Legado global de Paulo Freire será discutido em congresso internacional
Vinte e um anos após a morte do pedagogo, evento mostra que seus pensamentos seguem atuais
Teórico brasileiro mais conhecido mundialmente na área de ciências humanas, Paulo Freire será tema de congresso internacional de 28 de abril a 1º de maio, no campus Pampulha. Com o tema Formação de educadores, diversidade e compromisso social, a extensa programação do evento inclui 21 minicursos e oficinas, nove rodas de conversa e 85 mesas-redondas, além de exibição de curtas e apresentações culturais.
O 2º Congresso Internacional Paulo Freire: O legado global, cuja primeira edição foi realizada em 2012, na Nova Zelândia, contará com a participação de pesquisadores de todos os continentes.
As atividades serão realizadas no Centro de Atividades Didáticas de Ciências Naturais (CAD 1) a partir das 13h deste sábado, 28. As inscrições ainda estão abertas e também podem ser feitas no local, no primeiro dia do evento. A programação completa está disponível no site do congresso.
Pensamento de Freire canaliza a realidade dos oprimidos
O livro Pedagogia do oprimido, principal obra de Paulo Freire, é o terceiro livro mais citado no mundo em trabalhos acadêmicos das ciências humanas. Mesmo após 21 anos de sua morte, os pensamentos difundidos pelo patrono da educação brasileira seguem reconhecidos e valorizados mundialmente.
Em entrevista ao Portal UFMG, o professor emérito Miguel Arroyo, que fará a conferência de abertura do congresso, destaca a influência de Paulo Freire no século 21 e o legado global deixado pelo pedagogo.
Como o sr. avalia a influência da obra de Paulo Freire, construída no século passado, em pleno século 21?
Podemos nos perguntar: por que, nesses tempos de golpe político, social e judicial, voltarmo-nos para Paulo Freire? Porque estamos em tempos de violências e de opressões políticas muito parecidas com as opressões que levaram Paulo Freire a escrever a Pedagogia do oprimido nos anos 1960.
Estamos em novos tempos de opressão e, consequentemente, somos obrigados, não só como educadores, mas como pessoas que trabalham com direitos humanos, a perguntarmo-nos o que significam esses processos de opressão tão brutais, tão repetidos em nossa história. A Pedagogia do oprimido continua de extrema atualidade. Estamos em tempos em que os oprimidos resistem, e esse é um dos traços mais fortes do pensamento de Paulo Freire: reconhecer os oprimidos como sujeitos de sua libertação. Eles resistem e, resistindo, se libertam.
Há, então, uma similaridade com a época em que Paulo Freire construiu seu pensamento?
Sim, ele escreve a Pedagogia do oprimido em um momento em que os ativistas lutavam por direitos, diante de ditaduras e golpes não só aqui, mas em toda a América Latina. Sua análise diz não só da realidade brasileira, mas de todos os oprimidos – da luta dos camponeses, indígenas, quilombolas, colonizados. Seu pensamento canaliza a realidade dos oprimidos do mundo, aqueles oprimidos da colonização, os sem terra, os sem teto. Esse é o grande legado do Paulo Freire, e seu pensamento foi muito identificado fora do Brasil. E em um momento em que estamos com a volta de ditaduras e de opressões em todos os lugares, o pensamento volta.
Quais os traços mais marcantes desse legado?
Paulo Freire rejeita o paradigma pedagógico hegemônico que vê os oprimidos como inumanos, irracionais, incultos, sem consciência, sem valores. Ele os reconhece como sujeitos de cultura, saberes, valores, identidade, conhecimentos. Ele desconstrói o pensamento pedagógico que os tratou como conscientizáveis e racionalizáveis. Paulo diz que eles já são humanos, já são racionais, já têm consciência, já têm saberes.
O que são esses processos de desumanização?
Estamos enfrentando brutais processos de desumanização quando se destroem os direitos do trabalho, se acaba com a reforma política, com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, se reprime quem luta por direitos.
Paulo Freire chega a falar que um dos processos mais sérios dos oprimidos é que eles têm suas humanidades roubadas. Insiste nisso: roubar do ser humano sua condição de humano é o processo mais brutal. Milhões de brasileiros na pobreza, na miséria, mulheres e jovens negros mortos – essas pessoas estão sendo roubadas de suas humanidades e de suas vidas. Vidas exterminadas de militantes que lutam por direitos. Estamos em um momento muito duro, e é bom trazer Paulo Freire para entender esses processos e fortalecer as lutas dos oprimidos e dos ameaçados de extermínio.
Nita Freire
A jornalista Vanessa Bugre, da rádio UFMG Educativa (104,5 FM), entrevistou a viúva de Paulo Freire, Ana Maria Araújo Freire, doutora em educação pela PUC de São Paulo. Na conversa, Nita Freire fala da obra e da vida do pedagogo. Ouça a reportagem: