O desastre e seus (des)caminhos político-institucionais
A expansão dos chamados “projetos de desenvolvimento” tem sido responsável pela abertura de novas fronteiras minerárias no estado de Minas Gerais, o que, além de resultar na multiplicação dos conflitos sociais e no agravamento das iniquidades socioeconômicas, perpetua a primarização da economia, ou seja, a intensificação de investimentos extrativos primários visando à exportação. A tendência é que esse cenário se amplie, principalmente devido à flexibilização dos processos de licenciamento ambiental, evidenciada nas discussões sobre o Novo Código da Mineração proposto pelo Ministério das Minas e Energia, sobre o Projeto de Lei 654/2015, em tramitação no Senado Federal, e sobre a Lei 2.946/2015, aprovada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Nesse último caso, esvazia-se o potencial de participação da sociedade civil, em virtude da transferência do poder deliberativo no âmbito do Conselho de Política Ambiental do estado de Minas Gerais para um Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que deverá decidir sobre o licenciamento dos projetos considerados “prioritários” pelo Executivo.
A tendência é que esse cenário se amplie, principalmente devido à flexibilização dos processos de licenciamento ambiental
Nesse contexto, o desastre provocado pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), tem chamado a atenção não apenas pela gravidade e amplitude de suas consequências, mas pelo tratamento institucional a ele aplicado. A ocorrência de um dos maiores desastres socioambientais do mundo tem sido administrativamente tratada como um conflito socioambiental para o qual são dedicadas tecnologias diversas de prevenção das disputas, com ênfase em acordos provenientes da construção de pactos harmônicos entre partes potencialmente litigantes.
Entendemos que não se trata de um conflito socioambiental, mas de um desastre tecnológico, como define Joseph Segen. O gerenciamento da crise tem implicado, até o momento, a mobilização de dispositivos específicos, como mesas de negociação e a recente assinatura de um Termo de Acordo extrajudicial entre a União, os governos dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e as empresas responsáveis pelo rompimento da barragem de Fundão. Esses dispositivos são mobilizados sob a justificativa da necessidade de uma ação mais célere e eficaz, em vez da ênfase na punição por vias da judicialização das disputas associadas à responsabilização dos agentes corporativos e ao cumprimento das demandas apresentadas pelos grupos afetados. Contudo, a perspectiva da contratualização, tal como problematizada por Henri Acselrad, embora se faça sob a justificativa da celeridade e da eficiência no tratamento do caso, realiza-se, de fato, em detrimento dos espaços e das possibilidades de participação dos grupos afetados, entidades e movimentos sociais apoiadores, segmentos que não foram ouvidos ou consultados quando da elaboração do referido Termo de Acordo. Esse tratamento deixa evidente a fragilidade e a atual crise das instituições de defesa dos direitos, que sucumbem aos receituários das instituições financeiras internacionais – tais como o Banco Mundial –, que recomendam o uso de tecnologias resolutivas que circunscrevem o debate político ao ajuste de interesses entre as partes. Desse modo, trata-se de uma espécie de “harmonia coerciva”, conceito adotado por Laura Nader para avaliar a criação e utilização da ADR, ou Alternative Dispute Resolution (Resolução Alternativa de Disputa), como forma de controle cultural e como política de pacificação. Nessa lógica, escamoteia-se a discussão acerca do modelo de desenvolvimento adotado, dos riscos envolvidos nas atividades econômicas priorizadas e das responsabilidades dos agentes corporativos na profusão de incertezas, inseguranças e efetivos danos.
Sobressaem, assim, as limitações impostas pelas práticas políticas e institucionais que pretendem “mediar” e “resolver” os conflitos, pois, nos chamados espaços de mediação, encontram-se sujeitos sociais com posições marcadamente assimétricas no espaço social. Sob o manto do acordo, por vezes, operam injunções excludentes, cujo efeito é a flexibilização de direitos já garantidos pela Constituição Federal. A redução das possibilidades de participação enseja não só o agravamento das vulnerabilidades desencadeadas pelo desastre, mas a marginalização das mobilizações locais dos atingidos, cujas reivindicações se distanciam das esferas decisórias pactuantes. Com efeito, é preciso lembrar que os desastres não se limitam ao evento catastrófico, mas desdobram-se em processos duradouros de crise social frequentemente intensificada pelos encaminhamentos institucionais que lhe são dados.
*Pesquisadores do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta), da UFMG