UFMG homenageia protagonistas na pesquisa sobre a covid-19
Agraciados são autores principais de artigos publicados nas revistas Nature, Science, PNAS e The Lancet e/ou citados mais de 100 vezes em dois anos
Nove professores da UFMG foram homenageados na tarde de quinta-feira, 3, por sua atuação que contribuiu para o protagonismo da Universidade no âmbito da pesquisa durante a pandemia da covid-19. Os pesquisadores são autores principais de artigos sobre a covid-19, que foram publicados nas principais revistas internacionais (Nature, Science, PNAS e The Lancet) e/ou citados mais de 100 vezes em dois anos. Em cerimônia realizada no auditório da Reitoria, eles receberam certificados, representando seus respectivos grupos de pesquisa.
Cinco dos agraciados são vinculados à Faculdade de Medicina: Ana Cristina Simões e Silva, Débora Marques de Miranda e Eduardo Araújo de Oliveira, do Departamento de Pediatria, Milena Soriano Marcolino, do Departamento de Clínica Médica, e o professor emérito Dirceu Bartolomeu Greco, atualmente vinculado ao Programa de Pós-graduação em Infectologia e Medicina Tropical. Do Instituto de Ciências Biológicas, são três os docentes homenageados: Renato Santana de Aguiar, do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução, Ricardo Tostes Gazzinelli, do Departamento de Bioquímica e Imunologia, e Marta Giovanetti, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Bioinformática. Completa a lista a professora Deborah Carvalho Malta, do Departamento de Enfermagem Materno-infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem.
Na abertura do evento, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida destacou a atuação de todos os pesquisadores da Universidade naquele que classificou como “um dos episódios mais traumáticos da história da humanidade, senão o mais traumático”. “Se conseguimos combater essa pandemia da forma que fizemos, só conseguimos por causa da ciência. Nós não podemos deixar de mencionar isso em um momento tão importante da vida nacional. Vamos começar em janeiro um novo governo, e isso é algo que nós temos que destacar sempre: sem ciência, não verás país nenhum”, afirmou, parafraseando o escritor Ignácio de Loyola Brandão.
Segundo a reitora, o evento, que integra as comemorações dos 95 anos da UFMG, foi pensado como um momento para enaltecer “o trabalho excepcional e exemplar” da comunidade da Universidade, em todas as áreas do conhecimento. “Este evento tem um recorte específico, com relação ao protagonismo no que se refere às publicações, mas nós temos também que agradecer a toda a nossa comunidade, em todas as frentes: educação científica, extensão universitária, atenção às comunidades mais vulneráveis, da área de ciências exatas, das ciências biológicas, das ciências humanas. Nós somos muito gratos a toda a nossa comunidade, que foi fundamental para que conseguíssemos chegar aonde chegamos”, destacou.
Na sequência, o pró-reitor de pesquisa da UFMG, Fernando Reis, enfatizou o esforço dos pesquisadores da Universidade “para entender melhor essa nova doença e essa epidemia, durante esses dois anos e meio”. Segundo ele, foi um esforço abrangente e de alto impacto, que garantiu o protagonismo da instituição no enfrentamento da covid-19: ao todo, foram realizados mais de 200 projetos de pesquisa, que produziram 730 artigos indexados em bases internacionais, que foram citados mais de 8,3 mil vezes.
“Os grupos de pesquisa da UFMG atuaram em frentes tão diversas como o desenvolvimento de vacinas em sete projetos – um dos quais acaba de entrar em testes clínicos –, testes de medicamentos, kits para diagnóstico, impactos ambientais, educacionais e demográficos da pandemia, abrangendo todas as unidades acadêmicas e inúmeros grupos de pesquisa aos quais nós somos muito gratos. A UFMG teve protagonismo em todas as áreas: na assistência, na liderança comunitária, na formulação de políticas públicas, e aqui vamos hoje tratar de um desses aspectos muito relevantes que é o da pesquisa original sobre essa doença”, destacou.
Após as homenagens, quatro dos pesquisadores homenageados, que coordenaram estudos e publicaram trabalhos de grande impacto sobre a covid-19, ministraram minipalestras sobre as pesquisas em diferentes áreas.
Assistência e tratamento
A professora Milena Marcolino apresentou um panorama das pesquisas realizadas no campo da assistência a pacientes e do tratamento dos sintomas da covid-19. Ela destacou soluções práticas como o serviço de telessaúde, base do MonitoraCovid (sistema de monitoramento de casos de covid-19 nos ambientes da UFMG) e a calculadora de risco de mortalidade para pacientes infectados pelo coronavírus.
“Nosso sistema de teleconsulta atendeu muitas pessoas da comunidade, e nós percebemos uma grande eficiência do serviço em evitar encaminhamentos desnecessários para os hospitais, diminuindo a sobrecarga dos serviços de urgência. Esse sistema de telessaúde teve um papel muito importante, não só aqui na UFMG e em Belo Horizonte, mas também em Teófilo Otoni e Divinópolis”, informou.
"A calculadora de risco de mortalidade é resultado de um estudo do qual eu me orgulho bastante. Por meio dela, com dados objetivos e amplamente disponíveis gerados durante a admissão dos pacientes com covid-19 nos hospitais, foi possível identificar aqueles com maior risco de morte. A calculadora permitiu que equipes identificassem as pessoas com maior necessidade de reavaliações mais frequentes e também contribuiu para decisões como a alocação de vagas em UTIs", explicou a pesquisadora.
Genômica viral do Sars-CoV-2
O virologista Renato Aguiar abordou a investigação da dispersão e da gravidade da covid-19, considerando as diferentes variantes dos vírus Sars-CoV-2. Segundo o professor, a estrutura consolidada da Rede Vírus, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), da qual a UFMG já participava, foi fundamental para o retorno imediato das pesquisas desenvolvidas desde o início da pandemia.
“Já tínhamos aprendido bastante com a genômica de vírus com os quais o Brasil sofre bastante, como os causadores da chikungunya e da dengue, e utilizamos essa mesma rede para dar uma resposta ao Sars-CoV-2”, contou o pesquisador.
O professor também destacou os resultados do Observatório de Vigilância Genômica (OViGen), que ofereceu suporte a diversas instâncias públicas, como prefeituras, e a entidades de pesquisa e saúde no enfrentamento das diferentes variantes da covid-19.
"Nosso trabalho também foi muito importante para identificar a variante Gama, associada ao aumento do número de casos graves e de óbitos em Manaus e que, depois, se espalhou por todo o país. O OViGen foi responsável pela maior quantidade de genomas sequenciados em Minas Gerais. Com isso, a gente conseguiu demonstrar a introdução da Gama no nosso estado e também em outras regiões do país e, dessa forma, coordenar, com diferentes grupos, as ações de enfrentamento", destacou Aguiar.
Epidemiologia: aprendizados e desigualdades
A professora Deborah Malta relatou aprendizados na área de epidemiologia no desenvolvimento de pesquisas sobre a covid-19 e abordou pesquisas comportamentais que possibilitaram compreender como a pandemia afetou a vida dos brasileiros. Segundo ela, as pesquisas em epidemiologia propiciaram constatar uma piora dos estilos de vida da população adulta e de adolescentes.
“Diminuiu a prática de atividade física e aumentou o tempo de exposição a telas, com um consequente aumento do sedentarismo. Isso, aliado a uma piora da alimentação, com aumento do consumo de ultraprocessados, elevou o risco para doenças crônicas e cardiovasculares”, avaliou.
De acordo com a pesquisadora, a epidemiologia foi essencial para que a comunidade científica e a população pudessem compreender a covid-19. Deborah Malta também destacou a importância dos epidemiologistas como fontes para os órgãos de comunicação, contribuindo para combater a desinformação sobre a doença.
“Algumas das nossas conclusões são que pessoas com doenças crônicas tiveram mais dificuldade de acesso ao serviço de saúde, interrompendo o tratamento, e que houve um aumento considerável de óbitos nos domicílios. Mas tudo isso foi muito seletivo: a pandemia atingiu de forma desigual as populações: pobres, negros, indígenas, moradores de áreas de risco e periferias foram muito mais afetados. A mortalidade foi muito mais intensa nas populações vulneráveis, tanto por covid-19 quanto por outras doenças crônicas. A pandemia exacerbou as desigualdades do abismo social que há no Brasil, e acredito que a epidemiologia ajudou a ampliar a visibilidade dessa desigualdade”, defendeu Deborah Malta.
Vacinas: caso Spin-Tec
No encerramento, o professor Ricardo Gazzinelli, pesquisador do CTVacinas, apresentou o histórico do centro de tecnologia e algumas pesquisas, com destaque para a SpiN-Tec, cujos ensaios clínicos foram autorizados pela Anvisa no início de outubro. O pesquisador explicou que grande parte das vacinas disponíveis hoje se baseiam na indução de anticorpos neutralizantes, capazes de bloquear a entrada do vírus nas células.
“Na época em que começamos a idealizar uma vacina, nós pensamos em fazer alguma coisa diferente, uma vez que já existem muitas vacinas que utilizam anticorpos neutralizantes. Foi uma ideia pouco usual, não ortodoxa. Hoje, com o conhecimento da variante ômicron, podemos pensar que foi uma decisão acertada, já que agora sabemos que as vacinas que estão disponíveis atualmente têm baixa efetividade contra a ômicron”, afirmou.
Segundo Gazzinelli, a ideia é que a SpiN-Tec seja utilizada como dose de reforço, para oferecer proteção contra as variantes do Sars-CoV-2. A principal diferença em relação às demais vacinas é que a SpiN-TEC atua na produção de anticorpos e no âmbito celular, induzindo resposta de linfócitos Ts, células com função imunológica e de resposta antiviral.