Filhos da pandemia: Medicina avalia impacto da crise sanitária sobre o desenvolvimento infantil
Pesquisa monitora 560 bebês; resultados preliminares revelam alta prevalência de casos suspeitos de atraso
Pesquisa coordenada por professores da Faculdade de Medicina da UFMG está acompanhando 560 bebês nascidos durante a pandemia de covid-19 para avaliar os impactos da infecção na gravidez e da própria crise sanitária no desenvolvimento e comportamento das crianças nos primeiros dois anos de vida. Resultados preliminares indicam alta prevalência no número de casos suspeitos de atraso no desenvolvimento infantil.
A primeira triagem foi feita aos seis meses de vida, por meio de inquérito telefônico realizado com as mães e que se vale do instrumento SWYC. Os resultados preliminares indicam que 22% dos bebês apresentaram suspeita de atraso no desenvolvimento global, e 52% registravam algum tipo de problema de comportamento, como irritabilidade e inflexibilidade.
Chamou a atenção dos pesquisadores a presença de fatores de risco no ambiente familiar, como uso abusivo de álcool e drogas (32%), insegurança alimentar (29%) e depressão materna (16%). “Comparando com estudos anteriores, a vulnerabilidade psicossocial encontrada nessa amostra foi superior à observada antes da pandemia”, afirma a professora Cláudia Lindgren, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG.
Intervenção precoce
Agora, aos 12 meses de vida, os bebês estão passando por avaliação do desenvolvimento e da linguagem para confirmação do diagnóstico. “Fazemos uma série de testes para confirmar a suspeita de atraso e, se necessário, começar uma intervenção o mais cedo possível e minimizar os possíveis prejuízos em longo prazo”, pontua a professora.
Os bebês que participam da pesquisa nasceram no início de 2021 nos municípios de Uberlândia, Ipatinga, Contagem, Nova Lima e Itabirito e estão sendo acompanhados desde então. A pesquisa de anticorpos contra o coronavírus foi feita na primeira semana após o parto. As crianças foram separadas em dois grupos: um com 196 mães com sorologia positiva para covid-19 e outro com 364 mães que testaram negativo.
Não foi observada diferença no desenvolvimento dos bebês entre os dois grupos. “Nossa hipótese é que os riscos ambientais se sobrepõem aos efeitos diretos da infecção pelo Sars-CoV-2 nos bebês durante a gestação, ou seja, os problemas de desenvolvimento e comportamento estão mais relacionados com o estresse psicossocial vivido pelas famílias durante a pandemia”, observa a professora.
Desde abril de 2022, os casos com suspeita de atraso estão sendo avaliados presencialmente com testes para diagnóstico de problemas de desenvolvimento e de linguagem, chamados Escala Bayley e ADL, que vão gerar evidências mais robustas sobre o cenário. O acompanhamento deverá durar dois anos e será feito via inquéritos por telefone, consultas e testes de desenvolvimento dos bebês dos grupos soropositivo e controle.
Pezinho e testagem das mães
Na primeira fase do estudo, a equipe utilizou o teste do pezinho e testagem das mães para identificar a exposição ao Sars-CoV-2 durante a gestação e descobriu que a maioria das gestantes que se infectaram passaram anticorpos para os bebês por via transplacentária.
O estudo é desenvolvido em parceria com o Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad), com a Secretaria Estadual de Saúde (SES-MG), com a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e com o CTVacinas da UFMG. Os pesquisadores contam, ainda, com a consultoria do professor Anuraj Shankar, da Universidade de Oxford (Reino Unido).
Os critérios para a escolha dos cinco municípios foram a taxa de prevalência de covid-19, o número de nascimentos por mês e a existência de rede de apoio para necessidade de reabilitação das crianças com alterações nos testes de neurodesenvolvimento.