Institucional

Em evento da UFRJ, reitora defende cooperação horizontal na América Latina

'O que nos une é mais forte do que o que nos separa', destacou Sandra Goulart ao avaliar o processo de integração na região

Sandra Regina Goulart Almeida
Sandra Goulart Almeida: mudança de perspectiva sobre integração na América LatinaImagem: Raphaella Dias / UFMG (Reprodução)

A saída para a atual pandemia de Sars-CoV-2 passa pelo avanço de uma cooperação horizontal entre as instituições e países da América Latina que seja diferente da cooperação vertical antigamente estabelecida entre os países do Norte e os do Sul, “em que eles ficavam responsáveis por produzir conhecimento e nós por simplesmente consumi-lo”. 

Esse foi o argumento central defendido pela reitora Sandra Regina Goulart Almeida em sua participação na mesa-redonda Integração das universidades da América Latina, realizada na tarde desta quinta-feira, 23, no âmbito do Festival do Conhecimento da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Eleita recentemente vice-presidenta da Associação das Universidades Grupo Montevidéu, Sandra Goulart Almeida – que é a primeira mulher a ocupar o cargo desde a fundação da instituição, ocorrida há quase três décadas – iniciou sua fala lembrando Mario Vargas Llosa: “Somente no campo da cultura, a integração latino-americana aproximou-se de ser real, imposta pela experiência e pela necessidade – todos os que concebem, compõem, pintam e praticam qualquer outra tarefa criativa descobrem que o elo de união entre si é muito mais importante do que aquilo que os separa dos outros latino-americanos”. 

Professora da Faculdade de Letras da UFMG, Sandra Almeida citou Llosa para lembrar da dificuldade que tem sido enfrentada historicamente na região para se levar essa integração também para o campo político. Ela fez um balanço dos avanços e retrocessos dessa aproximação, mas situou também o complexo papel do Brasil nessa equação. “Nós, do Brasil, quando falamos dessa integração, seja como país, seja no que diz respeito às nossas instituições, temos de fazer um mea culpa e reconhecer a dificuldade que, por muitos anos, tivemos de nos reconhecer como latino-americanos”, disse. “O que sempre foi dito era que a língua era uma dificuldade. Então, fez grande diferença e gerou um grande avanço a iniciativa de se ensinar português e espanhol nas escolas dos nossos países”, disse. No Brasil, o ensino da língua espanhola no ensino médio tornou-se obrigatório a partir de 2005.

“Podemos dizer que, a partir dos anos 2000, houve, sim, uma mudança de perspectiva da integração entre as instituições e os países da América Latina”, disse ela, sem deixar de mencionar (e lamentar) a inflexão vivida mais recentemente nesse processo. “A despeito do desinteresse do governo atual nessa aproximação, hoje estamos em uma situação em que avançamos muito [em comparação com o início de toda a trajetória]”, ponderou.

Além de Sandra, participaram do debate Denise Pires de Carvalho, reitora da própria UFRJ, e Rodrigo Arim, reitor da Universidade da República Oriental do Uruguai (Udelar). As conversas foram mediadas por Amaury Fernandes, diretor de Relações Internacionais da instituição fluminense, e contaram com tradução simultânea em Libras. A íntegra do debate das apresentações está disponível no canal do evento no YouTube.

O Festival do Conhecimento da UFRJ termina nesta quinta, 23, mas as atividades já realizadas estão disponíveis no YouTube.

Participantes da mesa-redonda discutiram estratégias para a integração das universidades da América Latina
Participantes da mesa-redonda discutiram estratégias para a integração das universidades da América Latina Raphaella Dias / UFMG (Reprodução)

Responsabilidade ética
Em sua fala, Sandra Goulart lembrou as epistemologias do sul estabelecidas pelo pesquisador português Boaventura de Sousa Santos, que mantém profícua relação com a UFMG, como uma diretriz para essa almejada intensificação da cooperação sul-sul na América Latina. E, voltando a Vargas Llosa, a reitora reiterou que “o que nos une é muito mais forte do que o que nos separa”.

“E o que nos une? A grande necessidade do ensino superior na região, por exemplo. A importância das universidades públicas para a região, onde a desigualdade impera, ainda que com variação entre os países. No Brasil, essa é uma questão central. Podemos falar também na relevância do impacto regional que as nossas universidades exercem, algo que tem sido comprovado pelo papel desempenhado pelas nossas instituições durante a pandemia. E a relevância da extensão”, argumentou, lembrando que essa relevância não é a mesma em países e instituições da Europa, por exemplo.

Para a reitora, essa atuação corrobora a necessidade de reconhecer o ensino superior como bem público, direito de todos e dever do Estado. "Não podemos abrir mão desses conceitos. Isso nos une, e é com base nessa união que temos que pensar como trabalhar outras questões que são centrais para nós, como a regionalização da produção de conhecimento”, exemplificou.

Sandra Goulart reiterou que a solução para os atuais impasses terá de ser estabelecida de forma conjunta e partilhada, “não importando qual seja a posição dos nossos governantes". E acrescentou: "Nossa responsabilidade ética como universidades públicas neste momento é maior e mais contundente [que eventuais entraves políticos]”, defendeu.

Ao fim de sua exposição, Sandra fez uma convocação: “Eu espero sair dessa pandemia em uma sociedade mais responsável, mais solidária e mais consciente da sua responsabilidade ética. Mas temos, sim, uma responsabilidade com as pessoas vulneráveis que estão morrendo. É aí que a desigualdade aparece. E aí é que temos de agir como os cidadãos e cidadãs que somos todos.”

Ewerton Martins Ribeiro