Pesquisa do ICB demonstra eficácia do uso da nanotecnologia contra a leishmaniose
Composto de carbono envolvido por envelope lipídico potencializa efeitos de possível opção de tratamento contra a doença
Transmitida pelo mosquito-palha, a leishmaniose visceral ou calazar é a forma mais grave dessa doença tropical infecciosa sistêmica. Em busca de aperfeiçoar o tratamento, tornando-o menos agressivo ao organismo humano e animal, uma pesquisa experimental liderada pelo professor Frédéric Frézard, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB, propõe uma abordagem terapêutica inovadora, baseada na associação de dois nanossistemas. Os resultados do estudo foram publicados na edição de fevereiro da revista Biomedicina e Farmacoterapia.
A equipe do professor Frézard demonstrou, de forma inédita, que o uso do fulerol – nanoestrutura esférica de carbono – no tratamento da leishmaniose reduz a carga do parasita leishmania no fígado do hospedeiro. Além disso, ficou comprovado que sua ação contra o protozoário não produz efeitos indesejados e ainda minimiza os efeitos tóxicos no fígado, mesmo quando administrado em associação com o antimoniato de meglumina (glucantime) – medicamento tradicionalmente usado no tratamento da doença –, sem prejuízo de sua ação farmacológica.
"Os efeitos imunomoduladores e a baixa toxicidade da nanoestrutura nos levaram a investigar a atividade antileishmania em animais vivos e em meios de cultura in vitro, tanto em formas livres quanto encapsuladas em lipossomas", explica Frézard. Segundo ele, o fulerol pode provocar reações no organismo que levam à ativação das células capazes de combater o protozoário causador da doença.
Os lipossomas são vesículas microscópicas, espécie de bolha de lipídio dentro de um líquido, que é biodegradável e biocompatível. Eles funcionam como uma espécie de envelope para transportar o potencial medicamento para dentro da célula e possibilitam aumentar a quantidade de substância disponível para o efetivo tratamento da doença, garantindo sua ação mais prolongada em animais vivos, em dose muito baixa.
Em cães
Um próximo passo do grupo é tentar investigar a eficácia terapêutica do fulerol lipossomal em cães. “Até hoje, ainda não foi encontrado tratamento capaz de curar cães com leishmaniose”, observa Frédéric Frézard, acrescentando que a formulação lipossomal também poderia ser usada em associação com outros medicamentos contra leishmaniose. “Isso poderia tornar o tratamento mais eficaz”, avisa o pesquisador, considerado um dos mais influentes do mundo, segundo artigo publicado na Plos Biology. Ele é um dos inventores de três tecnologias baseadas em nanossistemas carreadores de fármacos.
Fruto da dissertação de mestrado de Guilherme Santos Ramos no Programa de Pós-graduação em Fisiologia e Farmacologia, o estudo teve colaboração de cientistas dos departamentos de Parasitologia, do ICB, e de Física, do Instituto de Ciências Exatas, com financiamento do CNPQ e da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais.
A doença
A leishmaniose visceral atinge vários órgãos internos, principalmente o fígado, o baço e a medula óssea, e sua taxa de mortalidade, se não for tratada, é de 95%. São cerca de 90 mil novos casos a cada ano, com aproximadamente 20 mil mortes, 3,5 mil só no Brasil, e um grande número de pessoas com sequelas ou morbidades. Além do Brasil, a doença ocorre principalmente em Bangladesh, Etiópia, Índia, Sudão do Sul e Sudão e está fortemente associada à pobreza e a condições de vida precárias.
Artigo: Antileishmanial activity of fullerol and its liposomal formulation in experimental models of visceral leishmaniasis
Autores: Guilherme S. Ramos, Virgínia M.R. Vallejos, Marina S. Ladeira, Priscila G. Reis, Daniel M.Souza, Yuri A. Machado, Luiz O. Ladeira, Maurício B.V. Pinheiro, Maria N. Melo, Ricardo T. Fujiwara, Frédéric Frézard
Publicação: Biomedicine & Pharmacotherapy, volume 134, fevereiro de 2021