Pesquisadores brasileiros projetam segunda onda de covid-19 na Amazônia
Professores da UFMG estão entre os autores de artigo publicado na Nature Medicine que atribui aos erros dos governos a explosão de casos na região
As políticas públicas que estão sendo adotadas pelos governos em níveis municipal, estadual e federal para a Amazônia brasileira vão condenar a região a uma segunda onda de covid-19. É o que projeta um grupo de oito pesquisadores brasileiros em artigo publicado na última sexta-feira, 7, na revista Nature Medicine.
No estudo, os pesquisadores fazem uma recapitulação panorâmica dos sequentes erros cometidos pelos governos nas tomadas de decisão relativas à região, assim como resgatam objetivamente os principais momentos em que os entes federativos ignoraram conscientemente os direcionamentos oferecidos pela comunidade científica para o combate à pandemia.
Diante disso, os cientistas alertam que, “para evitar uma segunda onda de pandemia na Amazônia, medidas efetivas, como o fechamento de escolas e serviços não essenciais, precisam ser implementadas imediatamente”: do contrário, os povos que habitam a região – sobretudo os indígenas, que compõem grupo de risco – estarão condenados a um grande pico de contaminação.
Entre os autores do artigo, estão Luiz Henrique Duczmal, professor do Departamento de Estatística do Instituto de Ciências Exatas (ICEx) da UFMG, e Unaí Tupinambás, docente do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade.
Além deles, assinam o trabalho Lucas Ferrante e Philip Martin Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Wilhelm Alexander Steinmetz e Jeremias Leão, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Alexandre Celestino Leite Almeida, da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), e Ruth Camargo Vassão, do Instituto Butantan.
Leia a versão em português do artigo.
Confusão entre ceticismo e negacionismo
No artigo, os pesquisadores chamam atenção para a tendência dos governos brasileiros de tomar decisões baseadas em opiniões aleatórias, não embasadas no que recomenda a ciência – como as tentativas de se encerrar precocemente o isolamento social e de promover a reabertura de escolas.
“A internet permitiu que qualquer pessoa pudesse emitir sua opinião sobre qualquer coisa, sem que precisasse checar a veracidade de seu conteúdo. E as afirmações mais esdrúxulas são as que ganham mais likes – isso é o que chamamos de pós-verdade”, afirma Luiz Duczmal. Nesse sentido, prossegue, “as pessoas têm confundido o ceticismo saudável com o negacionismo. As opiniões dos especialistas são ridicularizadas, pois todos se acham grandes especialistas sobre qualquer assunto”. De acordo com os pesquisadores que assinam o trabalho, essa postura tem resultado invariavelmente no aumento do número de contaminados e de mortos.
“Na pesquisa científica, ao contrário, submetemos nossas ideias a nossos pares, que fazem uma análise crítica implacável e propõem novas maneiras de enxergar os problemas. Esse diálogo entre pares possibilita que o pensamento possa se corrigir e evoluir. Num ambiente assim, as ideias frutificam e enriquecem nossa visão do mundo, permitindo enxergar as coisas sob diversos pontos de vista”, explica Duczmal, tentando demonstrar como funciona o processo que confere fidedignidade ao saber científico.
“Carl Sagan escreveu que os humanos de sociedades ditas primitivas eram mais inquisitivos e utilizavam muito mais o método científico do que nós mesmos, da sociedade pós-industrial, que estamos imersos em crendices modernas e sob o efeito da propaganda”, lembra o professor do ICEx, que trabalha com modelos estatísticos preditivos da evolução de casos de covid-19. “Precisamos recuperar o diálogo com o outro que discorda de nós, se quisermos entender como funciona o mundo. É possível recuperar a capacidade de pensar. Estamos aqui para isso mesmo”, convoca Duczmal.