Institucional

Especialistas analisam cenários da vacinação e perspectivas de saída da pandemia

Em webinário, professores da UFMG destacaram importância da adesão massiva à imunização

Especialistas analisaram o processo de vacinação sob várias perspectivas
Especialistas analisaram o processo de vacinação sob várias perspectivas Raphaella Dias | UFMG

O mundo precisa não só de uma vacina, mas de várias vacinas que funcionem bem e, sobretudo, de adesão em massa à imunização. Esse é o caminho mais rápido para se sair da pandemia de covid-19, a maior desde a gripe espanhola, ocorrida há um século.

Reunidos na tarde desta quarta-feira, dia 20, em webinário promovido pela UFMG, especialistas de várias áreas discutiram múltiplos aspectos da vacinação: desde os perfis dos imunizantes já disponíveis até a geopolítica da vacina, passando pela necessidade de se estabelecer um consenso a respeito do pacto coletivo que a imunização representa.

“A questão da vacina vai muito além de uma decisão individual. Ela é um importante instrumento de saúde pública, mas que só funcionará se todos nos comprometermos e trabalharmos de forma colaborativa, com responsabilidade e solidariedade. É preciso que todo mundo entenda o seu papel: eu me protejo para proteger a mim, o outro e a sociedade”, disse a reitora Sandra Regina Goulart Almeida, na abertura do evento.

Presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, o professor Flávio Fonseca discorreu sobre as principais vacinas em desenvolvimento no mundo. Com base em dados coletados na última quinta-feira, dia 14, Fonseca informou que há no mundo 41 vacinas na primeira fase de pesquisa, 22 na fase 2 e 20 vacinas na 3, etapa em que são realizados testes de eficácia em larga escala. O passo seguinte é o licenciamento para uso do imunógeno.

Além delas, oito vacinas estão licenciadas para uso emergencial e duas para uso pleno. “Temos hoje 93 candidatas vacinais – ou vacinas de fato – em jogo, opções que podem se tornar realidade ou mesmo já são. Esse cenário projeta um momento em que teremos uma larga quantidade de imunógenos disponíveis, de forma a poder escolher as melhores vacinas a serem ministradas de acordo com cada realidade”, comemora o pesquisador, que também explicou as diferenças tecnológicas entre as três modalidades de vacina: as de vetor viral (AstraZeneca/Oxford, Sputnik V, Johnson & Johnson), as desenvolvidas com vírus inativado (Sinovac/Coronavac) e as de RNA (Pfizer, Moderna).

Flávio Fonseca (abaixo, à direita)
Flávio Fonseca (abaixo, à direita) apresentou panorama global dos esforços de desenvolvimento da vacinaRaphaella Dias / UFMG

Rapidez não é motivo para desconfiar
De acordo com o professor, que é pesquisador associado do CT-Vacinas e integrante do Comitê Permanente de Enfrentamento do Novo Coronavírus da UFMG, o fato de a comunidade científica ter conseguido desenvolver vacinas em tempo recorde não é razão para desconfiança. “A ciência evoluiu muito, então é absolutamente normal que a gente consiga elaborar vacinas ou outros insumos biológicos com mais rapidez” argumentou. Segundo ele, antes da atual crise de covid-19, a vacina contra o ebola fora a mais rápida que a ciência havia conseguido desenvolver: ela demorou cinco anos e sete meses para ficar pronta.

Flávio Fonseca também demostrou preocupação com as mutações que o vírus da covid-19, o Sars-coV-2, vem sofrendo, a exemplo da variante africana, tema de estudo com participação da UFMG. Contudo, as mutações já ocorridas no Sars-coV-2 ainda não são suficientes para torná-lo resistente às vacinas atualmente produzidas ou já aplicadas. “De toda forma, o acúmulo constante dessas mutações é um risco real [futuro] à eficácia das vacinas”, ressalvou.

A mutação do vírus é uma das razões para que o Brasil siga investindo no desenvolvimento de uma vacina nacionalizada. “Não fossem todas as implicações problemáticas de só se ter no país vacinas dependentes de tecnologia estrangeira, a ocorrência de mutações no vírus é mais um indicativo de que o Brasil precisa desenvolver capacidade de, no futuro, gerar vacinas que combatam as variantes que eventualmente surgirem no território nacional”.

Especialista em imunologia, o professor Jorge Andrade Pinto, da Faculdade de Medina, defendeu a segurança das atuais vacinas disponíveis contra a covid-19 e destacou que a chamada imunidade coletiva só poderá ser alcançada se mais de 70% da população brasileira for efetivamente vacinada. Ele citou a erradicação e a reemergência do sarampo como exemplo de que a vigilância nesse terreno precisa ser constante. 

“Em 2015, o Brasil recebeu um certificado de erradicação do sarampo. Foi um grande avanço, uma vitória do programa nacional de imunização brasileiro – que, diga-se de passagem, é um dos mais bem-sucedidos, senão o mais bem-sucedido programa de imunização de acesso universal do mundo. Infelizmente, dois anos depois, tivemos o retorno da doença e perdemos esse certificado de erradicação”, lamentou Andrade, que é pesquisador principal da Covid-19 Prevention Network (CoVPN).

Erros
O professor Unaí Tupinambás, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina, avaliou as perspectivas de fim da pandemia. De acordo com ele, por uma série de fatores, entre eles pelos equívocos do governo brasileiro, a imunização de grupo, que já iria demorar no mundo como um todo, vai demorar ainda mais no Brasil.

Um desses vários erros, explica Unaí, foi o atraso do governo em aderir ao programa Covax Facility, aliança mundial de vacinas contra a covid-19. O professor lembrou que o Brasil teve a oportunidade de entrar no consórcio em abril, mas só aderiu entre setembro e outubro de 2020. Outro erro foi a opção de solicitar menos doses de vacina que as disponíveis. Unaí lembrou que o governo brasileiro tinha a opção de pedir 40 milhões de doses, mas só solicitou 20 milhões.

Outro problema mencionado pelo pesquisador foram os sequentes desentendimentos criados pelo governo com a China e com a Índia, países dos quais o Brasil depende para obter agora os insumos necessários à produção de vacinas, e não se sabe quando esses insumos chegarão. “O SUS tem uma capilaridade que nenhum outro país tem. Se a gente tivesse vacina, vacinaríamos todo mundo muito rapidamente”, afirma o infectologista, que integra os comitês de enfrentamento do coronavírus da UFMG e da Prefeitura de Belo Horizonte.

Para Unaí, o ideal seria o Brasil vacinar a maior parte da população prioritária (algo em torno de 20 milhões de pessoas) antes do outono, época em que aumentam as demais infecções pelas vias aéreas. “Não sei como vamos fazer para vacinar contra a covid-19 e, ao mesmo tempo, contra a influenza”, afirmou ele, prevendo um conflito de calendários e logística.

“Mas a melhor estratégia para o cenário atual de escassez de doses é mesmo esta, proteger a força de trabalho na saúde, proteger os grupos mais vulneráveis, reduzindo a morbimortalidade. Fazendo isso, a gente vai desafogar os hospitais – e aí poderemos começar a ter com a covid-19 uma rotina de doença ‘mais comum’”, ele explica.

Unaí Tupinambás:
Unaí Tupinambás: medidas não farmacológicas continuarão sendo adotadas por mais tempoRaphaella Dias / UFMG

'Conta-gotas'
Segundo Unaí, nesse ritmo de “conta-gotas”, também será necessário manter as medidas não farmacológicas por mais tempo. “Um, dois anos, ainda não sabemos ao certo. Mas será importante preservar o distanciamento possível, usar máscaras, lavar as mãos, evitar aglomerações – claro, com um pouco mais de abertura”, afirma.

Em âmbito global, o processo também não avançará de forma muito acelerada “O grande problema é a capacidade mundial de produção. Hoje, nós temos, segundo artigo publicado na Nature, uma capacidade de produção de 2 a 4 bilhões de dose por ano. Nesse ritmo, e considerando que as vacinas têm regime de duas doses, nós conseguiríamos alcançar uma imunização de grupo no mundo entre 2023 e 2024”, pontua.

A segunda parte do webinário tratou de aspectos sociais, políticos, comunicacionais e diplomáticos da vacinação. A cobertura jornalística será publicada nesta quinta-feira, 21, no Portal UFMG.

Ewerton Martins Ribeiro