Pelo reencantamento do mundo: na abertura, Festival de Verão homenageia Jaider Esbell
Evento, que prossegue até sábado, revisita o movimento modernista à luz de reflexões contemporâneas
O 16º Festival de Verão UFMG começou nesta quarta-feira, 9, com uma homenagem da professora da Escola de Belas Artes da UFMG Lucia Pimentel ao artista plástico macuxi Jaider Esbell, um dos principais nomes do movimento de consolidação da arte indígena contemporânea no Brasil. Jaider morreu em novembro último, quando vivia o auge de sua carreira, aos 41 anos, pouco tempo depois de participar da 34ª Bienal de São Paulo.
Com a voz algo embargada, Lucia celebrou Jaider como um “artevista” que incitava “a luta para manter viva a memória do povo indígena”, uma memória que “segue ameaçada de extermínio por autoridades e pessoas que se creem no direito de usurpar o que é material e o que é imaterial dos seres que não fazem parte do seu círculo de amizade e de crenças”.
“Jaider Esbell sempre foi um encanto”, lembrou a professora. “Um encanto como pessoa, de voz doce e firme, uma voz que conclama à luta, que não vai ser fácil, mas que tem de ser enfrentada para que as diversas formas de seres vivos – inclusive o humano – sobrevivam e consigam coabitar este planeta compartilhadamente”, disse.
Para Lucia, Jaider foi um artista cuja obra enfatiza, sobretudo, a luta pelo direito ao respeito à memória e a honra de uma ancestralidade indígena que vem sendo “sequestrada internacional e nacionalmente”. “Seu encanto instigou sentimentos e provocou conhecimentos, espalhou beleza e detonou inverdades. E agora Jaider está encantado”, disse a professora, que também é artista.
“Ficou seu encanto e também muita saudade”, disse Lucia, “a saudade e a certeza de que há de se continuar com o ‘artevismo’, com a força e a doçura do artista Jaider Esbell, do indígena Jaider Esbell, do ser humano Jaider Esbell, que acima de tudo fazia da arte a luta por seu povo e, por consequência, a luta por todos nós. Seu legado não é estanque: está em movimento" afirmou. A homenagem de Lucia Pimentel a Jaider Esbell pode ser assistida na íntegra:
Olhar do presente
A edição deste ano do Festival de Verão UFMG tem como tema Culturas em movimento: olhares da UFMG sobre a Semana de Arte Moderna, em diálogo com a efeméride dos cem anos do evento, que serão completados neste mês (a semana ocorreu de 13 a 17 de fevereiro de 1922). Mas o tema do modernismo brasileiro já havia dado a tônica do último Festival de Inverno UFMG, realizado em meados de 2021 sob o mote Escutas e vozes dos brasis.
“Agora, no Festival de Verão, dando continuidade àquelas reflexões, estamos reunindo os olhares da comunidade de pesquisadores da UFMG num exercício de pensar as contribuições, as contradições, os desdobramentos que o movimento proporcionou ao país”, afirmou o diretor de Ação Cultural da UFMG, Fernando Mencarelli, na abertura do evento.
“A ideia de ‘culturas em movimento’ trata disso”, insistiu Mencarelli. “O modo como o nosso olhar contemporâneo percorre – hoje – esses cem anos. Com o tema, a gente quer compartilhar as perspectivas contemporâneas que revisam o movimento modernista à luz do pensamento de hoje”, disse.
A diretora-adjunta de Ação Cultural da UFMG, Mônica Medeiros Ribeiro, correlacionou a temática com a própria natureza do festival, que "já nasceu plural, propondo diálogos transdisciplinares nos mais diversos campos do conhecimento. Esta edição foi então pensada como um espaço dedicado ao compartilhamento de reflexões de nossos pesquisadores e artistas sobre os impactos, as fissuras, as lacunas, as reverberações do modernismo na atualidade”.
Todas as atividades da última edição do Festival de Inverno UFMG, também realizado virtualmente, estão registradas no canal da Diretoria de Ação Cultural (DAC) da UFMG no YouTube. Exemplo disso é a palestra que o próprio Jaider Esbell ministrou no evento. Em Rever Makunaíma, Jaider externou suas reflexões sobre as origens do mítico personagem de Mário de Andrade, um dos precursores do movimento modernista. A conferência foi reprisada na noite desta quarta-feira, na abertura do 16º Festival de Verão UFMG e pode ser assistida no vídeo a seguir.
Tempo de reflexão
Para a reitora Sandra Regina Goulart Almeida, o Festival de Verão UFMG é acima de tudo um momento de reflexão. “Quero usar aqui o sentido benjaminiano de reflexão, que é o sentido de uma reflexão desestabilizadora: uma reflexão que desaloja o pensamento [de seus lugares-comuns], desaloja as ideias [já estabelecidas], questiona os hábitos, ameaça o conforto daquilo que é tido como certo, como natural”, disse a reitora.
Nessa esteira, Sandra Goulart lembrou que o ano de 2022 marca não apenas os cem anos da Semana de Arte Moderna, mas também os 200 anos da Independência do Brasil e os 95 anos da UFMG. Esses dois marcos são celebrados no mesmo dia, 7 de setembro. “A proposta que fazemos aqui é a da reflexão que desaloja, tendo em perspectiva as três efemérides que marcam este ano de 2022.”
E o que essas três efemérides teriam em comum? “Um ideal de liberdade”, respondeu Sandra. “Um anseio de liberdade, o desejo de uma mudança necessária e uma esperança em relação a outros futuros possíveis, a tempos melhores”, afirmou.
A reitora analisou o contexto em que essas comemorações se dão. “Temos ainda um enorme desafio pela frente, que é justamente a superação de uma história herdada do Brasil Colônia, uma história que ainda hoje paira sobre o nosso presente, que é ainda muito desigual, muito injusto, muito intolerante”, disse. “É algo que nos faz sempre adiar a ideia desse futuro que todos nós ansiamos, mas do qual não podemos abrir mão.”
Após a cerimônia de abertura, foi realizada a roda de conversa Ressonâncias da Semana de Arte Moderna, em que os professores Nísio Teixeira, do Departamento de Comunicação, Angélica Melendi, da Escola de Belas Artes, e Roberto Said, da Faculdade de Letras, debateram o evento à luz das controvérsias evocadas pela efeméride. A mesa pode ser assistida aqui.
A programação do 16º Festival de verão UFMG prossegue até sábado, 12, e está disponível no site do evento. Todas as atividades estão sendo transmitidas virtualmente.