Teatro negro e presença indígena na cidade abriram ciclo de palestras do Festival de Verão
Marcos Alexandre apresentou levantamento da dramaturgia de inspiração africana; socióloga Avelin Buniacá criticou folclorização cultural
A cidade de Belo Horizonte tem testemunhado, especialmente nos últimos anos, a emergência de projetos artísticos que promovem a reflexão, fundamentada em um recorte racial, sobre as inquietações e preocupações sociopolíticas e econômicas das populações negras.
Esse tema foi explorado na manhã de hoje pelo professor Marcos Alexandre, da Faculdade de Letras (Fale) e do Teatro Universitário (TU) da UFMG, durante a conferência Olhares expandidos a partir da perspectiva do teatro negro, que abriu o ciclo de palestras do Festival de Verão 2018, no Conservatório UFMG.
“O teatro negro não apenas retrata as especificidades dos sujeitos negros, mas também se retroalimenta dos elementos que compõem a cultura da África em suas distintas manifestações artísticas, como danças, músicas, ritos e religiões”, destacou Marcos Alexandre, que é autor do livro O teatro negro em perspectiva: dramaturgia e cena negra no Brasil e em Cuba.
Como exemplos emblemáticos de peças produzidas recentemente em Belo Horizonte, o professor destacou Madame Satã (2015), do Grupo dos Dez; Memórias de Bitita – o coração que não silenciou (2015), do Grupo Circo Olho da Rua; e O negro, a flor e o rosário (2008), da Companhia Burlantins, estrelada pelo ator e músico belo-horizontino Maurício Tizumba.
Alexandre sugeriu que há uma especial comoção inerente à atuação dos artistas negros. "Um conjunto de memórias coletivas africanas é evocado quando o corpo do ator negro está em performance. Ele leva um corpo pulsante para a cena, resgatando uma matriz ancestral", analisou.
Ainda segundo Marcos Alexandre, o indivíduo que foi vítima do racismo tem incutidas no corpo as marcas dessa experiência. “Quando leva esses registros para a cena, o artista aciona elementos que provocam o questionamento sobre a discriminação”, aprofunda.
O conferencista ressaltou ainda que eventos de afirmação dos negros, como o Festival de Arte Negra (FAN), já estão legitimados na cidade e, ao contrário do que ocorria em outras épocas, extrapolam, atualmente, o tema das religiões de matriz africana.
Folclorização nociva
A outra palestrante do dia, a socióloga Avelin Buniacá, indígena da etnia Kambiwá, que é especialista em gênero, raça e ensinos religiosos, criticou o viés folclórico que caracteriza a visão do senso comum sobre a cultura indígena. Ela lembrou que recentemente recebeu convite para participar de uma oficina de fabricação de cocar, que seria realizada em um evento de pré-carnaval em Belo Horizonte.
"Expliquei que eles estavam brincando e fazendo fantasia sobre uma coisa que é real, é ancestral, e que eles desconhecem. O cocar é um traje sagrado, que representa nossas lideranças, vivas e mortas. A cultura ocidental e a mídia têm esse infeliz costume de massificar e folclorizar as culturas”, argumentou Avelin.
A socióloga também falou sobre a opressão sofrida pela população de sete mil índios atualmente espalhados pela Região Metropolitana de Belo Horizonte. “A estrutura daqui não se dobra para escutar a gente. Batizam ruas e bairros com nomes indígenas, como se isso fosse reconhecimento suficiente. Mas a cidade é um ambiente agressivo, onde não podemos sair de casa usando nossos trajes típicos”, queixou-se.
Segundo Avelin, a vida dos índios nas aldeias é inviável por causa da precariedade que teve origem na expansão de atividades como a mineração e o agronegócio. “A mãe-terra não é sagrada na mentalidade deles. Devastam a terra por uma causa tão ignorante, que é a ganância”, pontuou.
A programação do Festival de Verão segue até a quinta-feira, dia 8. Atualizações sobre o evento estão disponíveis no Facebook, no Twitter e no Instagram.