Faculdade de Farmácia promove ação educativa permanente para farmacêuticos do SUS
Primeira atividade do projeto de extensão, realizada em agosto e setembro, reuniu 120 profissionais da Secretaria de Saúde de Belo Horizonte
A prática farmacêutica tem passado por grandes transformações nas últimas décadas. No imaginário popular e social, o farmacêutico ainda é percebido exclusivamente como um profissional especialista em medicamentos. No entanto, com as mudanças que a profissão sofreu, o trabalho do farmacêutico passou a incorporar também o cuidado com o paciente, numa perspectiva ampla de atenção à saúde. Essas mudanças também têm demandado uma alteração no perfil profissional. É nesse contexto que a Faculdade de Farmácia da UFMG, em parceria com a Secretaria de Saúde de Belo Horizonte, inaugurou, neste ano, o projeto de extensão universitária Educação permanente para farmacêuticos preceptores da atenção primária à saúde, destinado a farmacêuticos do Sistema Único de Saúde (SUS).
Os encontros presenciais da primeira ação educativa, destinada a cerca de 120 profissionais, foram realizados nos meses de agosto e setembro, na Faculdade de Farmácia. Um resumo sobre o projeto inscrito no 26º Encontro de Extensão da UFMG foi selecionado por relevância acadêmica, e o trabalho será apresentado durante a 32ª Semana do Conhecimento, que ocorre até esta sexta-feira, 27 de outubro, com o tema Desenvolvimento sustentável e democracia na era da inteligência artificial.
A professora Simone Mendonça, do Departamento de Farmácia Social, coordenadora da ação educativa, explica que a mudança do perfil de atuação profissional, com foco na saúde comunitária e na atenção primária à saúde, advinda da reorganização do SUS, implicou a necessidade de reorganização da formação. "Nós temos esse princípio legal de o SUS ser ordenador da formação dos profissionais de saúde. Especificamente na Farmácia, desde a década de 1960, tem sido desenvolvida também a formação para o cuidado ao paciente”, contextualiza.
Reformulação
A transformação na profissão, explica Simone Mendonça, também tem exigido dos cursos de graduação adaptações em suas matrizes curriculares: "A Diretriz Curricular de 2017 já prevê que aproximadamente metade do currículo seja destinada à formação do profissional de farmácia com foco na atuação no cuidado em saúde. Essas novas diretrizes também reforçam a importância da formação de profissionais para atuarem no SUS.”
No momento, o currículo do curso de graduação em farmácia da UFMG está em processo de reformulação. A proposta, em avaliação na Pró-reitoria de Graduação (Prograd), prevê ampliação na formação para o cuidado. "Um ponto que merece destaque, pois está diretamente associado a essa formação educativa que começamos a oferecer, é a inserção obrigatória de todos os nossos 106 estudantes no SUS, a partir do terceiro período do curso", explica a professora.
A ação educativa foi planejada conjuntamente por gestores e trabalhadores do SUS, docentes e servidores técnico-administrativos da Universidade, e contou com o apoio de 16 tutores, entre discentes de graduação, de pós-graduação e farmacêuticos do SUS. “É uma contrapartida oferecida pela UFMG pela cessão, por parte da PBH, dos campos de estágio que almejamos na proposta de alteração curricular. Os farmacêuticos da PBH que participam da ação são potenciais preceptores de estágios do curso de Farmácia da UFMG; por isso, é importante esse trabalho conjunto em prol da formação de profissionais em consonância com as necessidades de saúde da população”, diz Simone Mendonça.
Expansão
Como instituição pública, a UFMG deve se pautar pelo compromisso social e oferecer uma formação coerente com as necessidades do SUS. Por isso, segundo a professora, buscou-se essa parceria com a PBH. "É preciso dizer que a prefeitura vem fortalecendo o trabalho do farmacêutico no sistema de saúde. Até 2009, a rede tinha menos de dez profissionais para cuidar de toda a assistência farmacêutica de Belo Horizonte. Naquele ano, uma portaria instituiu os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), e a PBH passou a inserir farmacêuticos em equipes multiprofissionais de atenção primária. Hoje são mais de 100 em toda a rede", avalia Simone.
Segundo a professora, o cenário atual é propício para que se aprimore a formação do estudante, o que facilita a sua inserção, logo nos primeiros semestres do curso, nas unidades de atenção primária do SUS. “Nossa expectativa é que o aluno comece a estudar com outro olhar, ao perceber, na experiência prática, como aquele conhecimento vai sendo construído no dia a dia da atividade profissional.”
Uma das representantes da PBH na parceria, a farmacêutica Ana Emília Ahouagi, gerente de Assistência Farmacêutica e Insumos Essenciais da Secretaria de Saúde de Belo Horizonte, também defende a adequação do modelo e da matriz de formação do farmacêutico às necessidades da saúde da população, especialmente do SUS. "Nós temos que caminhar juntos. Não é viável que a universidade tenha uma formação que não esteja em consonância com as necessidades da população e das políticas atuais vigentes sobre assistência em saúde”, defende.
Para Ana Ahouagi, a parceria entre a PBH e a UFMG vai ajudar no desenvolvimento de ações de educação permanente para profissionais da rede do SUS que não tiveram formação clínica durante a graduação em farmácia, por meio de ações de educação permanente. "O farmacêutico precisa estar mais dedicado às questões de saúde e aos cuidados com o paciente, o que vai muito além da organização de estoque [de medicamentos]. Com essa parceria, buscamos qualificar os profissionais da nossa rede e trazer para a universidade as demandas de formação de quem está na ponta, atuando no SUS”, diz.
Retorno para o SUS
Entre os ganhos para os serviços de saúde, Simone Mendonça também destaca a formação de profissionais de forma coerente com as demandas da atenção primária. "Com essa inserção do estudante no SUS, a universidade estará preparando pessoas que têm noção da demanda social e da realidade, profissionais que vão conseguir se inserir melhor no sistema. Além disso, de forma mais imediata, acredito que a presença do estudante no serviço de saúde já vai promover, nos preceptores, uma vontade de se renovar e de buscar novos conhecimentos", afirma.
Como contrapartida formal, além da ação educativa de formação permanente iniciada neste ano, a equipe do Centro de Estudos do Medicamento (Cemed), vinculado ao Departamento de Farmácia Social, tem oferecido aos profissionais da PBH suporte técnico-científico e informações sobre medicamentos. “Temos prestado apoio e consultoria na elaboração de guias e na revisão de boletins de farmacovigilância da Prefeitura de Belo Horizonte. Além disso, nesta primeira formação, eu falo um pouco sobre as fontes de informação relacionadas a medicamentos, que são o instrumento técnico de consulta para o farmacêutico, esteja ele em qualquer ponto da assistência farmacêutica”, explica a professora Cristiane de Pádua, coordenadora do Cemed.
Discrepância na formação
A primeira atividade do projeto de extensão teve como base o guia Atuação do farmacêutico no cuidado à pessoa que vive com diabetes, elaborado por equipe da Secretaria de Saúde de Belo Horizonte. Simone Mendonça explica que o objetivo principal é mobilizar o conhecimento científico, as habilidades e as atitudes clínicas para propor intervenções na prática diária do farmacêutico no SUS. “Nós percebemos que há uma discrepância muito grande entre os diversos profissionais: há aqueles graduados há 20, 25, 30 anos que não tiveram nenhuma formação clínica, e há outros que se formaram recentemente, que fizeram especialização, residência, mestrado e que foram se aperfeiçoando no cuidado ao paciente. Os grupos de profissionais são mistos, e eles têm-se apoiado mutuamente, o que é muito interessante”, afirma.
Ana Ahouagi, que concluiu sua graduação na Faculdade de Farmácia da UFMG, considera que a aproximação da Universidade com a Prefeitura facilitará a construção de campos de estágio mais adequados à rede também no âmbito da inserção dos estudantes no SUS. "Como egressa, posso dizer que o perfil de formação que tive na graduação não era o mais adequado às necessidades da rede primária de atenção à saúde. A ocupação desses campos de estágio por estudantes da Universidade é crucial para que eles tenham uma preparação mais adequada”, defende.
Potência do SUS
Uma das participantes da formação, a farmacêutica Daniela Álvares Machado, é, atualmente, preceptora de um estudante do nono período do curso de farmácia da UFMG. "Ele vai cumprir um estágio de seis meses, com a proposta de fazer essa ponte da academia com a parte prática do trabalho, algo que não é comum na formação. Eu me graduei em 2006, e, na época, teorizava-se muito durante o curso e, na hora de fazer um atendimento ou um acompanhamento na vida real, não havia o recurso e a instrumentalização para lidar com questões práticas da rotina”, relembra.
Daniela Machado acredita que a inserção do estudante na atenção primária do SUS desde o início da graduação é fundamental para uma formação mais perene e consistente. "Essa vivência deve começar o quanto antes, para que os futuros profissionais estejam mais preparados para ser resolutivos, onde quer que estejam. O volume de conhecimentos é imenso e engloba, além das questões relativas à farmácia, processos específicos do SUS. Todo profissional se beneficia muito sabendo como é o funcionamento desse espaço, até mesmo para ser um cidadão mais consciente nas escolhas que faz ao longo da vida. É importante saber qual é a força do SUS e qual é a potência desse sistema", finaliza.
Equipe de palestrantes
Farmacêutico: Wenderson Henrique Rocha (Nasf/PBH)
Docentes: Karina Braga Gomes Borges (Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas), Márcio de Matos Coelho (Departamento de Produtos Farmacêuticos), Cristiane Aparecida Menezes Pádua (Departamento de Farmácia Social), Yone de Almeida Nascimento (Departamento de Farmácia Social), Clarice Chemello (Departamento de Farmácia Social) e Simone de Araújo Medina Mendonça (Departamento de Farmácia Social)