‘A ciência joga luz sobre a realidade para modificá-la’, diz Raoni Rajão
Na abertura da Semana do Conhecimento, gestor do Ministério do Meio Ambiente e professor da Escola de Engenharia falou sobre o papel da pesquisa na formulação de políticas de controle do desmatamento
O papel da ciência tem sido decisivo na construção das políticas de controle do desmatamento no território brasileiro, na avaliação do diretor do Departamento de Políticas de Controle do Desmatamento e Queimadas (DPCD) do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Raoni Rajão. O gestor, que também é professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola de Engenharia da UFMG, fez a conferência de abertura da 33ª Semana do Conhecimento nesta segunda-feira, dia 21. A programação segue até a próxima sexta-feira, dia 25.
Raoni Rajão destacou que o conhecimento científico produzido dentro das universidades ao longo de décadas contribuiu para formar o conhecimento atual sobre as medidas mais efetivas para reduzir o desmatamento. “Tem-se a expectativa de que a ciência jogue luz sobre a realidade e ofereça métodos para modificá-la. E as geociências são essa forma de dar concretude a esse processo. Suas ferramentas ajudam a produzir mapas e representações de questões subjetivas em objetivas, contribuindo para a interface entre ciência e políticas públicas.”
Segundo o professor, as evidências científicas e os dados quantificáveis contribuem para que o Plano de Preservação e Controle de Desmatamento e Queimadas na Amazônia seja “uma ação transversal, coordenada politicamente pela Casa Civil e tecnicamente pelo Ministério do Meio Ambiente”. Rajão ressaltou, ainda, que a atual política baseia-se em diagnóstico que mostra a necessidade de uma ação governamental conjunta, de vários órgãos, para a construção de instrumentos normativos e econômicos, além das importantes ações de ordenamento territorial, como reforma agrária, demarcação de terras indígenas e propostas de atividades produtivas sustentáveis.
Conhecimento mudou a lógica da 'Arca de Noé'
“Na década de 1990, um intenso debate científico questionava as unidades de conservação como medidas eficazes para a redução do desmatamento. Entretanto, diante da liberação pública, a partir dos anos 2000, das imagens de satélite, que até então eram vendidas a preços altos ou consideradas de segurança nacional, a própria comunidade científica pôde observar que as unidades de conservação funcionam como uma barreira eficaz contra o desmatamento”, relatou o professor.
Segundo Rajão, estudos coordenados na UFMG pelo professor Britaldo Soares-Filho mostraram redução de 40% no desmatamento da Amazônia, entre 2004 e 2008, período em que dobrou a quantidade de unidades de conservação na região. “Essa medida teve como base conhecimentos científicos, que mudaram a lógica da Arca de Noé, de criar unidades de conservação em áreas com espécies endêmicas específicas, para a lógica de unidades de conservação que se tornariam efetivas barreiras físicas contra a expansão do desmatamento. E com base nessa lógica desafiadora, que exige estudos, recursos, esforço e escolhas, novas unidades de conservação foram criadas no Sul da Amazônia”, acrescentou.
Monitoramento e controle
Além das unidades de conservação, o dirigente do Ministério do Meio Ambiente destacou a importância do monitoramento e controle das propriedades rurais, com o objetivo de subsidiar ações de autuação e punição contra o desmatamento ilegal. “São medidas comprovadamente eficazes em nível municipal, conforme estudos realizados em 2013 e que levaram o governo a adotar a modelagem computacional, desenvolvida nas universidades, como medida para conter o desmatamento. Atualmente, já são mais de 1,8 milhão de imóveis monitorados por meio de modelagem computacional nos estados do Pará, Minas Gerais, Tocantins, Maranhão e Acre”, disse Rajão.
Conforme estudos liderados pelo próprio professor da UFMG, quantificar o desmatamento e sua legalidade também contribui para a proposição de ações sustentáveis. “Concluímos que 20% da produção de carne e soja no Brasil estão associadas ao desmatamento ilegal. De fato, após a saída do ministro Ricardo Sales do Ministério do Meio Ambiente, houve um aumento expressivo da atuação do Ibama e a redução do desmatamento. Essa correlação é importante e mostra que, nos lugares onde o número de embargos aumentou, houve redução de mais de 25% dos desmatamento.”
'Nem romantizar nem demonizar'
Como bom mineiro, o professor se declarou cauteloso em relação à complexidade das relações que permeiam o processo produtivo e as políticas de combate ao desmatamento e às queimadas. Novamente, ele frisou o papel de estudos científicos tanto da área das ciências duras (engenharias e economia) quanto das ciências sociais para uma melhor compreensão dessas relações. “Não tem como romantizar a realidade, mas também não podemos demonizá-la. Quando se trata de produção agrícola e desmatamento, precisamos compreender o processo de construção e desconstrução de um embate político entre produtor rural e as políticas públicas. Não basta identificarmos o desmatamento e sua ilegalidade. Nós, cientistas, precisamos acompanhar esse percurso, estudando e identificando as janelas de oportunidade para propor uma ciência direcionada para as políticas públicas, com dados quantificáveis e soluções antecipatórias”, afirmou.
Conhecer para preservar e restaurar
O tema desta 33ª Semana do Conhecimento é Diversidade: conhecer, preservar e restaurar. Para a reitora Sandra Regina Goulart Almeida, trata-se de temática importante e oportuna, que destaca a diversidade e a importância da preservação, mas chama a atenção também para a necessidade de restaurar. “Sabemos o quanto preservar é importante, mas outra questão premente, dado o impacto da crise climática, é a necessidade de começarmos a restaurar a destruição ocorrida nos últimos anos, cujas consequências estão aí, como a seca em Belo Horizonte neste ano”, exemplificou.
Também participaram da solenidade de abertura o vice-reitor Alessandro Fernandes Moreira e o pró-reitor de Pesquisa, Fernando Reis, coordenadores desta ediçãoO vda Semana do Conhecimento.