Pesquisa e Inovação

Desigualdades geográficas agravaram pandemia no Brasil

Estudo da UFMG produzido em parceria com universidade inglesa revela que investimento prévio em infraestrutura hospitalar diminuiria número de mortes por covid-19

Unidade de enfermaria do Hospital das Clínicas, envolvido desde o início no combate à pandemia
Infraestrutura hospitalar de Belo Horizonte possibilitou bom desempenho da capital no combate à pandemiaArquivo Hospital das Clínicas da UFMG

Aproximadamente metade das mortes causadas pela covid-19 em hospitais brasileiros poderiam ter sido evitadas caso não houvesse desigualdades geográficas pré-pandêmicas e uma excessiva pressão no sistema de saúde durante a pandemia. A constatação está no artigo Report 46 – Factors driving extensive spatial and temporal fluctuations in covid-19 fatality rates in Brazilian hospitals, que teve a participação do Laboratório de Biologia Integrativa do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG – coordenado pelos professores Renato Santana e Renan Pedra Souza –, da Universidade de São Paulo (USP) e do Imperial College de Londres.

Santana explica que o estudo considerou 14 capitais brasileiras e teve início com a segunda onda de covid-19 no país, que correspondeu ao surgimento da  variante P.1., ou gama, conhecida como variante de Manaus, no fim de 2020. “Naquela época, houve o colapso da saúde em Manaus, e, em seguida, vimos essa variante crescer em vários outros estados brasileiros, causando o aumento  do número de hospitalizações e mortes pelo Sars-CoV-2. Estudos posteriores do nosso grupo demonstraram a associação dessa variante com aumento da transmissão, dispersão do vírus e severidade da doença.”

Com a informação da data em que a variante gama foi reconhecida em cada uma das 14 capitais consideradas, o grupo observou se a taxa de fatalidade e hospitalização nesses locais havia aumentado ou diminuído com a chegada da nova variante. Por meio do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), os pesquisadores analisaram o número de mortes nas capitais e a estrutura hospitalar de cada cidade, ou seja, o número de leitos disponíveis de enfermaria e UTI, a quantidade de profissionais (como enfermeiras, fisioterapeutas e médicos) e o número de equipamentos hospitalares, como ventiladores. “Consideramos esses dados entre 20 de janeiro de 2020 e 26 de julho de 2021. Eles nos mostraram que houve aumento das taxas de fatalidade e de hospitalização em todas as capitais, mas de forma desigual”, explica Santana.

Heterogeneidade
Segundo Renato Santana, o grupo esperava encontrar números homogêneos de fatalidades e hospitalizações nas capitais, uma vez que a variante gama chegou às 14 cidades avaliadas na mesma época. Porém, a análise dos dados mostrou que cada capital teve as taxas aumentadas em momentos diferentes, refletindo as suas estruturas hospitalares. “Percebemos que a infraestrutura hospitalar das capitais contribuiu mais que a variante gama para o aumento da fatalidade por covid-19. Ou seja, capitais com estruturas hospitalares melhores registraram menos casos de mortes associados à chegada da variante gama, o que demonstrou a importância do investimento em saúde pública durante crises epidêmicas”, diz o pesquisador do Laboratório de Biologia Integrativa.

Assim, apesar de a fatalidade ter aumentado em todas as capitais com a variante gama, ela não foi capaz de explicar, sozinha, a flutuação do número de mortes nas regiões consideradas. O que explicou essa flutuação foi a estrutura hospitalar e a capacidade de receber os pacientes em cada uma das cidades.

Equipe do Laboratório de Biologia Integrativa do ICB
Equipe do Laboratório de Biologia Integrativa do ICB Arquivo pessoal


Bem na foto, BH tem trabalho de longa data

Entre as capitais analisadas, Belo Horizonte apresentou as menores taxas de fatalidade e hospitalização por covid-19, nunca chegando a 100% de ocupação dos seus leitos hospitalares. O artigo mostra que, caso as demais cidades analisadas tivessem a mesma estrutura hospitalar da capital mineira, 28,8% das mortes poderiam ter sido evitadas, o que equivale, em números absolutos, a 328.294 óbitos. Já a taxa de hospitalização poderia ter sido reduzida em 56,5%.

“Esse resultado reflete os investimentos em saúde pública e estrutura hospitalar na nossa capital ao longo dos anos. Experimentamos uma pandemia por dois anos, e a capital mineira só foi bem porque já tínhamos uma infraestrutura muito boa e hospitais de referência, como o Eduardo de Menezes, no bairro Bonsucesso, e o Júlia Kubitschek, no Milionários, que foram referências no tratamento de casos graves de covid-19. Esses hospitais foram estruturados há muito tempo, desde a época em que enfrentávamos os vírus zica, chikungunya e até mesmo a dengue severa. São estruturas que já vinham sendo montadas e que nos deram boas condições para enfrentar a pandemia”, explica Santana.

O professor acrescenta que o estudo poderá ser utilizado como ferramenta para identificar as regiões que precisam de maior aporte de recursos financeiros do Ministério da Saúde para aprimorar suas infraestruturas hospitalares e contratar profissionais. “Ficou claro que o investimento prévio e uma boa infraestrutura hospitalar são importantes. A pandemia de covid-19 está nos preparando para as próximas doenças. Precisamos investir para enfrentar futuros cenários de crise”, adverte o professor.

Luana Macieira