Inteligência Artificial e educação superior: desenvolvimentos, desvios e desafios
Série especial da UFMG Educativa problematiza IA em três reportagens

O uso da inteligência artificial (IA) nas universidades brasileiras tem crescido de forma exponencial. De ferramenta de apoio ao ensino a objeto de reflexão ética, a IA vem moldando práticas acadêmicas, desafiando regulamentos e propondo novas possibilidades. De acordo com a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), 70% das pessoas estudantes no país utilizam a IA para estudar e produzir trabalhos. O dado levanta preocupações sobre desigualdade de acesso e letramento para grupos pormenorizados socialmente, uso indevido e a urgência por regulamentações eficazes.
Desenvolvimentos promovidos pela IA
Ferramentas baseadas em IA têm sido utilizadas para apoiar o ensino, personalizar o aprendizado e agilizar a produção científica. O professor da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Comitê Executivo da Sociedade Internacional de Inteligência Artificial na Educação, Seiji Isotani, explica que a IA pode otimizar o ensino, a pesquisa e a extensão, facilitando o entendimento de conteúdos complexos e ampliando o impacto acadêmico na sociedade.
A professora Dora Kaufman, do Programa Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC-SP, destaca que a IA pode auxiliar na criação de planos de aula, geração de ideias, síntese de documentos e aprimoramento da escrita. Segundo ela, a experiência prática com diferentes soluções de IA é essencial para definir seus melhores usos na educação.
Para o professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e Doutor em Administração pela EAESP/FGV, Ricardo Limongi, a IA atua como uma “colega de estudo”, ajudando os alunos a compreenderem melhor temas abstratos, identificar padrões em bases de dados e personalizar conteúdos para projetos de extensão.
A diretora de Comunicação da União Nacional dos Estudantes, Luiza Coelho, reforça que a IA pode ampliar o acesso à informação, apoiar pesquisas e contribuir com soluções tecnológicas voltadas ao interesse público, desde que seu uso siga princípios éticos e de transparência.
Desvios de uso da IA
Ao lado dos benefícios, surgem os riscos do uso inadequado. Ferramentas como o ChatGPT vêm sendo utilizadas por estudantes para produzir trabalhos acadêmicos de forma automatizada. A professora da UFMG e integrante do Comitê Permanente de IA da universidade, Patrícia Nascimento, alerta que o uso indiscriminado pode comprometer a integridade acadêmica. Ela defende que os trabalhos devem ser elaborados com base na fundamentação teórica da disciplina e que o diálogo com o professor é essencial para esclarecer quais ferramentas são permitidas.
Dora Kaufman complementa que, embora seja possível integrar a IA no processo de aprendizagem, os modelos não devem ser considerados autores de conteúdo. Ela propõe que os estudantes entreguem não apenas o texto final gerado com IA, mas também os prompts usados, permitindo que o docente avalie o raciocínio e a contribuição real do aluno.
A conselheira da Associação Brasileira de Inteligência Artificial (Abria), Adriele Marchesini, chama atenção para o fenômeno do deskilling, em que o uso excessivo de tecnologias pode diminuir tanto habilidades técnicas quanto morais. Já a vice-presidenta da Associação das Universidades Particulares (Anup), Claudia Andreatini, afirma que proibir a IA não é o caminho, e sim estimular o pensamento crítico dos estudantes por meio de atividades que incentivem a reflexão.
A jornalista e mestra em Ciência Política pela UFMG, Beatriz Valle, compartilha sua experiência com o uso da IA em uma revisão bibliográfica, ressaltando que a ferramenta serviu como apoio e não substituiu seu trabalho analítico. Ela reforça que a responsabilidade sobre o conteúdo continua sendo do autor humano.
Desafios e soluções
Apesar dos avanços, a IA ainda é inacessível para muitos grupos sociais. Seiji Isotani aponta que o grande desafio é democratizar o acesso às tecnologias, sobretudo para populações vulneráveis. Ele propõe o conceito de “IA desplugada”, que permite aplicar os benefícios da IA mesmo em regiões sem internet ou infraestrutura adequada.
A coordenadora do Movimento Negro Unificado, Rosa Negra, denuncia a exclusão cultural promovida por algoritmos treinados com dados ocidentais. Para ela, a IA tende a invisibilizar saberes afrocentrados e reflete uma falta de diversidade nas equipes de desenvolvimento, majoritariamente compostas por pessoas brancas do norte global.
A doutora em bioquímica e pesquisadora da Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial (ABPEE), Cristiana Passinato, alerta para as barreiras enfrentadas por pessoas com deficiência. Segundo ela, embora essas ferramentas possam ser muito eficazes, sua versão completa costuma ser paga, e falta investimento público para garantir acesso pleno nas universidades.
O indígena e doutor em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, Alexsandro Mesquita, aponta que muitos estudantes indígenas não têm conectividade adequada, o que limita o uso da IA. Ele critica a falta de formações específicas e a resistência das universidades em reconhecer epistemologias indígenas no ensino superior.
Por fim, Ricardo Limongi destaca a importância de institucionalizar o letramento em IA nas universidades. Segundo ele, mais do que aprender a usar a tecnologia, é preciso ensinar professores e estudantes a utilizá-la com responsabilidade.
Série em áudio
Em meio ao crescente uso da inteligência artificial na educação superior, a série especial da UFMG Educativa discute os impactos da IA e como solucionar os principais problemas que ela provoca e que não adianta pedir ao Chat GPT para resolver. Com produção de Ruleandson do Carmo e Breno Rodrigues e sonoplastia de Rodrigues, a produção especial, em três episódios está disponível no Spotify e no SoundCloud da emissora.
Ficha técnica
Produção e reportagem: Ruleandson do Carmo e Breno Rodrigues
Pessoas entrevistadas: Ricardo Limongi (UFG), Cristiana Passinato (ABPEE), Luiza Coelho (UNE), Seiji Isotani (USP), Claudia Andreatini (ANUP), Adriele Marchesini (Abria), Dora Kaufman (PUC-RS), Alexsandro Mesquita (PUC-SP), Rosa Negra (Movimento Negro Unificado), Beatriz Valle (UFMG) e Patrícia Nascimento (UFMG)