Fale passa a oferecer licenciatura em Libras
Novo curso vai formar docentes e aumentar a inclusão da comunidade surda
A criação do curso de Letras-Libras, aprovada em novembro pelo Conselho Universitário da UFMG, atende a uma minoria linguística que não tem o Português como língua primária e é o desdobramento natural dos esforços da Universidade nessa área, ao longo dos últimos anos.
De acordo com a professora Giselli Mara da Silva, coordenadora do Colegiado do novo curso, a origem da relação diferenciada que a comunidade de surdos constrói com a Língua Portuguesa se dá no momento que os deficientes auditivos usam o Português apenas para ler e escrever, o que os leva a enxergar, na Língua Brasileira de Sinais (Libras), um símbolo cultural: “Para essas pessoas, o termo ‘surdo’ não tem um sentido pejorativo. Pelo contrário, ser ‘surdo’ ou ‘surda’ é fazer parte de uma comunidade e fazer uso da Língua de Sinais”, explica.
Desde o Decreto 5.626/2005, que estabelece diferentes estratégias para assegurar o reconhecimento da Libras como uma língua no Brasil, a demanda de professores para a área aumentou. Essa necessidade social é reiterada pelos dados que embasam o projeto pedagógico da Licenciatura Especial em Letras-Libras e que indicam o aumento do número de estudantes das disciplinas da área de Libras desde 2010 – primeiro ano em que Fundamentos de Libras on-line foi ofertada na Fale. Em 2015, a Faculdade recebeu mais de quatro mil pedidos para cursar essa disciplina e, no primeiro semestre do ano seguinte, 2.345 pessoas demonstraram o mesmo interesse. Atualmente, 1.050 alunos, de todas as áreas do conhecimento na UFMG, participam das atividades on-line e, na modalidade presencial, o curso conta com 35 estudantes, em sua maioria da Fale.
Em ofício de dezembro de 2015, a Secretaria de Educação de Minas Gerais solicitou que a UFMG oferecesse o curso de formação em Libras. Segundo Giselli Mara, as conversas que deram origem à Licenciatura em Letras-Libras iniciaram-se em 2016, e, já naquela época, entendia-se a necessidade de que o curso que fosse separado das outras licenciaturas, dirigido somente à formação de docentes da Libras. Em consonância com essa visão, o processo seletivo será destinado também à comunidade surda e composto de duas provas, em Português e em Libras.
A garantia da coexistência das duas línguas em uma prova de vestibular é uma das estratégias para assegurar acessibilidade e inclusão. Giselli Mara aponta para outro aspecto que reforça a exclusão da comunidade surda. “Existem mais de 200 comunidades linguísticas no Brasil, mas predomina entre nós o chamado ‘mito monolinguístico’, que é a ilusão de que todos falam português. Isso é um equívoco muito grande”.
Giselli Mara é uma das responsáveis pela iniciativa do da graduação em Libras, juntamente com Elidéa Bernardino, professora do Núcleo de Libras e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Libras, Surdez e Bilinguismo (NELiS), Guilherme Lourenço, professor e doutor em Linguística Teórica e Descritiva, Michelle Murta, professora e doutoranda em Linguística Teórica e Descritiva, e Rosana Passos, professora na área da Libras e doutora em Linguística Teórica e Descritiva.
Expressão oficial
No dia 24 de abril de 2002, a Lei nº 10.436 reconheceu a Libras como “meio legal de comunicação e expressão oficial da comunidade surda”, e dessa forma ela é caracterizada no projeto pedagógico. O Decreto 5.626, de 2005, regulamentou e oficializou o direito à educação das pessoas surdas. A legislação contém exigências como a inclusão da Libras nos currículos dos cursos de Licenciatura e de Fonoaudiologia, além da formação de docentes para o ensino da Língua de Sinais nas séries finais do ensino fundamental e nos ensinos médio e superior.
Giselli Mara destaca que a demanda gerada por esse decreto, que prevê a criação de cursos de Letras-Libras, e a alta concentração de surdos na Região Sudeste reforçam a necessidade de uma graduação separada para essa comunidade. Há pouco mais de 1 milhão de pessoas com deficiência auditiva em Minas Gerais, de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010. Esse número é o equivalente a cerca de 5% da população, e 1,2% apresenta surdez grave ou severa.
Números como esses e a infraestrutura educacional, incluindo a oferta de professores especializados, não batem: o cenário ainda é de falta de acessibilidade. Em Minas Gerais, apenas uma turma finalizou a graduação do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet–MG), em 2012.
Com o objetivo de contribuir para a mudança desse cenário e consagrar o lugar da Libras como a primeira língua das pessoas surdas, o novo curso da Fale foi estruturado para abrigar disciplinas que podem ser lecionadas em Libras, mas também por professores que não são fluentes na Língua de Sinais, que contarão, durante as aulas, com apoio de intérpretes do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão da UFMG (NAI).
A expectativa da equipe que criou o curso de Letras-Libras é que sejam formados professores surdos e ouvintes, que irão lecionar para ambas as comunidades linguísticas, atuando tanto nas escolas especiais quanto nas comuns com inclusão de deficientes auditivos. Esses profissionais enxergarão, na comunidade surda, a heterogeneidade de “representações culturais e identitárias”, conforme consta no Projeto Pedagógico.
Giselli afirma que “a ideia é que, a longo prazo, a área se profissionalize cada vez mais. “Esperamos que esses profissionais, à medida que se formem em Letras-Libras, conquistem espaços criados por concursos do Estado e da Prefeitura”.
A primeira entrada da formação será no segundo semestre de 2019. Os alunos serão selecionados por vestibular especial, com 25 vagas para surdos e cinco vagas de ampla concorrência. Os interessados deverão acompanhar as informações publicados nos sites da Faculdade de Letras e da Copeve.