'Investimento em educação é insuficiente para reduzir desigualdade'
Por meio de simulações, Marcelo Medeiros, da UnB, mostra que há outras medidas importantes, como combate a discriminações
Investir em educação não é panaceia para alguns dos mais graves problemas brasileiros, como a desigualdade e a pobreza. Segundo o professor Marcelo Medeiros, da Universidade de Brasília (UnB), ao contrário do que reza o senso comum, educar a população é insuficiente, sobretudo em prazo inferior a várias décadas, e uma das razões é que uma geração bem educada leva muito tempo para ocupar o mercado de trabalho. Medeiros mostrou, por meio de gráficos, alguns resultados de estudo realizado com os professores Rogério Barbosa, da USP, e Flávio Carvalhaes, da UFRJ.
A exposição abriu, na manhã de hoje (quinta, 18), o Seminário Anual do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (Ieat), que integra a programação da Semana do Conhecimento, inspirada no objetivo de reduzir desigualdades.
A reitora Sandra Goulart Almeida destacou o apreço da UFMG pelas práticas transdisciplinares e seu compromisso com a sociedade e o país. “Promovemos a convergência, mesmo em tempos de tanta divergência. A Universidade nunca se furtou e nunca se furtará a abrigar a reflexão crítica e cumprir seu papel em defesa dos valores democráticos, da liberdade de expressão e cátedra e do estado de direito”, afirmou.
O diretor do Ieat, Estevam Las Casas, ressaltou que o trabalho desenvolvido pelo Instituto é ainda mais importante numa época em que “o país precisa se repensar e entender a encruzilhada em que se encontra, uma tarefa hercúlea”. Segundo ele, a reunião de pesquisadores com enfoques diferentes para discutir problemas de ponta “contribui fortemente para se chegar a soluções quando conquistas fundamentais correm perigo”.
Efeitos limitados
De acordo com Marcelo Medeiros, que tem formação em sociologia e economia, mesmo que se suponha uma expansão educacional “imensa, sem precedentes”, atingindo-se um sistema educacional perfeito – que alcançasse todas as crianças e não enfrentasse problemas de fluxo, como repetência –, os efeitos seriam muito limitados sobre os índices de desigualdade.
“A educação é importante para explicar a desigualdade, mas é preciso considerar os fatores demográficos. Mão de obra pouco qualificada ainda estará no mercado por muitas décadas”, disse o pesquisador. “Outras medidas seriam tão ou mais eficazes para a redução de desigualdade. Dois exemplos são o combate à discriminação de gênero e raça e uma reforma tributária simples, que fizesse incidir impostos sobre todas as faixas de renda da mesma forma.”
As simulações exibidas por Marcelo Medeiros baseiam-se em cenários que retrocedem a 1994 (Plano Real), 1974 (“milagre econômico” do regime militar) e 1956 (Plano de Metas de Juscelino Kubitschek). Se, na década de 50, entre os grandes investimentos em infraestrutura, tivesse sido possível levar todos jovens à universidade, o que é obviamente impensável, ainda assim a desigualdade não teria se reduzido mais que 20 por cento. Se se tivesse atingido cobertura total do ensino médio, os índices teriam baixado no máximo 6%”, exemplifica o pesquisador, que é vinculado também ao Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). Medeiros explicou que o estudo toma como referência o Índice de Gini e que cálculos com outros índices deram resultados muito próximos.
A respeito do ensino médio, Medeiros destacou que formar 100% da população nesse nível é muito pouco, consideradas as demandas do futuro. “Há uma guerra educacional global, e generalizar o ensino superior é fundamental”, afirmou, ressalvando que, num primeiro momento, essa massificação geraria conflitos geracionais e levaria a aumento dos índices de desigualdade, o que teria de ser atenuado por políticas de outras naturezas.
Sobre a pobreza
Os efeitos da expansão educacional sobre a pobreza são pouco mais fortes que sobre a desigualdade, segundo o professor da UnB, mas ele ressaltou que também não é possível reduzir significativamente a pobreza pela via exclusiva da educação. “Resultados mais concretos nesse sentido têm sido baseados em medidas como a valorização do salário mínimo e em melhor desempenho da economia.”
Segundo Marcelo Medeiros, a educação deve ser defendida e receber investimentos menos como instrumento de redução da desigualdade e da pobreza e mais como um fim em si, por razões humanistas. “É fundamental que as pessoas tenham acesso à informação para entender e operar melhor o mundo”, afirmou.
O Seminário Anual do Ieat prossegue à tarde e na manhã desta sexta, 19, no auditório do Centro de Atividades Didáticas 3 (CAD3).