Estudo do DCC investiga peso da sorte e da habilidade na definição de campeões esportivos
O Corinthians foi o campeão simbólico do primeiro turno do Campeonato Brasileiro, com a melhor campanha da história desde que a competição passou a ser disputada por 20 equipes no sistema de pontos corridos. Foram 47 pontos em 19 jogos disputados, com 14 vitórias, cinco empates e nenhuma derrota.
Os números surpreendentes estimularam os analistas do futebol a buscar explicações para a boa campanha do time paulista. Enquanto uns acreditam que o Corinthians é o melhor time do campeonato, outros avaliam que o sucesso da equipe se deve ao fator sorte. O modo como esses dois fatores – habilidade e sorte – atuam na campanha de um time vencedor foi analisado por grupo de pesquisadores do Departamento de Ciência da Computação da UFMG (DCC) no artigo Luck is hard to beat: the difficulty of sports prediction, apresentado na conferência KDD 2017 – especializada em mineração de dados –, realizada em julho, no Canadá.
Durante a pesquisa, o grupo percebeu que sorte e habilidade são fatores que atuam de forma diferente de acordo com o esporte analisado. Para testar a influência da aleatoriedade, o grupo debruçou-se sobre 270.713 jogos, 1.503 temporadas esportivas, 84 países e quatro esportes: basquete, voleibol, futebol e handebol. Entre as ligas analisadas, estão o Campeonato Brasileiro de Futebol da Série A, a National Basketball Association (NBA) e a Premier League Inglesa – a primeira divisão do futebol inglês.
As análises foram feitas por meio de cálculos estatísticos realizados em um software. O grupo comparou o histórico de partidas jogadas pelos times ao longo dos campeonatos e realizou simulações aleatórias, como se o placar de todas as partidas fosse resultado do acaso. "Depois, comparamos a simulação aleatória com o campeonato real. Quando a variância real fica muito distante da variância aleatória, o campeonato não foi definido apenas por sorte, ou seja, a habilidade dos times teve papel fundamental na definição dos campeões", explica o professor Pedro Olmo, um dos autores do trabalho juntamente com Raquel Aoki e Renato Assunção.
O papel da habilidade na definição dos campeões ocorre por meio de coeficiente que varia entre o infinito negativo e 1. Quanto mais perto de 1, maior será a importância da capacidade técnica para definir o campeão e menor será a interferência da sorte nos resultados. O grupo constatou que o futebol e o handebol são esportes em que a sorte tem maior peso. Os torneios de voleibol e de basquetebol, por sua vez, são decididos, majoritariamente, pela habilidade das equipes. "A NBA não é um torneio aleatório. É muito raro que uma equipe ruim vença uma boa. Não há zebras na classificação final; é muito fácil olhar a tabela e apontar os times que podem ser os campeões", diz o professor.
Segundo Pedro Olmo, a qualidade dos jogadores pesa tanto na NBA que, para se tornar um campeonato aleatório, seria necessário que, em média, metade das equipes saísse do torneio. Ele observou situação oposta na Série A do Campeonato Brasileiro deste ano, pois bastaria apenas a retirada de um time para que o fator sorte passasse a ser preponderante.
"Analisamos 189 jogos das 20 equipes do primeiro turno do Campeonato Brasileiro e vimos que, se retirássemos apenas o Corinthians, o Brasileirão ficaria completamente aleatório, pois reuniria times de qualidade similar, tornando impossível prever o campeão. Por isso, a briga por vaga na Taça Libertadores da América é tão intensa. Se excluirmos o Corinthians, o campeonato já se torna aleatório", exemplifica.
O professor do DCC explica que o Brasileirão tem um perfil difícil de analisar, uma vez que sua aleatoriedade varia ao longo dos anos. "Nossos cálculos mostraram que o Brasileiro de 2009, vencido pelo Flamengo, enquadra-se como campeonato aleatório, enquanto a campanha vitoriosa do Cruzeiro em 2014 foi definida pela habilidade. Além do Cruzeiro, o Internacional e o Criciúma também deveriam ser removidos do campeonato daquele ano para torná-lo aleatório. No caso do Corinthians de 2017, tudo indica que ele será campeão também pela habilidade", prevê.
Outras aplicações
O professor acrescenta que o método desenvolvido para analisar os esportes também pode ser empregado em estudos com outros tipos de sistemas dinâmicos, aqueles formados por muitas variáveis. "Trabalhos do gênero poderiam ser usados em um sistema de concorrência de empresas que competem por uma fatia de mercado, por exemplo. Como a sorte explica o fato de uma empresa atrair mais clientes que a outra? A empresa que vende mais é mais hábil ou tem mais sorte?", questiona.
Pedro Olmo lembra que torneios esportivos equilibrados são mais interessantes para o público e que pesquisas sobre a competitividade possibilitam a criação de mecanismos que tornem os campeonatos mais atraentes. Segundo ele, o sistema de draft da NBA é um exemplo de como campeonatos parelhos no âmbito técnico tendem a ser mais emocionantes e lucrativos. Draft é um evento anual em que os 30 times da NBA podem recrutar jogadores elegíveis para ingressar na liga. A seleção consiste em duas rodadas, nas quais 60 jogadores são selecionados. O sistema é visto por especialistas como mecanismo importante para fazer da NBA um torneio equilibrado e definido pela habilidade dos times, uma vez que a equipe de pior colocação no ano anterior é a primeira a escolher um jogador, e o campeão do ano anterior, o último. O draft permite, assim, que o pior time selecione jogadores mais qualificados para a temporada seguinte.
"Não é nada interessante para a audiência quando uma competição por pontos corridos é definida com muita antecedência. Esse trabalho ajuda a caracterizar as ligas esportivas, possibilitando entender por que em algumas é mais fácil prever quem vai chegar mais longe e quem pode ser o campeão. Com esse trabalho, podemos observar as regras das ligas e identificar as mais competitivas", conclui o professor Pedro Olmo.