Pesquisas da Bioquímica e Imunologia, da Engenharia Elétrica e das Artes vencem Grande Prêmio de Teses
Comissão especial escolheu os três trabalhos entre os 65 indicados pelos programas de pós-graduação da UFMG; tese da Ciência da Computação recebeu menção honrosa
Os pesquisadores Bianca de Oliveira (Bioquímica e Imunologia), Fabrício Trindade Pereira (Artes) e Márcia Luciana da Costa Peixoto (Engenharia Elétrica) conquistaram o Grande Prêmio UFMG de Teses, edição 2024. Os vencedores foram revelados em cerimônia realizada na noite desta quarta-feira, 23 de outubro, no auditório da Reitoria, durante a 33ª Semana do Conhecimento.
Neste ano, 65 pesquisas de doutorado foram indicadas à distinção por seus respectivos programas de pós-graduação e receberam o Prêmio UFMG de Teses. Comissão instituída pela Câmara de Pós-graduação escolheu, entre elas, os três trabalhos vencedores do Grande Prêmio em cada uma das grandes áreas do conhecimento.
Bianca de Oliveira foi a vencedora na grande área de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde, que recebeu 29 indicações. Fabrício Trindade Pereira venceu na grande área de Ciências Humanas, Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes, que teve 24 indicações. Márcia Luciana da Costa Peixoto venceu na grande área de Ciências Exatas e da Terra e Engenharias, com 12 indicações.
Além de distinguir os três vencedores, o Grande Prêmio UFMG de Teses deste ano atribuiu menção honrosa ao pesquisador Felipe Augusto Resende Viegas (Ciência da Computação), cuja tese também foi defendida na grande área de Ciências Exatas e da Terra e Engenharias. Dois meses atrás, ele e Márcia já haviam feito uma primeira dobradinha no Prêmio Capes de Tese; ambos venceram em suas respectivas categorias – ela em “Engenharias 4”, ele em “Computação”.
Márcia inclusive foi a primeira mulher da história a ganhar o prêmio Capes de Tese na categoria Engenharia 4, que engloba as engenharias elétrica e biomédica com suas respectivas subáreas. Os trabalhos de todos os vencedores podem ser conhecidos mais detalhadamente no fim desta matéria.
'Dedicação, tenacidade e superação'
Esta foi a 17ª edição do Prêmio UFMG de Teses. Criada em 2006, a homenagem visa distinguir trabalhos que se destacam por sua originalidade e por sua relevância para o desenvolvimento científico, tecnológico, artístico, cultural e social do Brasil, no âmbito e a partir de suas respectivas áreas. “Nesse sentido, hoje homenageamos não apenas aquelas pessoas que se destacaram em suas áreas no ano de 2023, mas também todos e todas que construíram esta história e este legado do qual tanto nos orgulhamos”, disse a reitora Sandra Regina Goulart Almeida, em seu pronunciamento no evento.
Para Sandra, os agraciados com o Prêmio UFMG de Teses são historicamente “um exemplo de dedicação, tenacidade e superação” para a Universidade. De fato, ilustrando o ponto citado pela reitora, entre os 65 premiados deste ano havia desde mães e pais com crianças novas, até mesmo recém-nascidas, a pessoas autoidentificadas com deficiências ocultas, como é o caso do espectro do transtorno autista. “Todas essas pessoas aqui reunidas são um exemplo significativo das possibilidades oferecidas pela Universidade e também do seu compromisso com uma educação pública e gratuita, de qualidade e de relevância, em sintonia com os desafios do nosso tempo”, demarcou a dirigente.
A reitora lembrou que o alto nível dos premiados se relaciona com o fato de a UFMG ter hoje uma das melhores pós-graduações do país, com 70% de seus programas com notas de excelência na Capes – notas 5, 6 e 7 (a mais alta possível). A reitora frisou que o trabalho de pós-graduação realizado na Universidade se insere em uma tradição de “luta por uma sociedade melhor, mais justa e equânime, como cabe a uma Universidade pública, de qualidade e relevância como a nossa”. Para ela, a construção desse futuro passa necessariamente pela valorização da educação “em todos os seus níveis, incluindo a educação superior” e da ciência “por meio de seu investimento adequado e perene”.
Além de Sandra, também falaram no evento Isabela Pordeus, pró-reitora de Pós-graduação da UFMG, e o diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Luiz Gustavo de Oliveira Lopes Cançado. Ao parabenizar os vencedores, Pordeus recuperou o longo histórico de produção de boas teses na UFMG. Ela lembrou que a primeira foi defendida ainda no longínquo ano de 1897, na Faculdade de Direito, quando ela ainda estava situada em Ouro Preto e a cidade de Belo Horizonte se preparava para ser inaugurada. “A produção de conhecimento é historicamente um compromisso inarredável da nossa UFMG”, disse.
Em sua fala, Luiz Gustavo – que é professor do Departamento de Física da UFMG – afirmou que a premiação era "a oportunidade perfeita para refletirmos sobre o verdadeiro significado de se realizar um doutorado. Mais do que a obtenção de um título, o doutorado é uma jornada de profunda transformação pessoal”, afirmou. O evento foi o primeiro de que ele participou representando oficialmente a Fapemig, instituição na qual assumiu a Diretoria de Ciência, Tecnologia e Inovação no início deste mês. Para esses novos e “transformados” pesquisadores que o ouviam, Luiz Gustavo informou que, no interesse de seguir fomentando a produção de ciência de excelência em Minas Gerais (e, ao mesmo tempo, tentando-se combater a fuga de cérebros para o exterior de que congenitamente padece o Brasil), a Fapemig abrirá um edital de bolsas de pós-doutorado ainda neste ano. “Serão cem bolsas de até 24 meses com valor mensal de R$ 9 mil, além de taxa de bancada, com contratação no segundo semestre de 2025”, ele disse.
Passo importante para nova vacina
Transmitida por picadas de alguns tipos de mosquito, a leishmaniose visceral humana (também conhecida como calazar e barriga d'água) vitima principalmente crianças pequenas, de até dez anos de idade. Ainda não existe vacina para essa doença parasitária, que alcança grande letalidade em climas tropicais. Na tese Caracterização de uma nova proteína mitocondrial de Leishmania e seu potencial como vacina, Bianca de Oliveira investiga justamente a possibilidade de produção dessa vacina a partir de uma proteína “hipotética repetitiva conservada” denominada DTL8. Nos testes realizados com camundongos, a imunização com uma versão truncada recombinante da DTL8 (denominada rDTL8), associada ao adjuvante Poly (I:C), gerou respostas celular e humoral e uma diminuição significativa no parasitismo tecidual.
Nos experimentos, também foi gerada uma proteína quimérica recombinante denominada rDTL10, contendo fragmentos imunogênicos da rDTL8 e de uma outra proteína, para ser testada em uma formulação vacinal associada também com o adjuvante Poly (I:C). Como vacina profilática, foi observada que essa proteína induziu uma imunidade protetora ainda superior àquela apresentada pela rDTL8. Orientada por Ricardo Tostes Gazzinelli e coorientada por Ana Paula Sales Fernandes, a tese de Bianca de Oliveira descreve uma vacina candidata promissora para a leishmaniose visceral humana e estabelece as premissas para que, agora, seja possível avançar na investigação com ensaios clínicos em humanos.
Um olhar para a América Latina do século 20
A tese Las Yeguas del Apocalipsis, Oficcina Multimédia e Yuyachkani: corpos sudacas, de Fabrício Trindade Pereira, tem as ditaduras militares da América do Sul – transcorridas nas décadas de 1960, 1970 e 1980 – como pano de fundo de sua reflexão. Fabrício parte das obras artísticas de Pedro Lemebel e Francisco Casas, do duo Las Yeguas del Apocalipsis (1987-1997, Santiago, Chile), de Ione de Medeiros, do Grupo Oficcina Multimédia (1977, Belo Horizonte, Brasil) e de Ana Correa, do Grupo Cultural Yuyachkani (1971, Lima, Peru), para investigar como essas elaborações artísticas, “sob a perspectiva transversal do corpo enquanto materialidade da existência”, atualizaram e subverteram os contextos sociais e históricos em que estiveram inseridas.
Orientada pela professora Mônica Medeiros Ribeiro, a tese de Fabrício foi defendida no Programa de Pós-graduação em Artes (PPG-Artes) da Escola de Belas Artes. No trabalho, a palavra “sudaca” recupera uma expressão xenófoba utilizada na Europa dos anos 1980, sobretudo em Madri, na Espanha, em referência pejorativa às pessoas oriundas da América do Sul. Naturalmente, ao recuperá-la, o trabalho promove uma ressignificação crítica do termo. “Esse termo era a expressão declarada da xenofobia dos europeus que [queriam] marcar e denominar as pessoas-imigrantes que, naquele momento, viviam na Europa, exiladas das ditaduras militares da América Latina”, lembra o autor. Arrojada, a tese ostenta uma diagramação não normatizada, criativa, e apresenta uma série de desenhos e fotografias.
Estabilidade de sistemas não lineares
A tese de Márcia Luciana da Costa Peixoto – Static output-feedback control design for nonlinear systems – polytopic based approaches – apresenta uma solução para garantir a estabilidade de sistemas não lineares. Nesses sistemas, pequenas mudanças nas entradas podem resultar em grandes variações nas saídas, resultando em respostas complexas. É o caso, por exemplo, do mercado financeiro, dos sistemas que controlam veículos autônomos e do clima, contexto em que pequenas variações nas condições atmosféricas podem levar a grandes diferenças nas previsões.
Na prática, a solução apresentada por Márcia Costa Peixoto diminui o esforço computacional necessário para garantir o controle e a estabilidade desses sistemas. Sua tese foi defendida no Programa de Pós-graduação em Engenharia Elétrica (PPGEE), sob orientação do professor Reinaldo Martínez Palhares. No início do mês, o programa Aqui tem ciência, da Rádio UFMG Educativa, convidou a pesquisadora a explicar mais detalhadamente os achados de suas investigações. A entrevista pode ser ouvida no player abaixo.
Benefício para o aprendizado de máquina
Denominada Um estudo aprofundado sobre grupos semânticos de palavras – CluWords – em tarefas de processamento de linguagem natural (PLN), a tese de Felipe Augusto Resende Viegas, menção honrosa no Grande Prêmio de Teses UFMG, “se concentra em projetar uma nova representação de documentos que agrupa palavras semanticamente relacionadas, combinadas com filtragem específica para a tarefa e esquemas de ponderação, chamada CluWords”. O termo “CluWords” é usado para se referir a grupos que incorporam palavras semanticamente relacionadas, no contexto da Ciência da Computação.
A hipótese que motivou o trabalho foi a de que uma melhor representação das CluWords pode melhorar a eficácia das aplicações de Processamento de Linguagem Natural (PLN), permitindo lidar com problemas como ruído semântico e falta de informação. Os resultados obtidos pelos experimentos realizados no estudo mostraram que as relações semânticas fornecidas pela incorporação de palavras de fato podem ser eficazes para o contexto de “léxicos de sentimento” e que a filtragem e a ponderação dos CluWords são capazes de mitigar o ruído semântico, no contexto da “análise do sentimento”. O trabalho foi orientado por Marcos André Gonçalves e coorientado por Leonardo Chaves Dutra da Rocha.