Sandra: 'não somos o que éramos, mas ainda não somos o que deveríamos ser'
Aludindo à máxima de Martin Luther King, reitora da UFMG abriu congresso sobre a presença das mulheres na ciência
“Não podemos perder de vista que a presença das mulheres na universidade não é igualitária para todas as áreas. Ainda vivemos uma discrepância muito grande. As mulheres estão mais presentes nas humanas e nas biológicas, mas – por questões históricas e culturais – estão muito ausentes nas exatas e nas engenharias. Então há ainda uma luta muito grande a ser travada para a inserção das mulheres nessas áreas. Não somos o que éramos, mas ainda não somos o que deveríamos ser." Com argumentos como esse, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida deu início às atividades da segunda edição do Congresso de Mulheres na Ciência, iniciativa de estudantes e pesquisadoras da Universidade, cuja programação termina neste sábado, 31.
Na comunicação, Sandra Almeida lembrou o pequeno número de mulheres em cargos de gestão nas universidades brasileiras e as dificuldades que enfrentam para subir na carreira de pesquisadoras. "Menos mulheres são encontradas nos degraus mais elevados da academia", afirmou ela, que é uma estudiosa do feminismo na literatura – literatura produzida por mulheres, crítica feminista e literatura pós-colonial, por exemplo, são alguns dos seus temas de interesse.
A percepção da reitora foi corroborada pelo pró-reitor de Pesquisa, Mário Fernando Montenegro Campos, único homem na mesa de abertura. Ele lembrou, por exemplo, que apenas 17% dos professores eméritos da UFMG são mulheres. O título de emérito é o mais importante concedido pela UFMG e alcança professores aposentados, bem-sucedidos academicamente e que ofereceram contribuições decisivas para o desenvolvimento da UFMG. Por outro lado, disse o pró-reitor, as mulheres já são maioria na graduação e na pós-graduação — respectivamente, 52% e 58%. “E 46% dos primeiros líderes dos grupos de pesquisa da UFMG são mulheres”, disse ele, lembrando que “esse é um dado que vem aumentando ao longo do tempo e mostra que estamos no caminho certo".
Mário Campos relatou o seu "privilégio" de ter sido orientado por uma mulher em seu doutorado nos Estados Unidos ainda nos anos 1980. “Fui orientado pela [engenheira e cientista da computação] Ruzena Bajcsy, uma pesquisadora com uma história fantástica. Ruzena tem hoje 86 anos e segue trabalhando a mil por hora, de um jeito que é até difícil acompanhar. Foi uma experiência muito importante", disse ele.
‘Hora de revirar essa história’
Também integraram a mesa de abertura do evento as professoras Licínia Maria Correa, pró-reitora adjunta de Assuntos Estudantis, Benigna Maria de Oliveira, pró-reitora de Graduação, e a estudante Laila Blanc Arabe, representante da comissão organizadora do Congresso.
Em sua fala, Licínia Correa lembrou que a geração de Laila tem trabalhado muito positivamente para o avanço da discussão sobre a presença das mulheres na ciência. “Vocês estão sendo melhores do que nós fomos, e isso é muito bom”, destacou ela, considerando a diferença geracional entre a plateia e as mulheres que ocupavam a mesa de abertura. “Vocês estão nos superando. Para nós, esse é um motivo de orgulho”, afirmou.
No entanto, Licínia ressaltou que a representação que se tem do cientista no imaginário popular ainda é a do homem branco. “Vocês estão aqui para revirar essa história", conclamou. Para Licínia, as novas gerações estão fazendo “algo realmente novo em termos de universidade. Esse caminho que estão construindo abre portas não apenas para vocês, mas também para as suas filhas, sobrinhas, futuras netas, enfim, as mulheres que virão.”
A pró-reitora de Graduação, Benigna Maria de Oliveira, também destacou a importância do protagonismo assumido pelas estudantes na realização do congresso e das discussões e a necessidade "de aproximarmos a nossa produção de conhecimento de outros setores da sociedade”. Nesse sentido, a pró-reitora destacou a relevância da conferência de encerramento do colóquio, com foco na divulgação científica, que será ministrada por Aline Ghilardi, doutora em ciências que desenvolve pesquisas na área de paleontologia. Aline mantém, no YouTube, o canal Colecionadores de ossos, direcionado ao estudo de fósseis, vidas e culturas antigas. Sua conferência será ministrada a partir das 16h30 deste sábado, 31.
O apoio da literatura
Como professora da Faculdade de Letras, a reitora Sandra Goulart Almeida aproveitou o evento para indicar leituras aos participantes do congresso. Ela citou os livros Para educar crianças feministas, “uma lição de como encarar essa luta que é de todos nós”, e Sejamos todos feministas, ambos da premiada escritora nigeriana Chimamanda Adichie.
Sobre o último título, Sandra Almeida elogiou a tradução para o português, uma vez que no original (We should all be feminists), o título, devido às especifidades do inglês, não contava com uma marca de gênero. “Foi uma escolha muito feliz da tradutora [Christina Baum], pois o argumento da autora é exatamente o de ser feminista, lutar pelos direitos das mulheres e ser a favor da presença delas em todos os aspectos da sociedade. Trata-se de uma luta das mulheres, mas que também precisa ser dos homens”, disse a reitora.
Sandra Goulart Almeida encerrou sua comunicação com a leitura do poema Lugar de mulher, da cordelista Salete Maria, em que a autora põe em xeque essa expressão que busca limitar as perspectivas de participação feminina no mundo. O poema pode ser lido neste link, que direciona para o site da escritora.