Força-tarefa adapta método matemático para ampliar testagem da Covid-19
Estratégia proposta por pesquisadores da UFMG possibilita fazer até 100 diagnósticos com apenas sete testes
Pesquisadores da Força-tarefa de modelagem da Covid-19, sediada na UFMG, desenvolveram uma estratégia de aplicação da técnica de testagem em grupo (group testing) para o vírus Sars-CoV-2 que possibilita promover uma grande expansão da atual capacidade de exames das infraestruturas laboratoriais existentes no país. O método está descrito no relatório Uma alternativa para o aumento da escala de testagem para a Covid-19.
Por meio do modelo matemático desenvolvido pelos pesquisadores, a cidade de Belo Horizonte, por exemplo, considerando a sua atual taxa de prevalência de infecção estimada, poderia usar menos de sete testes para um total de 100 pessoas (ou, levando-se em conta apenas o grupo de indivíduos já com suspeita de infecção, em sua prevalência estimada, gastar menos de 20 testes para testar 100 pessoas).
Na prática, a alternativa proposta pela força-tarefa pode viabilizar a implementação no Brasil de uma efetiva testagem em massa da população. “Já encaminhamos o estudo aos grupos técnicos das secretarias de saúde de Belo Horizonte e de Minas Gerais”, informa o professor Ricardo Takahashi, do Departamento de Matemática do Instituto de Ciências Exatas (ICEx) da UFMG e coordenador da força-tarefa.
“A nossa expectativa é de aplicar do modelo o mais rapidamente possível, pois os benefícios seriam claros. Tudo depende, entretanto, além da decisão dos gestores, de uma avaliação por parte de laboratórios que fazem a testagem, para confirmarem se os procedimentos são suficientemente simples para serem aplicados em larga escala”, pondera Takahashi. Em princípio, nada impede que a alternativa proposta pela força-tarefa seja aplicada por outras cidades e estados do Brasil, ou mesmo por outros países.
Group testing
Desenvolvida há quase 80 anos e utilizada ao longo da história em diferentes situações que demandaram a testagem em massa, como em epidemias de sífilis e de HIV, a técnica de testagem em grupo ainda não foi implementada em nenhum lugar do mundo contra a pandemia de Sars-CoV-2. “Existem relatos de um experimento feito em um laboratório de Israel, que citamos no nosso relatório, que mencionam o sucesso da aplicação da técnica no que diz respeito a gerar indicações corretas nos testes laboratoriais. Porém, não temos ainda conhecimento de nenhuma aplicação que já esteja sendo feita ‘em campo’, ou seja, na testagem regular de milhares de casos suspeitos da Covid-19”, explica Takahashi. Caso implemente a solução proposta pelos pesquisadores, Belo Horizonte será pioneira no mundo na aplicação do procedimento.
A solução vem a calhar, já que, a despeito da necessidade de realização da testagem em massa da população para monitorar a evolução da pandemia e de promover o rápido isolamento dos casos de contaminação, reduzindo assim o potencial de transmissão do vírus, as cidades e os estados brasileiros não têm conseguido aumentar a escala de testes. “Vários dos países que abrigam as sedes das indústrias que produzem os equipamentos para teste têm toda a sua produção direcionada para os respectivos mercados internos, e alguns governos chegaram a proibir a exportação”, contextualizam os pesquisadores no relatório.
No caso de Minas, anotam os pesquisadores, “a atual capacidade instalada do sistema público para a execução de testes do tipo PCR [tipo indicado para testagem em massa, pois detecta a infecção não apenas de quem já manifestou sintomas há vários dias, mas também dos que acabaram de apresentar sintomas e até dos assintomáticos] é da ordem de cerca de três mil testes por dia”, e “o principal gargalo que impede a multiplicação dessa capacidade para um valor acima de cinco vezes o atual (que seria necessário para testar a totalidade dos casos suspeitos diários, inclusive aqueles com sintomas leves) está relacionado com a ausência de uma infraestrutura instalada de laboratórios”. Segundo os pesquisadores, com a implementação desse modelo, o estado conseguiria testar diariamente todos os seus 15 mil casos suspeitos.
Como funciona
Na técnica de group testing, as amostras de determinada quantidade de pacientes (que será determinada em razão de uma série de variáveis matemáticas) são misturadas em um pool, submetido a um único teste. Quando o teste dessa mistura dá negativo, isso significa que todas as amostras contidas no pool não estão infectadas. Nesse caso, não é preciso avaliar cada amostra individualmente. Já nos casos em que o teste dá positivo, isso significa que uma ou mais amostras contidas no pool estão infectadas, e então é preciso submetê-las a testes individuais para detectar quais estão infectadas.
Como a absoluta maioria da população não está contaminada simultaneamente, o sistema, por razões matemáticas, proporciona uma economia na quantidade de testes usados, pois muitos pools dão negativo. Apenas os que registram positivo demandam testagem individual de suas amostras.
Os integrantes da força-tarefa estimam que, atualmente, em Belo Horizonte, o percentual de prevalência do vírus na população (índice de contaminados) esteja em torno de 0,1%. Para esse percentual, o “tamanho ótimo” do pool calculado pelo modelo seria de 32 amostras, e o número de testes necessários para 100 indivíduos seria de apenas 6,28. Caso o percentual de prevalência do vírus chegue a 0,2%, o “tamanho ótimo” do pool seria reduzido a 23 amostras, e o número de testes necessários para 100 pessoas subiria para 8,85.
Para o conjunto de casos suspeitos (aqueles que chegam aos hospitais e postos de saúde já com sintomas), os pesquisadores estimam que o estágio percentual de prevalência do vírus em Minas Gerais esteja em torno de 3%. Para esse percentual, o “tamanho ótimo” do pool calculado pelo modelo seria de seis amostras, e o número de testes necessários para 100 indivíduos seria de 33,4.
Limite
À medida que o percentual de contaminados aumenta, o total de amostras que devem ser testadas conjuntamente diminui, e cresce a quantidade de testes necessários para examinar 100 pessoas. Nesse sentido, o modelo só é funcional até um determinado nível de contaminação da população: se ela alcançar uma prevalência de 30%, o modelo deixa de ser efetivo, pois a quantidade de testes necessários para 100 indivíduos passaria a ser basicamente a mesma, seja testando individualmente, seja pela estratégia de grupo.
A Força-tarefa de modelagem da Covid-19 reúne pesquisadores da UFMG das áreas de matemática, estatística, computação, física, engenharias, demografia, administração, medicina e geografia e conta com a colaboração de pesquisadores de outras universidades do país.
Três outros relatórios já foram produzidos pelo grupo: um ainda em março, sobre a importância do isolamento social e das restrições ao deslocamento para evitar o colapso dos sistemas de saúde; outro, em abril, sobre os riscos de sobrecarga das unidades de internação em Belo Horizonte, e o terceiro, no início deste mês, sobre os benefícios do aumento da testagem como estratégia de prevenção.