Sem interferência de adultos, jogo virtual criado na Escola Enfermagem estimula jovens a debater sexualidade
Frequentar a escola durante a semana, conversar com a família em casa e "curtir a balada" aos sábados são hábitos comuns do cotidiano de jovens e adolescentes. Esses cenários servem de pano de fundo para que eles aprendam sobre sexualidade no jogo Papo Reto, desenvolvido pela professora Vânia de Souza, do Departamento de Enfermagem Materno-infantil e Saúde Pública da UFMG.
O jogo, que faz parte do projeto Gênero, sexo e sexualidade: um diálogo entre o lúdico, a intimidade e o contexto de vida dos adolescentes, foi apresentado na Mostra Inova Minas Fapemig, em agosto. Trata-se de um simulador de vida em que jovens de 15 a 18 anos, sem a interferência de adultos, criam personagens que debatem questões sobre sexo e sexualidade em ambientes que simulam casa, escola, rua e "balada".
Segundo Vânia de Souza, a experiência no trato com os jovens mostrou que eles não se sentem confortáveis para falar sobre sexualidade com adultos e pessoas mais velhas. Além disso, com a grande quantidade de informações disponíveis na internet, a professora destaca a necessidade de se criar novas maneiras de abordar o assunto com os jovens.
"Esgotamos a capacidade de falar com eles, pois estão cansados de ouvir informações que tratam somente do uso da camisinha e de outros métodos contraceptivos e não têm chance de conversar sobre outros assuntos mais condizentes com suas dúvidas e com o que vivem no momento", diz.
Depois que os pais dos alunos assinam o termo de consentimento, os jovens recebem um convite de acesso ao jogo via e-mail e criam perfis virtuais para interagir nos diversos ambientes. "Dentro do ambiente que simula a casa, por exemplo, abordamos o conhecimento do corpo, o primeiro beijo e o diálogo com os pais. Não estabelecemos o que é certo e o que é errado, apenas apresentamos a situação, e os jovens interagem como querem, somente entre eles. O conhecimento se dá quando os adolescentes podem ver as respostas dos outros jogadores e ter suas respostas avaliadas pelos outros", explica Souza.
Ao responder às perguntas, os jogadores podem interagir curtindo ou não as respostas dos outros, comentando, questionando ou demonstrando que não entenderam algum aspecto. A professora acrescenta que o jogo não tem fim, pois os jovens podem se tornar colaboradores quando criam perguntas para outros participantes. Quanto mais interage, mais o participante ganha pontos.
Cerca de 300 jovens jogam o Papo Reto em Belo Horizonte e em São Paulo, mas a intenção é que o game atinja mais pessoas. Para isso, o grupo liderado pela professora Vânia de Souza vem tentando estabelecer parcerias com escolas da capital mineira para que elas abriguem sessões de jogos, o que daria mais segurança aos pais.
"Convidar os jovens é o mais difícil, porque necessitamos do consentimento formal dos pais, e muitos deles desconfiam de uma atividade que não conhecem e com a qual não tiveram contato prévio. Em Belo Horizonte, o jogo já foi aplicado a estudantes do Colégio Técnico (Coltec) e da Cruz Vermelha e ajudou muitos adolescentes a resolver suas dúvidas e a repensar determinadas atitudes", afirma Vânia.
Percepções diferentes
Segundo Vânia de Souza, o Papo Reto possibilita saber o que pensam os jovens e os adolescentes de 2016 sobre determinado assunto. Ela cita o conceito de violência, por exemplo, visto de forma diferente pelos jovens.
"Para os adultos, invadir o Facebook e as redes sociais do companheiro é um tipo de violência. Mas, com base no resultado do jogo, percebemos que alguns jovens veem a invasão de privacidade como algo normal. Para muitos, a violência só é caracterizada pela agressão física ou verbal. Precisamos compreender por que eles pensam diferente de nós para que saibamos criar estratégias educativas mais próximas de suas necessidades e de seus contextos de vida", conta.
O jogo também tem viés informativo. Toda vez que surge alguma dúvida sobre um tema, o jogador pode acessar a aba "Saca" para ler informações aprofundadas. Depilação íntima, virgindade e sexo anal são alguns dos temas abordados sem tabus e juízos de valor.
"É uma ingenuidade imaginar que o jovem não tem interesse em saber como é uma relação anal, por exemplo. Se pretende ter esse tipo de relação, é melhor que o faça com segurança, sem traumas e com menos riscos de infecções, que podem ser graves e até fatais", argumenta a professora da Escola de Enfermagem.
Depois da aplicação do jogo, a equipe liderada pela pesquisadora promove oficinas presenciais com os participantes. "Trata-se do único momento em que os jovens têm contato com um adulto. A intenção ali é abordar questões polêmicas como a privacidade. Por que o jovem acha normal que seu parceiro invada sua rede social? Esse diálogo nos possibilita entender o que se passa com as novas gerações, respeitando seus pontos de vista", diz Vânia.
Com a boa aceitação do jogo, o próximo passo é criar uma versão que funcione em celulares e tablets. O jogo para computadores foi desenvolvido pela empresa paulista Sioux e custou cerca de R$ 60 mil. Ainda não há previsão de custos para uma versão em dispositivos móveis, e a equipe do projeto busca parcerias com programadores e desenvolvedores para ampliar o alcance do jogo.
(Luana Macieira / Boletim 1958)