‘Deveríamos ter mais dados para combater a desinformação’, reivindica professor do DCC
Em artigo, Fabrício Benevenuto e outros pesquisadores propõem que mídias sociais liberem informações relacionadas a usuários, grupos e mensagens virais para subsidiar estudos mais robustos
Pesquisadores dedicados aos estudos dos fenômenos da propagação de fake news têm encontrado dificuldades para acessar dados e informações sigilosas das principais redes sociais em que há propagação de informações falsas. No artigo Tacking misinformation: what researchers could do with social media data, publicado pela Harvard Kennedy School, estudiosos de várias partes do mundo defendem que essas plataformas liberem mais dados para favorecer o desenvolvimento de estudos mais refinados que contribuam, inclusive, para combater crimes e minimizar a desinformação massiva.
Nas seis sessões do artigo, os pesquisadores levantam questões importantes que não podem ser investigadas porque as empresas responsáveis pelas plataformas das mídias sociais, como Facebook, Instagram, Twitter e Whatsapp, não liberam dados estatísticos referentes aos acessos e aos usuários das plataformas.
O professor Fabrício Benevenuto, do Departamento de Ciências da Computação (DCC) da UFMG, é um dos cientistas que assinam o artigo. Em sessão escrita em parceria com o professor Pablo Ortellado, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo (USP), Benevenuto destacou como a plataforma para troca de mensagens, o Whatsapp, poderia liberar dados que ajudassem nas pesquisas sobre desinformação.
“O Whatsapp tem sido usado ostensivamente para propagação de informações falsas tanto na época de eleições quanto agora, na pandemia do coronavírus. Os dados que hoje não são acessíveis a nós, pesquisadores, permitiriam a realização de estudos melhores e mais inovadores. Teríamos mais armas para combater as fake news”, conta.
O professor destaca que o Whatsapp é uma rede com formato fechado, o que dificulta a transparência de seus dados. “Ele cria algo paradoxal pois, ao mesmo tempo em que é uma rede fechada para conversas privadas, permite que as mensagens que circulam ali viralizem. É uma rede que nasceu privada, mas que possibilita que as mensagens se espalhem sem serem checadas e sem que se saibam as suas reais origens”, explica.
Demandas e combate a crimes
No artigo, Benevenuto e Ortellado propõem algumas estratégias para a liberação dos dados que interessam aos cientistas. Inicialmente, os pesquisadores sugerem que o Whatsapp libere informações básicas sobre o uso da plataforma, como o número de usuários e a quantidade de grupos, além do tamanho desses grupos e a frequência com que as mensagens são encaminhadas e compartilhadas.
Além da liberação dos dados que se referem ao uso do Whatsapp, os professores pedem que o aplicativo divulgue os conteúdos que são mais compartilhados em sua plataforma, ou seja, aqueles que mais viralizam. Segundo Benevenuto, o Whatsapp dispõe dessa informação, mas ela não é liberada para os pesquisadores. “Ele já limita o compartilhamento de mensagens como forma de frear a desinformação. Existe até um limite de pessoas para as quais uma mensagem pode ser compartilhada. Se a rede já possui esses dados não faz sentido que nós, pesquisadores, não tenhamos acesso a eles.”
A última demanda posta pelos pesquisadores é a necessidade de que a empresa forneça uma amostra dos nomes dos grupos de Whatsapp. Segundo o professor da UFMG, essa amostra ajudaria a mapear melhor os assuntos que estão sendo falados nos grupos. "Não existe uma visão global do que é discutido ali nas trocas de mensagens e precisamos saber se nossos atuais estudos são, de fato, representativos da sociedade, do que ela fala e sobre o que discute.”
Benevenuto conclui que ter acesso aos dados referentes às temáticas dos grupos de Whatsapp é essencial para o combate à desinformação. “Podem existir grupos escondidos na plataforma, discutindo pornografia infantil, suscitando o racismo e a xenofobia, por exemplo. Ter acesso a esses dados, nem que seja a uma pequena amostra deles, é importante porque nos possibilitará desenvolver pesquisas para ajudar a combater esses tipos de crimes”, conclui o professor Fabrício Benevenuto.