‘Carregador de água na peneira’, Robson Santos, do ICB, é o novo emérito da UFMG
O menino que carregava água na peneira, poema de Manoel de Barros, é uma das inspirações do professor Robson Augusto Souza dos Santos, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB. Em seus versos, Barros compara o ato de carregar água na peneira ao de “roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos”, ao de “catar espinhos na água” e ao de “criar peixes no bolso”.
No discurso que proferiu na noite da última sexta-feira, dia 23, durante a cerimônia que lhe outorgou o título de professor emérito da UFMG, no auditório da Reitoria, Robson Santos recorreu ao magistral poeta mato-grossense para comparar educadores e cientistas a transportadores de água na peneira. “São colecionadores de ventos e sonhos que, como mágica, se materializam em conhecimento, inovação e produtos”, resumiu o novo emérito da UFMG.
Gratidão
Pouco afeito a discursos, como antecipou durante a solenidade, o professor centrou sua fala em um tema: a gratidão. Agradeceu aos mestres que contribuíram na construção de sua vitoriosa carreira científica – Wilson Teixeira Beraldo, seu orientador no mestrado da UFMG, Eduardo Moacyr Krieger e Lewis Joel Greene, orientadores no doutorado na USP de Ribeirão Preto, e José Renan da Cunha Melo, seu professor na Faculdade de Medicina de Itajubá. A Renan, que também é emérito da UFMG, Santos fez uma menção especial: “A ele devo, em grande parte, a tomada desse caminho, a Ciência, que tenho trilhado acima de tudo com extrema paixão”.
O professor também externou sua gratidão aos seis filhos e às quatro mulheres que o acompanharam em diferentes momentos de sua vida: Sueli, Maria José, Beatrix e Daisy, sua atual esposa. Ele também agradeceu a alunos, ex-alunos, colaboradores, colegas de departamento, técnicos e secretários. “Não se chega a esse ponto sem ajuda de muitos”, ressaltou.
Angiotensina
Nascido na cidade do Rio de Janeiro, filho de um cearense com uma piauiense, Robson Santos escolheu a UFMG e Belo Horizonte para consolidar a sua carreira de professor e pesquisador. Antes disso, graduou-se na Faculdade de Medicina de Itajubá, fez doutorado na Faculdade de Medicina da USP e pós-doutorado na Cleveland Clinic Foundation, em Ohio, junto com a professora Maria José Campagnole, sua então esposa.
Foi em Cleveland, na segunda metade dos anos 1980, que ele iniciou os estudos que resultaram na descoberta da Angiotensina-(1-7), peptídeo que compõem um dos mais importantes sistemas hormonais do organismo, o Renina-Angiotensina. Vasodilatadora, essa substância exerce função protetora e ajuda a controlar a pressão arterial. A descoberta trouxe-lhe prestígio internacional no campo da fisiologia cardiovascular e abriu portas para publicação de centenas de artigos em respeitados periódicos, além de depósitos de patentes.
A experiência nos Estados Unidos poderia ter continuado, mas o professor decidiu voltar. “Retornamos de Cleveland, após uma hesitação em sonhar um sonho americano. Essa tentação é muito comum, mas considero que é muito melhor lutar para mudar nossa realidade do que se entregar à ilusão e simplesmente ser mais um na multidão”, disse ele, ao justificar a decisão.
Aposentado há um ano e meio, Robson Santos envereda agora pelo campo empresarial. Ele é o fundador da startup Lab Far, instalada no Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-Tec), que trabalha com o desenvolvimento de produtos que derivam de seus estudos sobre o sistema Renina-Angiotensina. “Por que disso? Primeiro porque acreditamos que a criação de uma startup poderia propiciar uma transferência mais ágil de nossos produtos para o setor empresarial. Segundo, e igualmente importante, porque necessitava me reinventar. Continuo, obviamente, a orientar estudantes e a frequentar o laboratório”, revelou o professor.
Ao concluir seu discurso, o novo emérito da UFMG disse que o título de emérito abre um novo caminho em sua vida: “É uma nova e nobre responsabilidade, que vou viver com muita paixão como tem sido até aqui”.
Mistura de sentimentos
Encarregada de fazer a saudação ao homenageado, a professora Maria José Campagnole-Santos, também do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB, disse, emocionada, que sentia um “misto de alegria, honra e dúvida” em relação à tarefa a ela incumbida. Parceiros acadêmicos, os dois foram casados durante 24 anos.
Maria José relatou que os dois ingressaram como docentes da UFMG em 1984, ocasião em que foram recebidos pelo professor Lineu Freire-Maia, então chefe do Departamento de Fisiologia e Biofísica, que os entregou a chave do laboratório onde trabalhariam. “Para minha surpresa, naquela sala havia apenas uma bancada de alvenaria, uma mesa, um armário de aço e duas cadeiras. Nós estávamos chegando de uma instituição que tinha uma infraestrutura para ensino e pesquisa de nível internacional [a USP de Ribeirão Preto], e confesso que foi indisfarçável o meu espanto e preocupação com o futuro”, relatou.
Naquela sala, nascia o Laboratório de Hipertensão que seria estruturado pela dupla nos anos seguintes. Enquanto a reação da professora foi de desencanto, a do professor Robson, segundo o seu relato, foi a de quem estava diante de um desafio estimulante. “Isso ilustra uma das características importantes de nosso homenageado: a capacidade de liderança e de enfrentar e vencer desafios”, elogiou.
Maria José também apresentou uma detalhada explanação da prolífica carreira científica do pesquisador. Robson Santos orientou mais de 50 dissertações de mestrado e 45 teses de doutorado, publicou mais de 300 artigos em revistas internacionais – que totalizam mais de nove mil citações, patamar que lhe confere o fator H=53 pelo Web of Science –, tem inúmeras patentes registradas e realizou a transferência de produtos para a indústria farmacêutica. Pioneiro, foi um dos idealizadores do curso de Mestrado Profissional em Inovação Biofarmacêutica, o primeiro do gênero na UFMG, em 2008, e participou, em seguida, da criação do Doutorado em Inovação Tecnologica e Biofarmacêutica.
Além da ciência, Robson Santos tem outra paixão, a música. “Entre experimentos e trabalhos de bancada que avançavam madrugadas, ele desenvolvia um outro dom: escrever poesias e músicas, que, em 1980, já havia resultado em seu primeiro long play”, registrou Maria José. “O poeta nunca se dissociou do cientista e vice-versa”, afirmou a professora. Robson já compôs mais de 150 músicas e gravou seis álbuns.
Coragem e mérito
A diretora do ICB, Andréa Mara Macedo, disse que a trajetória do professor Robson Santos ensina “a sermos corajosos, alegres e novadores”. Ela afirmou que a atual crise ética e de valores impacta a ciência e a inovação no Brasil e compromete a realização de sonhos de jovens talentosos que se inspiraram na trajetória do professor Robson Santos. “Mas seu exemplo nos ensina que não podemos sucumbir ao cenário nuvioso que ora nos ameaça. É preciso persistência, resiliência, alegria e coragem”, conclamou.
No encerramento da sessão, o reitor Jaime Ramírez falou sobre o sentido do título de professor emérito, a principal distinção concedida a um docente da Instituição. Segundo o reitor, na UFMG, o título de emérito tem uma singularidade, compatível com o seu próprio ethos. “Entre as muitas honrarias e reconhecimentos acadêmicos a que um docente possa aspirar, o título de que ele, de fato, se orgulha é o de professor. Assim gostamos de ser reconhecidos e tratados”, disse o reitor.
Dirigindo-se ao homenageado da noite, Jaime Ramírez comentou: “Você é, antes de tudo, um professor. Mas um tipo especial entre nós, um emérito. Pelo mérito, você é reconhecido por seus pares do ICB e de toda a UFMG. É um professor que ficará para sempre na história e na memória da nossa instituição”.
Música
A cerimônia também contou com apresentações musicais do Coral Cantáridas, do ICB, e do próprio Robson Santos. Acompanhado do pianista Deangelo Silva, ele interpretou Água de ir, composição de sua autoria, e Lambada de serpente, de Djavan. Ao fim do minishow, entre os aplausos da plateia, o filho Pedro, de 5 anos, escapou da vigilância da família e subiu ao palco para abraçar o pai.
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