'Combinamos excelência com relevância local', afirma novo emérito
Professor Virgílio Almeida, do Departamento de Ciência da Computação, recebeu título na noite desta sexta-feira, no campus Pampulha
Virgílio Almeida, do Departamento de Ciência da Computação, que recebeu nesta sexta-feira, 22, o título de Professor Emérito da UFMG, afirmou que pesquisadores de países em desenvolvimento, marcados por “desigualdades socioeconômicas constrangedoras” enfrentam a dicotomia “relevância versus excelência”. Trabalhar em áreas de ponta ou focar em problemas regionais?
“Aprendi com colegas do DCC que esse é um falso dilema. A computação tem sido pródiga em quebrar preconceitos arraigados da ciência, como a separação entre pesquisa básica e aplicada”, ressaltou Virgílio, que usou como exemplo as pesquisas realizadas no Departamento nas áreas de recuperação de informação e gerência de dados e algoritmos que levaram à criação de empresa que viria a ser adquirida pela Google. A operação trouxe para Belo Horizonte grande número de empregos altamente qualificados. “Esse é um exemplo perfeito da combinação de excelência acadêmica e relevância local”, completou.
A cerimônia, realizada no CAD 3, campus Pampulha, teve a presença da reitora Sandra Regina Goulart Almeida, do vice-reitor Alessandro Fernandes Moreira, do diretor pro tempore do ICEx, Francisco Dutenhefner, do chefe do Departamento de Ciência da Computação (DCC), Wagner Meira, além de professores eméritos, dirigentes, docentes, técnicos e estudantes da Universidade.
“O título de professor emérito abre para mim uma nova fase, de maior responsabilidade na busca de novos conhecimentos e horizontes, dentro dessa magnífica instituição que é a Universidade Federal de Minas Gerais”, afirmou Virgílio.
Dono de trajetória que ele chamou de “pouco ortodoxa”, que inclui passagens pela indústria e pelo governo, Virgílio disse que nunca se afastou da ideia da universidade. “Em cada uma das etapas do percurso, procurei explorar as possibilidades e aceitar as frustrações. A combinação de múltiplas visões profissionais me ajudou a montar um caleidoscópio de interesses e expertises.”
Em discurso recheado de trechos de autores como Italo Calvino, Machado de Assis e João Cabral de Melo Neto, Virgílio Almeida lembrou que a construção acadêmica não é solitária. Ele valorizou a parceria com colegas, no Brasil e no exterior, e os alunos. “Uma das grandes alegrias da vida na universidade é trabalhar com os jovens, cheios de projetos e dispostos a enfrentar problemas difíceis”, afirmou.
Nova ordem
Virgílio Almeida também compartilhou uma reflexão sobre a evolução da tecnologia. “Vamos começar uma longa marcha em terreno ainda não mapeado, em que a computação vai estar inexoravelmente imbricada com o ser humano. Que nova ordem é essa? De onde virão os sinais para se entender e moldar um futuro seguro? Das artes, da ciência? Qual ciência? E a universidade, qual o seu papel?” Para o professor, os desafios do novo tempo não poderão ser vistos apenas pela ótica da computação ou das ciências humanas. “Será preciso unir partes díspares do conhecimento acadêmico e envolver a sociedade.”
Os riscos do futuro tecnológico são grandes, reconhece Virgílio, mas não é o caso de se pensar em fim da utopia da ciência ou da tecnologia. “Numa época em que se redesenham as possibilidades do homem, universidades como a nossa têm o dever de contribuir para uma transição mais justa e segura. A universidade precisa falar mais para a sociedade, contribuir para o entendimento amplo das complexas questões e dilemas éticos. E cada vez mais enfatizar a dobradinha excelência científica e relevância social e econômica, que vai levar à solução de problemas críticos.”
‘É o início’
Chefe do Departamento de Ciência da Computação, o professor Wagner Meira, que foi aluno de graduação de Virgílio Almeida, disse que a excelência é a marca da trajetória do novo emérito e também a que ele imprimiu no DCC. Emocionado, Meira contou uma história: há 26 anos, quando foi aceito no doutorado e levou a notícia ao mestre, Virgílio disse que aquele era só o início. E Meira, dirigindo-se ao homenageado, devolveu: “Agora sou eu que digo a você: hoje não é o fim, mas o início.”
Francisco Dutenhefner afirmou que os altíssimos índices de qualidade alcançados pelo DCC estão diretamente ligados ao trabalho de pessoas como Virgílio Almeida. “Na busca infinita da universidade pela excelência, alguns indivíduos contribuem tanto, que é preciso convidá-los para continuar ao nosso lado”, disse.
Inovador e questionador
Em sua saudação, guiada por citações de Guimarães Rosa, o professor Nivio Ziviani, também emérito e vinculado ao Departamento de Ciência da Computação, fez um passeio pela “brilhante carreira” de Virgílio Almeida. Lembrou, para começar, a graduação em Engenharia Elétrica na UFMG, a profícua relação acadêmica e de amizade com o professor Daniel Menascé, que o orientou no mestrado na PUC-Rio, e o doutorado na Universidade de Vanderbilt (EUA).
Ziviani mencionou também a coordenação de projetos como os INCT para a Web e para uma Sociedade Massivamente Conectada, as passagens pelas universidades de Harvard, Boston e Nova York, eleições para entidades como a Academy of Science for the Developing World (TWAS) e os títulos da Ordem Nacional do Mérito Científico e Grande Medalha de Honra da Inconfidência, entre outros.
Para Ziviani, o currículo de Virgílio Almeida é prova de sua coragem. “Seus artigos abordam a tecnologia entrelaçada com a arte, a sociedade, o mundo contemporâneo. Virgílio é assim: está sempre criando, inovando, questionando a vida e o mundo”, disse.
O professor destacou também, entre outras realizações, o papel crucial do colega na articulação pelo Marco Civil da Internet e na coordenação do Encontro Global sobre o Futuro da Governança da Internet, quando foi secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
“O que impressiona é que, em paralelo com todas essas atribuições, sua produção científica é extensa e de excelente qualidade”, ressaltou Ziviani, lembrando os três campos que Virgílio Almeida privilegia: computação social, ética e governança de algoritmos e modelagem e análise de sistemas distribuídos em larga escala.
Em mensagem gravada em vídeo, Daniel Menascé destacou a grande capacidade de Virgílio Almeida de trabalhar em colaboração com alunos – “marca de um grande mestre” – e a liderança nacional e internacional. “O título faz jus ao que você fez pela UFMG, pela internet no Brasil e pela ciência da computação em nível mundial."
Pensamento crítico
Ao encerrar a solenidade, a reitora Sandra Goulart Almeida destacou que o novo emérito abordou problemas centrais de sua área do conhecimento e entrou também na discussão de “algumas das grandes questões de nosso tempo”. Segundo ela, sua trajetória está em consonância com a missão de uma universidade relevante, que deve produzir não apenas conhecimento tecnológico que viabilize a inserção do país nas novas formas de geração de riqueza, mas também a interpretação e o pensamento crítico sobre as repercussões sociais dessas novas tecnologias.
Sandra citou os indicadores formais da qualidade do trabalho de Virgílio Almeida – publicações, congressos, projetos, premiações – e destacou também a “extensa rede de colaborações com os grupos mais ativos na geração de inovações e descobertas”. Ela lembrou ainda a intensa dedicação de Virgílio à formação de pessoas e sua disponibilidade para a atividade de gestão acadêmico-científica. Para a reitora, uma das contribuições mais relevantes de Virgílio Almeida está relacionada à consolidação da Ciência da Computação na UFMG.
“Ele ajudou a delinear e a concretizar a ideia utópica e improvável de transformação desse núcleo em um dos centros mais reconhecidos em sua área no Brasil. O DCC é plenamente integrado ao sistema mundial de instituições que atuam nesse campo do conhecimento.”
A reitora disse ainda que, por meio do reconhecimento da exemplaridade da carreira de um professor emérito, “a universidade sinaliza, para as novas gerações de docentes, o que delas se espera como missão”. E, dirigindo-se aos professores, recomendou: “façam o que tenha impacto sobre a ciência e a sociedade. Abracem a causa do conhecimento como elemento insubstituível do ainda frágil processo civilizatório em que teimamos acreditar”.
De acordo com Sandra Almeida, a cultura institucional simbolizada pelo título de professor emérito encerra a dimensão coletiva de cada história que conduz a esse reconhecimento. “Para a universidade, é fundamental, na esteira de um esforço coletivo, identificar as pessoas cuja contribuição individual tenha sido decisiva.”
Por fim, ela ressaltou a responsabilidade de uma instituição pública como a UFMG e a importância da educação e da ciência para o desenvolvimento regional e para a construção de uma sociedade mais tolerante e justa. “É essa relevância que precisamos destacar e defender. Cabe a cada um de nós resistir a tudo que possa ameaçar nossa sólida instituição e os valores que nos são tão caros.”