Pesquisa e Inovação

Candidaturas femininas e negras têm mais chance de votação pífia no Brasil

Estudo do Nepem UFMG sugere que a maioria dos partidos cumpre a cota de gênero por mera formalidade

Eleitora e mesárias em seção eleitoral em Valparaíso (GO):
Eleitora e mesárias em seção eleitoral em Valparaíso (GO): votação pífia é maior entre as mulheres do que entre os homens na maioria dos partidos brasileirosFoto: Bruno Peres | Agência Brasil

Em disputas eleitorais no Brasil, mulheres e pessoas negras têm maior chance de receberem votação pífia, isto é, alcançam menos do que 1% da votação do candidato eleito com menos votos. É o que revela levantamento do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (Nepem) da UFMG feito com base na análise de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre as eleições de 2022 para deputado federal e estadual. O estudo identificou 6.421 candidaturas com votação pífia de um total de 25.255 candidaturas deferidas – 25% do total de candidaturas receberam votação inexpressiva.

Em números absolutos, as candidaturas com votação pífia foram muito próximas entre os dois gêneros: 3.137 candidatas e 3.284 candidatos. No entanto, na avaliação proporcional, o estudo evidenciou que as mulheres e as pessoas negras são as principais afetadas: 40% das candidaturas de mulheres negras obtiveram votação pífia, frente a 32% das candidaturas de mulheres brancas e 23% das de homens negros. Para comparação, apenas 16% das candidaturas de homens brancos receberam votação ínfima. 

Em quase todos os partidos, a proporção de candidaturas com votação pífia foi maior entre as mulheres do que entre os homens, com exceção dos partidos Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), Comunista Brasileiro (PCB), Socialismo e Liberdade (PSOL) e Unidade Popular (UP).

Para a pesquisadora Marlise Matos, professora do Departamento de Ciência Política, esse quadro traduz uma forma de violência política contra as mulheres. Ela defende a importância de analisar os dados em perspectiva interseccional, ou seja, em interação com a violência racial. “Esse fenômeno é um indício de falta de apoio ou mesmo de desinteresse dos partidos no alcance do sucesso eleitoral das mulheres candidatas, que recebem menos tempo de propaganda eleitoral na televisão e no rádio, além de poucos recursos financeiros para a campanha. Outra possibilidade é que seja uma característica própria do partido e de sua institucionalização em cada território, tradicionalmente recebendo poucos votos em uma região”, destaca a pesquisadora.

Cotas maquiadas
O estudo do Nepem identificou que, se descontadas as candidaturas com votação pífia, 18 dos 32 partidos analisados não atenderiam ao mínimo de 30% de candidaturas femininas nas listas partidárias para o legislativo federal e estadual nas eleições de 2022. Os partidos que não atingiram 30% de candidaturas competitivas de mulheres são Democracia Cristã (DC), Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), Partido da Mulher Brasileira (PMB), Partido da Mobilização Nacional (PMN), Agir, Partido Social Cristão (PSC), Partido Republicano da Ordem Social (Pros), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Patriota, Avante, Podemos (Pode), Solidariedade, Rede Sustentabilidade (Rede), Partido Liberal (PL), Cidadania, Partido Social Democrático (PSD), Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e Partido Socialista Brasileiro (PSB). Além dessas siglas, a Unidade Popular (UP), um partido de pequeno porte, descumpriu a lei por apresentar menos de 30% de candidaturas femininas.

Para a coordenadora do estudo, os dados acendem um sinal de alerta sobre os direitos políticos das mulheres no país e indicam que a maioria dos partidos cumpre apenas formalmente a cota de gênero estabelecida pela Lei 9.504/1997, sem apoiar efetivamente as candidaturas femininas. “Isso é uma forma de desencorajar o acesso e a permanência das mulheres no campo político. Trata-se de uma violência político-institucional, político-partidária, que vem prejudicando as mulheres e as pessoas negras nas disputas eleitorais no Brasil”, avalia Marlise Matos.

Outra descoberta da pesquisa é que 11 partidos apresentaram candidaturas femininas com votação pífia acima da média nacional (25%): Partido da Causa Operária (PCO), com 94% de candidatas mulheres com votação pífia; Democracia Cristã (DC), com 82%; Partido da Mulher Brasileira (PMB), com 72%; Agir, com 71%; Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) e Partido da Mobilização Nacional (PMN), ambos com 69%; Partido Republicano da Ordem Social (PROS), com 60%; Patriota, com 55%; Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com 52%; Rede Sustentabilidade (Rede), com 52%; e Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), com 41%.

No caso do PSTU, há uma singularidade, pois votações inexpressivas têm sido uma característica geral do partido, que registrou, no pleito analisado, proporcionalmente, maior votação pífia entre os candidatos homens do que entre as mulheres.

Como é calculada a votação pífia?
A metodologia utilizada na pesquisa realizada pelo Nepem leva em conta as particularidades de cada estado em determinado pleito eleitoral. A votação é considerada pífia quando representa até 1% do mínimo necessário para obter sucesso eleitoral naquele contexto. Por exemplo: nas eleições de 2022, em Minas Gerais, o deputado estadual eleito com o menor número de votos recebeu cerca de 28 mil sufrágios. Considerando essa linha de corte, uma candidatura com votação pífia recebeu até 280 votos, isto é, 1% da votação do candidato eleito com menos votos.

O assunto também é tratado neste vídeo e na coluna da professora Marlise Matos na Rádio UFMG Educativa.

Esse recorte de gênero e racial foi extraído da Nota Técnica 3 – as candidaturas com votação pífia no legislativo brasileiro: dados sobre as eleições gerais de 2022 para o legislativo estadual e federal. Em etapas posteriores da pesquisa, serão analisados os valores de financiamento das campanhas e os casos de judicialização após as eleições. O estudo completo pode ser acessado no site do Nepem.

Assessoria do Nepem