Finalista do Jabuti, Nayara Noronha, da Face, ministra disciplina sobre literatura e cidade
As ruas de Belo Horizonte são o foco da atividade, que integra formação transversal; estudantes de graduação podem se matricular nos dias 26 e 27 de fevereiro
Amantes dos livros e da cidade terão encontro marcado, no próximo período letivo, na disciplina Cidade protagonista – escrita em movimento, ministrada pela professora e escritora Nayara Noronha. Os interessados podem se matricular nos dias 26 e 27 de fevereiro por meio do Sistema Integrado de Gestão Acadêmica (Siga).
Estudantes de pós-graduação e pessoas da comunidade externa podem solicitar matrícula até 1º de março, de acordo com as orientações deste documento. O curso integra a Formação Transversal em Culturas em Movimento e Processos Criativos, e sua carga horária é de 30 horas. As aulas serão ministradas às segundas-feiras, às 17h. As vagas são limitadas.
Desde que ingressou na UFMG, há três anos, como professora do Departamento de Ciências Administrativas da Faculdade de Ciências Econômicas, Nayara pesquisa o conceito de cidade protagonista. "Estudei o livro As maravilhas, de Elena Medel, que explora a relação das mulheres nas cidades. Existe a questão do corte de classe que faz a pessoa viver a cidade de forma diferente. Isso também ocorre com as mulheres", relata a escritora.
Para fugir do olhar estritamente teórico, a disciplina propõe a discussão dos elementos literários, como personagem, enredo, voz e narrativa, por meio de atividades de campo. "Andar pela cidade, fazer notas de campo sob uma perspectiva etnográfica e transformar isso em crônicas e contos é meu objetivo com esse curso", afirma Nayara.
Escuta, observação e fotos
O tema da cidade já é muito explorado por escritores do eixo Rio-São Paulo, e Nayara quer trazer Belo Horizonte para o centro de sua disciplina. Obras de Fernando Sabino e Pedro Nava, assim como a literatura de Carlos Drummond de Andrade, servem de base para o programa do curso.
As atividades práticas serão realizadas em dois momentos. Primeiro, haverá escuta e observação in loco com anotações. A segunda experiência será fotográfica: cada aluno vai registrar sua percepção de cidade em bairros diferentes. Esse material será utilizado na construção de textos em sala.
"Minas tem 853 cidades. A gente deve receber muita gente do interior na UFMG. Então eu gostaria de ter um grupo diverso de pessoas que são da cidade, mas também de pessoas que estão experienciando a cidade grande pela primeira vez", conta Nayara sobre o público que espera receber em suas aulas. "O perfil do aluno tem que ser de quem gosta de ler, escrever e bater perna pela cidade. E o mais importante é que tenha curiosidade", acrescenta a professora.
A cidade não é igual para todos
Semifinalista do 65º Jabuti, premiação de maior prestígio entre escritores brasileiros, com o romance Filha (2022), Nayara se encontrou com a escrita recentemente, apesar de manter uma estreita relação com livros há muito tempo. "Eu falo para todos os meus alunos, para todo mundo, que a universidade federal mudou completamente a minha vida. Eu sou uma menina do interior, meus pais são de Dores do Indaiá (MG). Fui estudar porque era o que tinha que fazer para eu ter uma vida melhor", conta a escritora.
Nayara Noronha se formou em Administração e fez mestrado na mesma área, mas foi no doutorado que viveu uma experiência transformadora. "Eu fiz a etnografia de uma favela em Heliópolis, e isso mudou completamente a minha ideia do que é ciência e pesquisa. Foi quando eu comecei a entender que a cidade não era igual para todo mundo. Uma coisa é planejamento urbano, outra é a experiência e o acesso que as pessoas têm dentro da cidade", conta. Atualmente, além de ensinar, a professora cursa Letras na UFMG, em busca de maior autonomia e conhecimento literário.
Uma avó sem neta, uma mãe sem filha
Depois dos anos de dedicação exclusiva ao doutorado, Nayara encontrou descanso na literatura, seu passatempo. "Eu tenho mais interesse em discutir relações de mãe e filha do que a maternidade em si", declara a escritora ao falar sobre a ideia de escrever o livro Filha. Em 2017, quando morava em Passos, Minas Gerais, Nayara vivenciou uma situação que inspiraria seu romance de estreia três anos depois. "Eu frequentava uma sorveteria cuja atendente estava grávida. Acabamos criando um laço. Mas, um dia, ela não estava mais lá. Eu pensei: 'Ah, a neném nasceu', mas então descobri que ela tinha perdido o bebê, que ele tinha nascido morto", relata.
Nayara, que nunca ficou grávida, afirma não ter refletido sobre o bebê natimorto antes. Depois do choque na sorveteria, ela começou a pesquisar sobre o que se tornaria o mote de seu romance. "O livro se chama Filha porque conta a história de uma avó sem neta, de uma mãe sem filha. Eu exploro questões da minha relação com a minha mãe, mas não é um livro autoficcional, é uma ficção criada dessa minha obsessão de ficar pensando: 'E se fosse comigo? E se eu tivesse ficado grávida, e o bebê tivesse nascido morto?'", diz Nayara sobre sua obra.
Ao se ver entre os semifinalistas do Jabuti, Nayara conta que se sentiu muito feliz por ter sido reconhecida. Ela pretende escrever outros livros e espera que esse tenha sido o primeiro de muitos. "Eu acho que minha história tem um pouco a ver com as disciplinas da formação transversal. Eu quero propor que não fiquemos presos só a uma formação. A vida segue outros caminhos. A gente deve se permitir experimentar várias coisas ao longo de nossa trajetória. Eu não imaginava que a vida me levaria por um caminho muito mais gentil do que aquele que tracei quando tinha 18 anos", relata.
Emancipação literária
Idealizado por Nayara há pouco mais de um ano, o projeto de extensão Literatura livre (Lili) é um clube de leitura desenvolvido no Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade da unidade prisional de Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Um livro literário é discutido a cada encontro mensal. As mulheres têm de 20 a 30 dias para ler cada obra. Após a discussão, elas entregam um texto, que fará parte de seu diário literário. Cada resenha produzida dá direito a quatro dias de remissão de pena.
Os livros lidos são exclusivos de escritoras mulheres. Neste ano, o projeto foi contemplado por edital da Fundação de Apoio da UFMG (Fundep), que possibilitou a compra de diversos volumes. O Lili também recebeu apoio de edital externo da Companhia das Letras. Os livros doados pela editora serão destinados à biblioteca da unidade prisional, que está sendo reorganizada pelo projeto.