Pesquisa e Inovação

Livro aborda a política brasileira de promoção internacional da língua portuguesa

Leandro Diniz, professor da Faculdade de Letras da UFMG, analisa o funcionamento das ações do Itamaraty, iniciadas em meados do século 20

O Centro Cultural Brasil-México integra a rede mantida pelo Ministério das Relações Exteriores
O Centro Cultural Brasil-México integra a rede mantida pelo Ministério das Relações Exteriores Acervo Itamaraty

A atuação de instituições como a Aliança Francesa, o Instituto Goethe e o Instituto Cervantes é relativamente conhecida dos brasileiros. Países centrais – sobretudo ex-metrópoles, mas também os Estados Unidos, por exemplo – mantêm estruturas sólidas de divulgação de suas culturas e seus idiomas nacionais no exterior. Bem menos familiar à grande maioria da população é o trabalho do Estado brasileiro de promoção do português no mundo. Marcado por idas e vindas, sempre ao sabor do quadro político e econômico, esse esforço de divulgação está vinculado a interesses da política externa brasileira.

“Trata-se de uma manifestação do que é chamado no campo das Relações Internacionais de soft power: a política linguística exterior pode abrir caminhos para a consecução de interesses estratégicos do Brasil, de ordem comercial ou política, por exemplo. Entretanto, tais interesses dificilmente são explicitados. Por isso, considero essa política silenciosa: tudo se passa como se fosse mera política cultural, de fortalecimento de laços de fraternidade entre o Brasil e outros países”, afirma o professor Leandro Rodrigues Alves Diniz, da Faculdade de Letras da UFMG, que investiga o tema há muitos anos e publicou em 2020, pela Editora UFMG, Para além das fronteiras: a política linguística brasileira de promoção internacional do português.

As ações de promoção do português coordenadas pelo Ministério das Relações Exteriores foram iniciadas na década de 1940 e são materializadas, sobretudo, na atuação do Centros Culturais Brasileiros (CCBs) – presentes em 24 países, sobretudo da África, América do Sul e América Central e Caribe – e dos leitores, que são professores de português enviados para universidades estrangeiras. Entretanto, de acordo com Diniz, a política linguística exterior do Brasil, assim como as de outros países, é marcada por certa descontinuidade. Por exemplo, conforme levantamento feito pelo autor, estavam em funcionamento, em 2010, 60 postos de leitorado; atualmente, são apenas 23.

Livro
Livro mostra redução dos postos de leitoradoReprodução

Descolonização linguística
No livro, Leandro Diniz mostra que essa política participa de um processo de descolonização linguística. “O Brasil assume certa posição de autoria em relação ao português, ao seu ensino e a sua difusão no exterior, o que gera, em alguns casos, tensão com Portugal. Ainda que essa tensão seja, em geral, silenciada nos discursos oficiais, os dois países podem agir antes como rivais que como parceiros no cotidiano das políticas de promoção internacional do português”, explica o pesquisador.

Segundo Diniz, “é possível observar, por vezes, uma espécie de demarcação de territórios por meio de determinadas ações de política linguística exterior. O Brasil pode acabar reproduzindo, em alguma medida, o projeto colonial português, em momentos em que se posiciona como centro da chamada ‘lusofonia’. E Portugal, por sua vez, em algumas ações, não abre mão de seu lugar, historicamente construído, de autoridade sobre a língua portuguesa.”

Diniz também destaca que é o português – e não outras línguas faladas no Brasil, como a Libras, as línguas indígenas e as línguas de migrantes –, e somente o português, que tem espaço na política linguística exterior brasileira, em um funcionamento semelhante ao observado em outros países, que promovem exclusivamente suas línguas nacionais no exterior.

Menos leitores
Para além das fronteiras... atualiza os resultados da pesquisa feita por Leandro Diniz quando cursou doutorado na Unicamp (ele defendeu tese em 2012). O autor teve acesso a documentos antigos e recentes do Itamaraty, incluindo editais e correspondência eletrônica, e entrevistou profissionais envolvidos com a política de divulgação do português.

Leandro Diniz:
Leandro Diniz: nacionalismo conservador pode motivar política de divulgação do idioma Acervo pessoal

O pesquisador conta que seus achados confirmam a relação direta das ações de divulgação da cultura brasileira e da língua portuguesa no exterior com os movimentos da política externa dos governos. Exemplo concreto é o fato de que a forte aproximação do Brasil com países africanos e sul-americanos nos governos de Lula coincidiu com a fundação de novos CCBs e o envio de mais leitores para essas regiões. “Na última década, após a passagem de Lula por Brasília, diminuiu o número de editais de seleção de leitores. Isso também refletiu a crise política e econômica que o Brasil viveu nos últimos anos. Desde 2018, após dois anos sem novos editais, tem sido aberto um edital por ano”, relata Leandro Diniz.

O autor também comenta que o nacionalismo de estilo mais conservador pode levar à intensificação do trabalho de internacionalização da cultura e do idioma nacionais. Diniz observa que essa política se fortaleceu durante a ditadura militar instaurada em 1964, no Brasil – o intuito foi sobretudo marcar presença nos países vizinhos –, e nas passagens de Getúlio Vargas pelo Palácio do Catete, no Rio. “Os governos de Vargas, ao mesmo tempo que reprimiam o uso do italiano, do japonês e do alemão – que era considerado crime contra a pátria –, também divulgaram o português no exterior”, explica o autor.

Leandro Diniz ressalva que nem sempre a atuação dos agentes na ponta do esforço de internacionalização reflete a ideologia de um dado governo, visto que diferentes forças estão em jogo na implementação de qualquer política linguística. Ele conta, ainda, que a relação de funcionários dos CCBs e leitores com as embaixadas e consulados pode variar bastante: em certos países, o contato é muito próximo, de forma que esses agentes aparecem quase como representantes diplomáticos; em outros, tal contato é muito limitado. Diferentes profissionais entrevistados por Diniz se queixaram da pouca interlocução com as equipes de outros países e com o próprio Itamaraty. Nesse sentido, na perspectiva do pesquisador, a Rede Brasil Cultural nem sempre funciona fetivamente como uma rede.

O autor de Para além das fronteiras... participou recentemente de iniciativa do Itamaraty que ele considera um avanço para a política de promoção internacional do português: especialistas elaboraram propostas curriculares para unidades da Rede de Ensino do Itamaraty, gerando, assim, subsídios para maior articulação entre elas.

Livro: Para além das fronteiras: a política linguística brasileira de promoção internacional do português
Autor: Leandro Rodrigues Alves Diniz
Editora UFMG
276 páginas / R$ 54,40, no site da Editora                   

Itamar Rigueira Jr.