Pesquisa e Inovação

Pesquisadora da UFMG propõe modelagem para adesão de municípios a sistema federal de compras

Projeto implantado em Caeté, na Grande BH, pode ser replicado em municípios do mesmo porte

Carla Canela (na foto, a segunda, da esquerda para a direita), na defesa da dissertação, em abril deste ano
Carla Canela (a segunda a partir da esquerda), na sessão de defesa da dissertação, em abril deste ano Acervo pessoal

Lançado em 1997 pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), a fim de uniformizar os processos de compra e licitação na esfera pública, o ComprasNet (atual Compras.gov.br) ainda hoje segue pouco utilizado. Nos três primeiros anos, o site destinava-se apenas à publicação eletrônica dos avisos e editais de licitação da Administração Pública Federal. Desde o ano 2000, com a publicação do Decreto 3.697, que instituiu o pregão eletrônico, passou a ser utilizado também para aquisições em tempo real. Um ano depois, foi transformado em um efetivo portal de compras.

Instigada pelos desafios que prefeituras encontram para aderir ao sistema, a administradora Carla Canela, servidora da Auditoria Geral da UFMG, decidiu, em seu mestrado profissional, desenvolver uma proposta de modelagem para migração das compras da prefeitura de Caeté, município da Região Metropolitana de Belo Horizonte, para o sistema eletrônico disponibilizado pelo governo federal. O trabalho resultou na dissertação Inovação no processo de compras dos municípios: estudo de caso da implementação do Sistema ComprasNet do Governo Federal na Prefeitura Municipal de Caeté, defendida em 1º de abril no Curso de Mestrado Profissional em Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual da UFMG, e em uma proposta de modelagem que pode ser utilizada por municípios de mesmo porte para adesão ao ComprasNet.

Como servidora pública, Carla Canela propôs uma investigação sobre processos relativos ao próprio serviço público, porque considera que “ainda há muita coisa para ser estudada e aprimorada na administração pública”. Durante evento na Faculdade de Direito da UFMG, a pesquisadora ouviu, de um palestrante, que a adesão dos municípios ao sistema de pregão eletrônico ComprasNet era um grande gargalo para a inovação nas compras públicas no governo federal. Orientada pelos professores Márcia Siqueira Rapini, da Faculdade de Ciências Econômicas (Face), e Adriano Borges da Cunha, do Coltec, Carla Canela decidiu, então, oferecer uma proposta de modelagem para que os municípios que utilizavam majoritariamente as modalidades de licitação presencial ou sistemas particulares para o processo eletrônico, pudessem aderir, com mais facilidade, ao pregão eletrônico via ComprasNet.

Difícil? Nem tanto
Quando a pesquisa teve início, em 2020, o ComprasNet era utilizado por apenas 39 municípios mineiros. Hoje, após a publicação do Decreto 10.024/2019, que obriga à utilização de pregão eletrônico para compras com recurso federal, esse número aumentou para 111. “Tendo em vista que Minas Gerais é o segundo estado mais populoso do Brasil e o primeiro em número de municípios [são 853], o percentual de adesão ao sistema do governo federal para realização do pregão eletrônico é ainda muito baixo”, avalia a pesquisadora. 

Segundo Carla Canela, a baixa adesão ao ComprasNet, mesmo após o decreto, permite “concluir que muitos municípios optaram por aderir a sistemas privados de pregão eletrônico para atender ao disposto na legislação ou continuam realizando pregão presencial”. Para a pesquisadora, um dos maiores desafios da pesquisa foi demonstrar que o sistema, "apesar de passar a imagem de ser algo muito difícil”, não é tão complicado. 

Carla Canela explica que há poucos materiais que descrevem bem o ComprasNet, e alguns cursos disponíveis são destinados a pessoas que já têm alguma familiaridade com o sistema, dificultando a adesão de novos usuários. “Eu fiz muitos desses cursos, e deter conhecimento da legislação por causa do meu trabalho na Auditoria e acesso a acórdãos do TCU relativos ao tema facilitou muito o meu trabalho. Tudo isso demonstrou ainda a importância de criação dessa modelagem, um manual que detalhasse todas as fases do processo, do lançamento do edital à divulgação do resultado”, explica.

Após tentativa infrutífera de desenvolver o trabalho em outra cidade da Grande Belo Horizonte, a pesquisadora despertou interesse no prefeito de Caeté, Lucas Coelho, que, após contato feito pelas redes sociais, aprovou a proposta de pesquisa. “Em outra prefeitura, após  manifestação de interesse por parte do vice-prefeito, o secretário de Administração não quis mudar. E é realmente algo bastante complexo, porque o ComprasNet traz muitas mudanças, aumenta bastante a transparência. Nem sempre os gestores querem essa mudança, mas é um benefício para a cidade, para a sociedade e para os fornecedores”, afirma Canela. A recusa inicial, a propósito, serviu para embasar parte do referencial teórico sobre inovação. “A governança é um dos principais fatores que influenciam a inovação no setor público. Se não há interesse por parte da governança, a inovação simplesmente não acontece”, alerta a pesquisadora.

Proposta abraçada
Em Caeté, segundo Carla Canela, a proposta foi abraçada pelo prefeito, pelo secretário de Administração e pela equipe envolvida nos processos de compra e licitação. Entre as vantagens elencadas por ela na apresentação da proposta, estavam a gratuidade do sistema, a transparência, a agilidade, a eficiência e o melhor controle dos processos, a segurança da base de dados e a possibilidade de ampliação do acesso a mais fornecedores, por meio do pregão em ambiente digital. Depois da apresentação inicial, teve início o trabalho prático. “Nós montamos um plano de trabalho para o processo de inovação, no qual indiquei alguns cursos gratuitos de capacitação que eles poderiam fazer, além de alguns materiais e vídeos já disponibilizados pelo governo federal. Como o trabalho foi atravessado pela pandemia, em alguns treinamentos tive que utilizar ferramentas digitais para atividades remotas”, narra.

Nesse processo, a pesquisadora utilizou o módulo de treinamento do próprio sistema ComprasNet, para que os profissionais envolvidos em compras e licitações em Caeté pudessem começar a criar uma familiaridade com o sistema. O processo de modelagem, segundo ela, foi construído concomitantemente a esse processo de treinamentos. “Ao mesmo tempo, fui criando uma proposta de modelagem de todo esse processo. Verificava a aplicabilidade dos manuais e já fazia as adaptações necessárias, de acordo com as dificuldades indicadas pelos servidores." Em meio ao processo, Carla teve de lidar com a saída de uma servidora que acumulava mais conhecimentos sobre compras e foi aprovada em outro concurso e ainda com a mudança de secretário. “Foi um momento de certa tensão, em que tive medo que a pesquisa parasse. Houve uma pequena interrupção, mas felizmente a nova funcionária responsável pelo processo de pregão abraçou a ideia, e a nova gestão demonstrou interesse em dar sequência à adesão ao ComprasNet”, relembra.

A pesquisa durou cerca de um ano, incluindo a preparação e o estudo de caso. Na preparação feita na UFMG, que levou aproximadamente seis meses, a pesquisadora contou com a colaboração de equipe da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT), que ajudou com toda a documentação do processo de formalização do acordo e da parceria. O termo de cooperação entre a UFMG e a Prefeitura de Caeté foi assinado em 9 de setembro do ano passado. A modelagem proposta é composta de Plano de Trabalho para Processo de Inovação em Compras Públicas, manuais e modelos de documentos. O trabalho final tem potencial de ser replicado principalmente por municípios do mesmo porte de Caeté, com até 50 mil habitantes. Em Minas Gerais, 651 municípios que se encontram nessa faixa populacional ainda não fazem pregão eletrônico por meio do sistema do governo federal.

“Uma das propostas do meu trabalho é de uma parceria da UFMG com outras prefeituras, para multiplicar o que foi feito em Caeté. Até municípios maiores vão conseguir se guiar pela modelagem, mesmo que algumas particularidades fiquem de fora”, finaliza a pesquisadora.

Outros resultados
Extrapolando o objeto da dissertação, mas também de acordo com os benefícios propostos para inovação no serviço público, a pesquisa de Carla Canela resultou no desenvolvimento de dois programas que geraram dois Certificados Digitais de Registro de Programa de Computador, expedidos pela Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica da UFMG (CTIT): Análise de dados em auditoria interna em compras governamentais (que possibilita detectar riscos e fraudes) e Patrimônio 4.0 (solução IoT de controle e gestão patrimonial).

Dissertação: Inovação no processo de compras dos municípios: estudo de caso da implementação do Sistema ComprasNet do Governo Federal na Prefeitura Municipal de Caeté
Autora: Carla Lorena de Miranda Canela
Orientadora: Márcia Siqueira Rapini, professora da Face
Coorientador: Adriano Borges da Cunha, professor do Coltec
Curso: Mestrado Profissional em Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual da UFMG
Defesa: 1º de abril de 2022

Carla Canela, acompanhada do secretário de Administração de Caeté, Júlio Teixeira, e das servidoras do setor de compras, Alexsandra e Gisele
Carla Canela, acompanhada do secretário de Administração de Caeté, Júlio Teixeira, e das servidoras do setor de compras, Alexsandra e Gisele Acervo pessoal

Hugo Rafael