Pesquisadores em saúde humana e animal recomendam ações para minimizar impactos do calor
Especialistas ouvidos pela Rádio UFMG Educativa em série de dois episódios alertam para os perigos do calor extremo e da fumaça que cobre o céu do país
A primavera chegou ao Brasil em 22 setembro sem dar o menor sinal de frescor. Duas mil cidades tiveram ondas de calor no início da estação das flores no país, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). As ondas de calor são períodos em que as temperaturas ficam acima da média esperada, segundo especialistas. Além do calor, mais de 70% das queimadas em toda a América do Sul ocorreram no Brasil, em setembro, de acordo com o INPE, o Instituto de Pesquisas Espaciais. Quais as causas, consequências e como amenizar os impactos do calor e das queimadas?
Cientistas ambientais relacionam o aumento das temperaturas e a fumaça das queimadas ao descaso com a natureza, não só de forma geral, mas, especificamente, com os biomas da Amazônia. Diretamente da região, uma das mais afetadas por crimes ambientais no Brasil, a engenheira ambiental Gracialda Costa Ferreira, professora de Dendrologia Tropical, Identificação de Espécies Florestais da Amazônia e Manejo e Produção Florestal da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) afirma que os efeitos da destruição florestal da Amazônia, como as queimadas, estão comprometendo a saúde das pessoas e dos animais em todo o Brasil. A região amazônica é afetada por diversas ações ilegais resultantes no extermínio da fauna e flora local.
Entre os principais crimes ambientais que assolam a Amazônia Legal – área que totaliza cinco milhões de metros quadrados, o correspondente a 59% do território nacional –, estão exploração de madeira e minérios, invasão e grilagem de terra pública, atividades ilícitas entrelaçadas com esquemas de lavagem de dinheiro, corrupção e atuação de organizações criminosas, conforme levantamento do Centro de Pesquisas Judiciais (CPJ) da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e com a Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ).
Segundo o estudo Cartografias da Violência na Amazônia, divulgado no final de 2023, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Instituto Mãe Crioula, a região amazônica registrou graves aumentos, entre 2018 e 2022, de ações que destroem a natureza: 85,3% nos crimes vinculados ao desmatamento, 51,3% nos casos de incêndios criminosos e 275,7% nas ocorrências relacionadas à grilagem (loteamentos ou registro de terras públicas sem autorização legal). Todas as ações, em conjunto, fazem com que cidades a quilômetros de distância da Amazônia sofram as consequências. “O calor e as queimadas são frutos da destruição do meio ambiente, provocada pelo homem em muitas atividades de produção. Elas se iniciam ainda com o desmatamento, com a retirada da floresta. Quando a floresta é suprimida, a área fica aberta, e o solo, descoberto, o que causa um aquecimento maior do que normalmente aconteceria, porque a vegetação tem a capacidade de filtrar os raios solares e diminuir a temperatura nos diferentes níveis que formam a floresta. Sem a floresta, os raios incidem diretamente sobre o solo e os resíduos do desmatamento secam, ficam facilmente expostos e podem ser queimados de forma muito rápida", detalha a professora Gracialda Ferreira.
A professora prossegue a explicação evidenciando as razões de as queimadas também afetarem a vida de pessoas e de animais. “A madeira, a parte vegetal da planta, quando é queimada, libera para a atmosfera todo o carbono que foi sequestrado e estocado no corpo da planta. Depois, o carbono retorna para a atmosfera em conjunto com outros gases que são liberados, e alguns deles também podem ser tóxicos. Com isso, o ser humano e os animais passam a aspirar esse ar que está contaminado”. Gracialda esclarece que são os gases tóxicos das queimadas que levam ao adoecimento quando se tem contato com a fumaça por elas provocadas: “Os gases das queimadas são elementos tóxicos, eles acabam depositados nos organismos e causam várias outras doenças, respiratórias ou não, sem citar o aumento do próprio calor, que é, por si, causa de diversos adoecimentos e até mortes”.
Consequências para a saúde humana
A professora Laís Nicoliello, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, alerta: o calor e a fumaça podem até matar. "O tempo seco e sem chuva permite que partículas finas fiquem suspensas no ar. Tais partículas têm uma rápida propagação na via aérea, o que pode levar a sintomas respiratórios como tosse, sensação de garganta seca e exacerbação de doenças pré-existentes, como a asma. Além disso, as queimadas liberam substâncias químicas, como metais pesados, materiais tóxicos que, por meio das partículas finas, podem ser inalados. Isso tudo pode provocar irritação nos olhos, irritação no nariz, que leva à exacerbação da rinite, com coceira, espirros, garganta seca e até efeitos mais graves como falta de ar, sensação de desmaio, dor de cabeça e até mesmo, em casos muito graves, o óbito”.
Autor de pesquisas sobre os efeitos da intensificação da crise climática na saúde humana, o professor Nelson Gouveia, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), detalha as principais consequências das ondas de calor e das fumaças para o corpo humano: “O primeiro incômodo é um desconforto pelas altas temperaturas. Mas isso pode evoluir para um estresse térmico, e a pessoa vir a ter o que se chama de um colapso, o heatstroke [exaustão pelo calor]: o organismo não consegue mais fazer o ajuste de temperatura, porque o nosso organismo faz com que a gente tenha um abalo, uma dilatação, o aumento da transpiração, porque é assim que a gente controla a nossa temperatura. O calor em excesso pode provocar um colapso em nosso organismo, sendo fatal em alguns casos”.
Ainda que o corpo não chegue ao colapso, o professor explica que o aumento da temperatura provoca uma maior transpiração, resultante em perda de água. Em períodos de tempo seco, devido à baixa umidade do ar, as pessoas perdem ainda mais água do que o habitual, o que pode levar a um quadro de desidratação (leve ou grave), podendo provocar a morte da pessoa. "São fenômenos que acontecem de maneira conjunta, uma onda de calor, uma umidade do ar muito baixa, a poluição pelas queimadas e tornam tudo muito ruim para a saúde humana", resume Gouveia.
Consequências para a saúde dos pets
Se as pessoas, que conseguem se expressar, dizer o que estão sentindo e pedir ajuda, sofrem com as consequências do calor e das queimadas, imagina o que não vivenciam os animais e, em especial, os animais domésticos, devido à fragilidade e à impossibilidade de pedirem ajuda. Também pesquisadora na USP, a chefe da Divisão de Atendimento do Hospital Veterinário da Universidade, a médica-veterinária Khadine Kanayama explica como o aquecimento global tem afetado a cães e gatos: Os pets também podem ter heatstroke, conhecida como intermação, e não conseguirem regular a temperatura corporal. Além disso, o aquecimento global torna as estações sem as características bem demarcadas, o que altera o período fértil de animais como as gatas, prolongando-o. O mesmo acontece com a troca de pelos de cães e gatos, geralmente realizadas no verão e no outono, mas, devido às alterações atípicas e sazonais das estações climáticas passam a ocorrer mais vezes por ano".
Na UFMG, a veterinária Bianca Moreira de Souza realiza o doutorado em Ciência Animal. De acordo com ela, o bem-estar dos animais domésticos é fortemente comprometido pelas ondas de calor e pelos efeitos das fumaças, bem como pelas demais consequências da destruição ambiental em geral: “clima extremamente seco e quente afeta os nossos animais de estimação, comprometendo também a saúde e o bem estar. Tal cenário pode levar a problemas como hipertermia, o aumento da temperatura com excesso de calor e desidratação. Além disso, a fumaça e a baixa umidade podem agravar as condições respiratórias. Os tutores devem ficar muito atentos", recomenda.
Amenizando os impactos do calor e das queimadas
A professora Laís Niconiello, da UFMG, e o professor Nelson Gouveia, da USP, elencam dicas para cuidar da saúde humana e diminuir os riscos de situações graves mediante calor e fumaça das queimadas:
- hidratação constante (tomando água e hidratando a via aérea, por meio da lavagem constante com soro fisiológico);
- umidificação do ambiente, como por exemplo, a colocação de um balde com água ou uma toalha molhada no cômodo no qual se estiver, a fim de aumentar a umidade naquele local;
- restringir o uso de um umidificador por períodos prolongados, para não favorecer o crescimento de mofo e aumento de ácaros, que podem desencadear ou piorar sintomas de rinite, de asma e de outras exacerbações alérgicas;
- manter a casa fechada durante o episódio da queima. Depois da queimada, é importante abrir a casa para a saída de toda a fuligem e de toda partícula que possa ter ficado dentro do domicílio;
- mediante sinais de falta de ar, cansaço, frieira, exacerbação de doenças prévias, como por exemplo, de rinite, levando a coceira intensa no nariz, produção de coriza persistente que atrapalha a qualidade de vida, é preciso buscar atendimento médico;
- manter janelas abertas (exceto em caso de queimadas);
- quando for fazer a higienização da casa, preferir o pano molhado ou o aspirador ao invés de varrer (varrer levanta as partículas finas em suspensão);
- evitar e se exercitar nos horários mais quentes, principalmente, entre dez e meia da manhã até por volta das 16h, que é o pior horário, devido à baixa da umidade, quando a umidade está mais baixa;
- usar máscara cobrindo nariz e boca em tempos de queimadas e grande poluição, para minimizar a ida de partículas ao pulmão.
Cuidados com a saúde dos pets em meio ao calor e queimadas
As recomendações aos tutores de cães e gatos também são essenciais para se evitar o adoecimento ou a morte dos pets, durante o calor extremo e as queimadas. As veterinárias Bianca Moreira, da UFMG, e Khadine Kanayama, da USP, recomendam ações básicas para a garantia do bem-estar dos animais domésticos:
- manter o animal sempre hidratado, deixando disponíveis vasilhas com água fresca por vários locais da casa;
- colocar pedras de gelo na água dos pets em dias mais quentes;
- sob nenhuma hipótese deixar o animal sozinho no carro em dias de calor, pois ele pode sofrer hipertermia e morrer;
- oferecer alimentação úmida, como sachês e patês (feitos para animais, não dar comida humana);
- oferecer cubos de melancia gelada ao animal (cães costumam gostar mais);
- congelar sachês e patês em cubo e dar ao pet (gatos costumam gostar mais);
- passear com o animal apenas no começo da manhã ou após as 18h; não circular com o cão em horários de calor extremo;
- levar um recipiente com água para o pet se hidratar durante o passeio;
- deixar o animal sempre em ambientes frescos e, se preciso, ligar ventilador ou ar-condicionado para evitar hipertermia;
- ficar atento a sinais como pele ressecada, coceira nos olhos, boca seca, cansaço, dificuldade para respirar e desidratação. O anima deve ser levado ao veterinário caso ele esteja prostrado ou sem respirar;
- pets com problemas respiratórios devem ser hidratados com soro fisiológico nas vias nasais, sob orientação do veterinário;
- evitar exposição solar direta e verificar com o veterinário o uso de protetor solar em regiões mais frágeis do corpo do animal, para evitar câncer;
- limpar os olhos com soro fisiológico;
- em caso de suspeita de hipertemia, oferecer água (se estiver consciente) e enrolar o animal em toalha molhada e levar imediatamente ao hospital veterinário;
- manter a vacinação e a vermifugação em dia, para evitar quadros agravados pelo calor.
Série de reportagens em áudio
Em série especial, a Rádio UFMG Educativa aprofunda a discussão sobre o calor extremo e as queimadas, relacionando-os aos impactos à saude humana e dos pets. A produção, com dois episódios, está disponível em formato de podcast no Sound Cloud da emissora e no Spotify. Um spoiler: de acordo com os especialistas ouvidos, toda ação será paliativa, enquanto o poder público e a sociedade civil não impedirem o avanço da destruição da natureza. Quer entender melhor? Só ouvir ao podcast Calor extremo e fumaça: cuidados com a saúde humana e dos pets.
Ficha técnica
Produção e reportagem: Ruleandson do Carmo
Sonoplastia e edição de áudio: Cláudio Zazá