‘Só se combate informação ruim com boa informação’, diz Patrícia Campos Mello
Jornalista da Folha de S.Paulo ministrou a aula inaugural do curso de férias para estudantes estrangeiros da UFMG
Quase ao final da sessão de perguntas após sua palestra no curso de férias para estrangeiros, na manhã desta terça-feira, 7, a jornalista Patrícia Campos Mello foi questionada por uma aluna da UFMG sobre como os estudantes podem fazer a diferença no combate à epidemia de desinformação que tomou de assalto a vida brasileira – da política à saúde pública –, nos últimos anos. Ela respondeu: “Vocês, estudantes, são a esperança, porque pesquisam e compartilham conhecimento. Para combater informação ruim, é preciso boa informação. Portanto, estudem e espalhem conhecimento.”
Repórter especial e colunista da Folha de S.Paulo, Patrícia foi alvo de notícias falsas e ameaças nas redes sociais quando publicou uma série de matérias sobre supostas campanhas de disseminação de fake news para beneficiar o então candidato Jair Bolsonaro, nas eleições de 2018. Chegou a contratar guarda-costas para ela e sua família. “O problema que eu enfrentei é parte de um amplo movimento de intimidação de jornalistas e boicote à mídia tradicional”, afirmou a jornalista, que fez a palestra e respondeu às perguntas em inglês, de São Paulo, onde mora.
Patrícia Campos Mello disse que não conhece estudos que dimensionem o poder da desinformação para carrear e mudar votos, mas ressaltou que, mesmo que o efeito seja pequeno, pode ser suficiente. “As últimas campanhas eleitorais no Brasil e nos Estados Unidos e o plebiscito sobre o Brexit, no Reino Unido, são casos que nos mostram que esse é um tema com o qual é preciso lidar. Ninguém sabe como resolver, mas há muita gente tentando."
Ao apresentar a jornalista, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida exaltou a necessidade, cada vez maior, de cooperação e solidariedade entre indivíduos, instituições e nações. Ela condenou as fake news e os ataques a Patricia Campos Mello. “Patrícia foi desrespeitada e ofendida em razão de seu trabalho e por ser mulher. Isso é inaceitável”, enfatizou Sandra. O diretor de Relações Internacionais, Aziz Saliba, salientou, por sua vez, que a jornalista tem ajudado a compreender o Brasil nesta fase “em que é tão difícil explicar” o que está acontecendo no país. “O acesso à informação é hoje mais relevante que nunca, e a informação confiável é produzida e transmitida por jornalistas, cientistas e pelas universidades”, afirmou.
Tecnopopulismo
Quando falava sobre o poder que têm as redes sociais de influenciar as relações e a política, Patrícia Campos Mello lembrou uma fala de Steve Bannon, estrategista político de direita norte-americano. “Segundo ele, o populismo de direita não teria o sucesso que vem tendo no mundo se não fossem as redes sociais, porque esse movimento seria barrado pela mídia tradicional. Elas são parte importante da estratégia para manter apoiadores e de consolidação das democracias iliberais”, ela comentou, acrescentando que o chamado tecnopopulismo tem vocação autoritária e se dedica a erodir os pilares da democracia por dentro. "Para isso, as redes sociais são essenciais, porque possibilitam controlar a narrativa", disse.
De acordo com a ex-correspondente internacional, a violência digital é um fenômeno global e aparece com mais força em países como Filipinas e Índia, além do Brasil. Jornalistas e parlamentares opositores são ofendidos por sua aparência ou por questões familiares, e não explicitamente por sua atuação profissional ou política. Ela voltou ao tema do gênero para contar que o fato de ser mulher a ajudou quando ela cobriu conflitos em países como a Síria. “É mais simples do que as pessoas imaginam, e repórteres mulheres ainda têm o privilégio do acesso livre às mulheres locais. Ou seja, por incrível que pareça, é mais difícil ser uma jornalista no Brasil, em tempos de paz.”
Patricia Campos Mello afirmou que o discurso cotidiano do presidente Jair Bolsonaro, que desrespeita mulheres, gays e indígenas, tem efeitos importantes sobre seus apoiadores, “que se sentem autorizados a também agredir esses grupos, e, muitas vezes, isso deriva para a violência física". Não se pode, segundo ela, subestimar o valor das palavras, "que podem gerar consequências sérias”.
Para a repórter da Folha, é improvável que Bolsonaro mude seu estilo, por exemplo, no que se refere ao tratamento que dispensa à crise sanitária. O sucesso desse tipo de estratégia, segundo Patrícia, depende de alimentar crenças fortes. “Os apoiadores ficariam realmente infelizes com uma mudança de atitude, e o bolsonarismo correria o risco de alienar suas bases.”
Otimismo
Patrícia se mostrou otimista quando afirmou ver sinais de que o fracasso de alguns governantes populistas de direita no gerenciamento da crise desencadeada pela pandemia de covid-19 está desmascarando as estratégias que se apoiam, em grande parte, na produção e na disseminação em massa de informações falsas.
A jornalista disse acreditar que, para combater fake news e mensagens de ódio, será preciso encontrar uma boa combinação de novas leis que atribuam alguma forma de responsabilidade a plataformas digitais de interação social com movimentos como os de boicote por parte de grandes anunciantes a essas plataformas.
Patrícia Campos Mello fez um alerta: “Naturalmente, não é sustentável prescindir de legislação sobre o assunto. Mas é necessário ter cuidado ao elaborar novas regras para que elas não se transformem em arma contra os jornalistas, que podem ser criminalizados por investigar e informar, a depender dos interesses.” Um caminho interessante, ela prosseguiu, seria criar formas de impedir o financiamento da produção e disseminação de informações falsas e de marcar mensagens disparadas por robôs. “Não se trata, portanto, de legislar sobre o conteúdo, mas, sim, contra ferramentas e financiamento", sugeriu.
A conferência foi ministrada em inglês, com tradução para o português e para Libras, e transmitida pelo canal da Diretoria de Relações Internacionais (DRI) da UFMG no YouTube.
Entre guerras e prêmios
Repórter, colunista e integrante do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo, Patrícia Campos Mello ganhou destaque com série de reportagens sobre supostos crimes eleitorais, na forma de disseminação de notícias falsas, na campanha do candidato Jair Bolsonaro. Por isso, foi citada na escolha de Pessoa do Ano da revista Time como jornalista vítima de perseguição.
Patrícia é formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP e concluiu mestrado em Business and Economic Reporting na Universidade de Nova York. Foi correspondente em Washington D.C. pelo jornal Estado de S.Paulo e cobriu os atentados de 11 de setembro de 2001, a crise econômica americana, a guerra do Afeganistão e as eleições de 2008, 2012 e 2016.
Esteve diversas vezes na Síria, Turquia, Líbia, no Iraque, Líbano e Quênia, onde fez reportagens sobre as guerras e os refugiados. Foi também a única repórter brasileira que, em 2014 e 2015, cobriu a epidemia de ebola em Serra Leoa, na África.
Patrícia Campos Mello é autora de Lua de mel em Kobane e Índia – da miséria à potência e idealizou o premiado projeto Mundo de muros, especial multimídia sobre a crise das migrações feito em quatro continentes. Recebeu em 2016 o Troféu Mulher Imprensa e foi premiada, em 2017, pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). No ano seguinte, ganhou o Prêmio Internacional de Jornalismo Rei de Espanha e o V Prêmio Petrobras de Jornalismo. Em 2019, o Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ) concedeu a ela o Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa.
O curso
O Summer School of Brazilian Studies (Curso de Férias em Estudos Brasileiros da UFMG) chega a sua terceira edição, a primeira on-line. Promovida pela Diretoria de Relações Internacionais, a formação, que segue até o dia 18, reúne 46 estudantes estrangeiros, de 27 nacionalidades e 33 instituições sediadas em 20 países. Participam também 15 alunos da UFMG, indicados pelas unidades acadêmicas.