artista de renome internacional e ex-aluno da UFMG, e integram série de produções realizadas para a Bienal de Arte de São Paulo e que tem outras peças de grandes dimensões em diferentes locais.

A exposição, que permanecerá um ano no campus, é um desdobramento da Ocupação Artística Paulo Nazareth, projeto de formação artístico-pedagógica da Faculdade de Educação (FaE), com coordenação e curadoria da professora Daniele de Sá Alves, que durou nove meses e foi encerrado no último dia de julho. Os ‘monumentos’ são um extrato da série Corte-seco, composta de 127 desenhos desses personagens que, em algum momento, foram apagados dos cânones históricos. Esses desenhos estão expostos no Espaço Arteducação da FaE, junto com as obras chamadas "Minimentos" por Paulo Nazareth.

Paulo Nazareth:
Paulo Nazareth: ineditismo duploFoto: acervo do Espaço Arteducação da FaE/UFMG

Graduado e licenciado na UFMG – pela Escola de Belas Artes, pela FaE e pela Faculdade de Letras –, Nazareth exalta a oportunidade de dialogar com a comunidade acadêmica e também com a comunidade externa, por meio da Ocupação Artística Paulo Nazareth e das obras em grandes dimensões. “A comunicação com a população da cidade também é muito importante”, afirma o artista, dizendo-se feliz pelo ineditismo do projeto, em razão não apenas da duração da Ocupação, mas também das grandes dimensões das peças expostas em espaços abertos no campus.

Daniele Alves, que é docente da FaE, afirma que os nove meses do projeto foram uma oportunidade de exercitar processos de ensinar e aprender em todas as áreas a partir da experiência da arte”. Coordenadora dos espaços expositivos da FaE, Daniele destaca que é um privilégio para a comunidade da UFMG receber um artista como Nazareth. “Sua obra é política, socialmente engajada, referência para discussão de temas fundamentais para a sociedade”, ela enfatiza.

Os personagens
Na entrada do campus pela Avenida Antônio Carlos, está a peça que homenageia João Cândido, o Almirante Negro – que liderou a Revolta da Chibata, em 1910, no Rio de Janeiro. No movimento, marinheiros, a maioria não brancos, assumiram o controle de embarcações da Marinha. Eles protestavam contra castigos físicos e outros abusos por parte dos oficiais.

No acesso em frente ao Colégio Militar, foi instalado a obra em que está retratado Carlos Marighela, um dos nomes mais destacados da resistência armada à ditadura civil-militar instaurada em 1964. A imagem contém uma representação dos tiros que mataram Marighela.

O líder xavante Mário Juruna está na entrada do campus Pampulha pela Avenida Abraão Caram. Ele foi deputado federal e se notabilizou, partir dos anos 1980, por sua luta contra a corrupção, cujo símbolo foi um gravador que Juruna levava consigo a todos os lugares e situações.

Daniele Sá Alves:
Daniele Sá Alves: ensinar e aprender a partir da experiência da arteFoto: acervo do Espaço Arteducação da FaE

O jardim da Faculdade de Ciências Econômicas que fica de frente para o prédio da Reitoria abriga dois monumentos: Dinalva, a Dina, uma das principais responsáveis pela preparação dos camponeses que combateram na região do Araguaia, contra o regime de 1964 (ela acabou assassinada), e o trabalhador rural Zequinha Barreto, que aparece carregando Carlos Lamarca, outro líder da resistência armada à ditadura, que foi baleado em emboscada no interior da Bahia.

Na Faculdade de Educação, a homenageada é a líder quilombola Teresa de Benguela, que, no século 18, viveu escravizada e depois se rebelou em território hoje pertencente ao estado do Mato Grosso, no século 18.

Arte e pedagogia
A Ocupação Artística Paulo Nazareth permaneceu nove meses no espaço onde funcionava a biblioteca da FaE, no campus Pampulha. O projeto de formação artística e pedagógica reuniu obras, algumas inéditas, do artista de renome internacional da região de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Em janeiro, a TV UFMG fez uma reportagem sobre a Ocupação.

A Ocupação Artística Paulo Nazareth abrigou palestras, oficinas, performances, rodas de conversa, seminários, aulas da graduação e pós-graduação e recebeu grupos para visitação e exercícios de mediação das obras e instalações realizados pelos monitores do projeto. A equipe interagiu com o Instituto Inhotim, que abriga a exposição Esconjuro, também de Paulo Nazareth, e com a Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte, por meio de atividades propostas conjuntamente com os museus da Pampulha. A Ocupação também integrou as programações da Reunião Brasileira de Antropologia e do Festival de Inverno UFMG, e em sua última semana de visitação foi realizado o Seminário de Mediação em Arte Contemporânea.

Andarilho e performático
Natural de Governador Valadares (MG), Paulo Nazareth tem ateliê localizado no bairro Palmital, em Santa Luzia, Região Metropolitana de Belo Horizonte. Nazareth é um artista andarilho, performático, cuja obra estimula o debate sobre questões raciais, nacionais e continentais, rompendo barreiras políticas, sociais e linguísticas.

Um de seus trabalhos mais conhecidos é a série de fotografias Notícias da América (2011/2012), resultado de viagem na qual percorreu o pé toda a América Latina em direção aos Estados Unidos. Nazareth tem feito exposições individuais e coletivas no Brasil e em outros países.

Cultura e arte na FaE
O projeto Pedagogia – Ocupação Artística Paulo Nazareth foi uma ação do projeto de extensão Arte e cultura nos espaços expositivos da FaE, coordenado por Daniele de Sá Alves, também curadora das exposições. A consolidação de uma política cultural na FaE foi um dos destaques da atual gestão da unidade, que teve como foco ampliar os espaços de promoção da cultura e das artes na unidade.

Próximo à FaE, Teresa de
Próximo à FaE, Teresa de Benguela, líder quilombola do século 18; à esquerda, Paulo NazarethFoto: acervo Espaço Arteducação da FaE/UFMG

As iniciativas incluem, por exemplo, festivais de audiovisual, exposições de várias naturezas e o uso diversificado do Jardim Mandala, que é um espaço de encontros, conversas, contemplação e fruição da natureza. Estão sendo gestadas iniciativas como a criação do Cineclube Inês Teixeira e do Barracão de Artes Paulo Freire, destinado sobretudo a vivências nas artes dramáticas. “O que nos move é a convicção de que as experiências artísticas e culturais são fundamentais para a constituição da subjetividade e para a formação humana e docente, afetando toda a comunidade da FaE”, afirma a vice-diretora da unidade, professora Vanessa Neves.

A presença dos monumentos da série Corte seco, de Paulo Nazareth, no
campus Pampulha conta com o apoio da Pró-reitoria de Cultura da UFMG. O pró-reitor, Fernando Mencarelli, exalta a iniciativa institucional da FaE, que dá espaço a outras formas de compartilhamento de conhecimento, dialógicas e provocadoras, por meio da interação com a arte contemporânea. “Projetos como esse incluem quem normalmente está fora do circuito de produção e fruição artística e cultural e tematizam questões fundamentais, como a do respeito às identidades étnico-raciais”, afirma. Mencarelli destaca ainda que a Universidade tem também o papel de oferecer seus espaços, tanto os internos como os abertos, como um território expandido da arte”.

A TV UFMG produziu um vídeo sobre a exposição. Assista.

Itamar Rigueira Jr.