Pesquisa apura prevalência de obesidade e doença hepática em jovens com fenilcetonúria
Pacientes precisam ingerir menos proteínas, o que resulta em uma dieta rica em carboidratos e gorduras
A fenilcetonúria é uma doença rara, congênita e genética. O organismo de seu portador é incapaz de quebrar as moléculas do aminoácido fenilalanina. Submetidos a uma dieta com restrição de proteínas, esses pacientes acabam optando pelo consumo de alimentos calóricos. O risco e a prevalência de obesidade e comorbidades em indivíduos com fenilcetonúria foram objeto de investigação inédita levada a cabo na Faculdade de Medicina.
“A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é associada, na literatura, com o aumento de peso, maior consumo de calorias do que o necessário, sedentarismo e fatores genéticos. Há relação com a alta ingestão de açúcar presente em refrigerantes, sucos artificiais, doces e outros alimentos ultraprocessados, por exemplo, que são opções liberadas na dieta de pessoas com fenilcetonúria”, explica a nutricionista Adriana Márcia Silveira. Recentemente, ela defendeu a tese Sobrepeso/obesidade e doença hepática gordurosa não alcoólica em adolescentes com fenilcetonúria, no Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde – Saúde da Criança e do Adolescente.
O estudo contou com a participação de cerca de 80% dos adolescentes portadores da doença em Minas Gerais. A investigação com os moradores do interior do estado foi mediada por agentes comunitários de saúde. A análise, que envolveu 101 adolescentes de dez a 20 anos incompletos (19 anos e 11 meses), acusou a presença da obesidade em 27,7% dos jovens com fenilcetonúria. A taxa é, segundo a autora, semelhante à dos adolescentes sem o distúrbio, o que demonstra que não há correlação entre as duas condições.
“Os níveis sanguíneos elevados de fenilalanina e de colesterol LDL [o colesterol ruim], junto ao índice homa aumentado [o que reflete a resistência à insulina], foram fatores que predispunham os adolescentes a sobrepeso e obesidade. Observamos ainda que a obesidade era mais frequente nos adolescentes mais novos do que nos mais velhos”, acrescenta.
De acordo com Adriana Silveira, o consumo excessivo de carboidratos aumenta em 20 vezes o risco de adolescentes com fenilcetonúria desenvolverem a DHGNA. “O consumo excessivo de proteína, de acordo com nossos achados, gera nove vezes mais chance de desenvolvimento da DHGNA. Em relação aos lipídeos, os adolescentes com menor consumo tiveram maior risco”, acrescenta Adriana. Segundo a nutricionista, não há correlação da DHGNA com a obesidade.
Análise multivariada inédita
Adriana Silveira ressalta que a relevância do estudo se justifica pelo ineditismo e também pela amplitude das análises. Os exames realizados foram de sangue, ultrassom hepático, avaliação alimentar, por meio de questionário e avaliação antropométrica de peso e altura, para o cálculo do IMC. Os dados foram coletados ao longo de 2017 e 2018.
Com base nessas informações, a nutricionista dividiu seu estudo em duas frentes: numa delas, foram analisados o sobrepeso e a obesidade, e na outra, foi avaliada a doença hepática gordurosa não alcoólica, comparando os dados de adolescentes com e sem fenilcetonúria. No âmbito do primeiro estudo, ainda foi organizado um subgrupo de acordo com a idade, com 46 adolescentes de 13 a 17 anos.
“Foram analisados dois pacientes por semana. Um dos principais desafios foi o agendamento das análises com esses adolescentes, pois 68,3% deles eram do interior do estado. Muitas vezes, o contato era difícil, porque residiam na zona rural. Acabei recorrendo aos agentes comunitários dos centros de saúde, que iam às residências das famílias para solicitar que fossem até o posto. Era nesses locais que eu entrava em contato com os jovens e explicava o objetivo da pesquisa”, lembra Adriana.
A pesquisadora acredita que o estudo é importante para conscientizar os jovens com fenilcetonúria a seguir o tratamento de forma adequada, com dieta equilibrada. “Para os profissionais de saúde, esse conhecimento contribui na conscientização sobre a importância do controle nutricional e metabólico, o que previne a obesidade e complicações”, comenta.
Adriana Silvana acredita que mais estudos sobre o assunto surgirão. “Possivelmente, esse trabalho abre portas para outras pesquisas. Elas deverão ser desenvolvidas para que se conheça mais profundamente a relação entre a obesidade, a DHGNA e a fenilcetonúria, que se comportam diferentemente nos adolescentes, em comparação com a população geral”, conclui.
Tese: Sobrepeso/obesidade e doença hepática gordurosa não alcoólica em adolescentes com fenilcetonúria
Autora: Adriana Márcia Silveira
Orientador: Marcos Jose Burle de Aguiar
Coorientadora: Rocksane de Carvalho Norton
Defesa: 30 de junho, no Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde – Saúde da Criança e do Adolescente