UFMG articula construção de rede mineira de formação de professores para a educação básica
Projeto conta com a participação do professor António Nóvoa, que cumpriu agendas na UFMG com representantes de secretarias de Educação e de instituições de ensino superior
Com um conjunto de 18 licenciaturas de oferta regular na graduação, a UFMG está articulando o desenvolvimento de uma rede mineira de formação de professores para a educação básica, que conta com a participação de 19 instituições públicas de ensino superior sediadas em Minas Gerais. As diretrizes do projeto, surgido após convite da reitora Sandra Regina Goulart Almeida ao professor António Nóvoa, da Universidade de Lisboa, especialista reconhecido mundialmente por suas contribuições para a formação de professores, foram discutidas, na semana passada, em três encontros de diferentes atores envolvidos com a educação básica brasileira com o educador português.
A reitora Sandra Goulart explica que o trabalho conjunto com o professor António Nóvoa teve início quando se encontraram em um seminário, e ela o consultou sobre a possibilidade de construírem, de forma colaborativa, uma rede mineira focada na formação de professores. “O professor António Nóvoa é uma referência mundial na área da educação e tem um projeto muito arrojado para a educação básica, especialmente a pública. Ao mesmo tempo, Minas Gerais é o estado da federação que tem o maior número de universidades públicas. Temos um potencial enorme para ajudar na construção de uma educação básica pública mais adequada às necessidades da realidade brasileira”, contextualiza.
Minas Gerais tem, hoje, 19 instituições públicas de ensino superior, sendo 11 universidades federais, cinco institutos federais, duas universidades estaduais e um centro federal. Segundo levantamento produzido pelas professoras Maria José Flores, pró-reitora adjunta de Graduação, e Roberta Guimarães Corrêa, presidente da Comissão para Discussão e Elaboração das Políticas de Formação Inicial e Continuada de Professores da Educação Básica (Comfic), os campi dessas instituições estão em 84 dos 853 municípios do estado, o que corresponde a aproximadamente 10% das cidades mineiras. “Juntas, essas instituições oferecem 320 cursos de graduação na modalidade licenciatura, o que corresponde a quase 30% dos cursos ofertados no estado. Na UFMG, são 18 licenciaturas de oferta regular, o equivalente a cerca de um quinto das 94 formações”, projeta Maria Flores.
Histórico
A primeira reunião com António Nóvoa, resgata Sandra Goulart, foi realizada em agosto do ano passado, em encontro do Fórum das Instituições Públicas de Ensino Superior de Minas Gerais (Foripes), realizado na Sala de Sessões da Reitoria. “Nessa reunião, ele apresentou a proposta de fazer uma interação mais próxima da educação básica, envolvendo não apenas os professores das nossas instituições, mas também os professores que atuam na escola pública, com interlocução também com as secretarias de educação do estado e dos municípios”, relembra a reitora.
“É necessária, de fato, uma articulação eficaz desses três atores para que possamos trazer os professores de educação básica para a universidade, levar a universidade para a educação básica e construir conjuntamente um projeto para a educação pública em nosso estado”, completa Sandra Goulart. À época, António Nóvoa também ministrou conferência à comunidade da UFMG, durante a qual discorreu sobre três pilares elencados por ele como fundamentais para guiar a transformação educacional: a educação como bem público, a educação como dimensão aberta e de conhecimento público e a ciência associada à cidadania e ao compromisso público.
Problema central
Reitor honorário da Universidade de Lisboa, o professor António Nóvoa destaca que há um problema global, hoje, no que diz respeito à formação de professores. “Como vocês dizem, há um ‘apagão’, faltam professores em todo o mundo. Mas [o problema] não está só na falta de professores: eles também enfrentam dificuldades de formação. Isso ocorre na maioria dos países, mas é muito evidente no caso brasileiro. É um problema central, por isso é preciso que as universidades e institutos públicos sinalizem claramente que querem mudar essa situação e que estão disponíveis para ajudar o país a superar essa situação”, avalia.
A reitora Sandra Goulart também expressa preocupação com a formação de professores no Brasil. "Grande parte dos estudantes que fazem licenciatura e que vão atuar na educação básica não fazem o curso em universidades públicas e não têm aulas presenciais, uma vez que essa é uma área que tem sido dominada pela modalidade de educação a distância. Não somos contra a educação a distância, mas defendemos que a presença e a interlocução entre universidade e educação básica são importantes, mesmo no cenário de uma educação a distância. É necessário o contato desses futuros professores com a universidade de forma presencial: o contato com uma reflexão mais aprofundada sobre o fazer acadêmico, sobre as questões didáticas, sobre as questões de inovação”, defende.
A superação desse cenário, segundo António Nóvoa, demanda “uma ligação mais forte entre a universidade e a escola pública, entre a universidade e as escolas básicas e uma formação de professores que tenha essa alma: a de unir a universidade e as escolas básicas, de criar aquilo que chamamos de uma ‘casa comum’ entre a universidade e as escolas básicas, para que, a partir daí, se crie um movimento, uma dinâmica de transformação da formação de professores, que é também uma dinâmica de valorização dos professores e de valorização da escola pública".
Encontros recentes
Entre a reunião de agosto e os encontros da semana passada, as instituições indicaram representantes para a construção do projeto e fizeram um levantamento do cenário de cada instituição para ser apresentado agora. O professor António Nóvoa reuniu-se na terça-feira, 30 de janeiro, com a reitora Sandra Goulart, com a secretária adjunta de Educação de Minas Gerais, Geniana Guimarães Faria, e com a secretária de Educação de Belo Horizonte, Roberta Rodrigues Martins Vieira. Na quarta, 31, houve encontro com professores da UFMG integrantes da Comfic e do Colegiado Especial de Licenciatura (Collicen).
Na quinta-feira, 1º de fevereiro, no encerramento da agenda na UFMG, António Nóvoa reuniu-se com representantes das instituições de ensino do Foripes. “O objetivo foi socializar o mapeamento realizado das políticas internas de cada instituição, a fim de projetar o alcance da Rede Mineira de Formação de Professores, como um projeto em construção por meio da união das instituições públicas, que vincule a formação de professores e o fortalecimento das escolas de educação básica de Minas Gerais”, explica a pró-reitora adjunta Maria Flores.
Criada em 2019 pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da UFMG, a Comfic é resultado da preocupação da Universidade com a formação de professores para a educação básica. O surgimento da Comissão representa um marco relevante para articular as ações da UFMG no âmbito do ensino de graduação, pós-graduação, pesquisa e extensão com foco na formação inicial e continuada de professores. A professora Roberta Corrêa, presidente da Comfic, avalia que os encontros com o professor António Nóvoa têm contribuído significativamente para o fortalecimento dos trabalhos da Comissão.
"Quando ressalta a necessidade de repensar a formação de nossos professores da educação básica, o professor Nóvoa nos apresenta caminhos que acreditamos que a Comfic tem trilhado desde sua origem. A construção de um espaço institucional que possa congregar as ações de ensino, pesquisa e extensão que vêm sendo realizadas em nossa instituição e o fortalecimento de interações com as escolas de educação básica, medidas destacadas por ele, constituem parte das competências da Comfic. As contribuições do professor Nóvoa nos servem de incentivo para dar prosseguimento ao trabalho que tem sido realizado pela comissão no sentido de valorizar e potencializar todo o trabalho da UFMG com a formação inicial e continuada de professores da educação básica", assegura.
Nesse cenário de trabalho colaborativo, a Pró-reitoria de Extensão (Proex) também tem exercido um papel crucial para a formação da Rede. A pró-reitora adjunta, professora Janice Henriques da Silva Amaral, destaca que a iniciativa ocorre em um momento oportuno, em que os cursos de Licenciatura da UFMG têm trabalhado propostas para implementar a Formação em Extensão Universitária. “Os últimos encontros foram uma excelente oportunidade para levantamento de ideias e discussão de ações futuras no que tange à desafiadora e necessária implementação da formação em extensão universitária e sobre o papel da extensão na formação continuada dos professores do município de Belo Horizonte e do estado de Minas Gerais”, comenta.
Convergência e abertura
A avaliação de António Nóvoa sobre a sua agenda na UFMG é bastante positiva. Segundo o especialista em formação de professores, foi possível perceber, nos três encontros, que há uma “grande convergência de pontos de vista” e uma “enorme abertura” para que o projeto possa caminhar, tanto internamente, na UFMG, quanto entre as demais instituições. “Não podemos ignorar que mais de 20% dos estudantes da UFMG são estudantes da licenciatura. Portanto, mais de um quinto dos estudantes estão sendo formados para atuar como professores. É muita gente, portanto, e a UFMG precisa se mobilizar também para dar resposta a essa questão relacionada ao volume de estudantes”, defende o educador.
“O segundo tempo, que é um tempo central, que foi a conversa com as secretarias de educação municipal e do estado, também foi imensamente positivo. Evidentemente, para que tenhamos algumas escolas conosco neste projeto, é preciso que elas sejam dotadas de certa autonomia, de certa flexibilidade e que estejam disponíveis para construir processos de inovação. Para isso, a participação desses agentes é absolutamente decisiva, e houve grande abertura, aceitação e vontade por parte desses órgãos de participar deste projeto”, conclui António Nóvoa.
A perspectiva agora, segundo Sandra Goulart, é iniciar, de fato, o desenho do projeto: “A proposta é que as instituições escolham algumas escolas para atuar e mobilizem os professores para construir práticas acadêmicas e didáticas diferentes e inovadoras. O diferencial desse projeto, em relação a outros, é que se trata de um projeto institucional. A UFMG tem liderado as discussões, mas todas as universidades e instituições estão envolvidas. Nosso objetivo é construir um projeto em parceria com as secretarias estaduais e municipais de educação, por meio da aproximação entre a universidade e a educação básica, com intercâmbio de profissionais, para que possamos aprender de forma conjunta como lidar com os desafios da educação básica e da escola pública no Brasil”, diz.