Além do que os olhos podem ver
Curso no Centro de Microscopia da UFMG habilita peritos da polícia civil para uso de microscópio de última geração
Para extrair o máximo de informações do material analisado em um microscópio, um profissional precisa ter conhecimento técnico e operacional para lidar com esse tipo de equipamento. Esse é a habilidade que o Curso prático e teórico de microscopia eletrônica de varredura, que está sendo ministrado pela professora Karla Balzuweit, do Departamento de Física do Instituto de Ciências Exatas (Icex), pretende desenvolver.
No curso, seis peritos da Polícia Civil de Minas Gerais têm aulas às terças-feiras no Centro de Microscopia da UFMG, no campus Pampulha, para aprender a operar e extrair informações por meio de análises feitas em microscópios eletrônicos. “As pessoas estão acostumadas a assistir a programas sobre investigação policial, mas não sabem como é difícil o trabalho de análise de objetos e materiais por meio de microscópios”, diz Balzuweit.
A professora acrescenta que há uma série de técnicas de caracterização de análises que podem ser realizadas, mas a maioria dos departamentos de polícia ainda não está suficientemente aparelhada para executar esse trabalho. “Os peritos precisam estar preparados para extrair a informação que o equipamento é capaz de fornecer. Se você utiliza um equipamento complexo como um microscópio eletrônico, é necessário um treinamento para utilizá-lo. Em um microscópio eletrônico de varredura, é possível obter imagens da forma de objetos e identificar os elementos químicos que o compõem, numa escala que vai de alguns centímetros até poucos nanômetros”, explica.
O curso, com 60 horas, conta com aulas que abordam princípios físicos básicos, como mecânica ondulatória, óptica e mecânica quântica, reconhecimento de elementos do microscópio eletrônico de varredura, preparação de amostras, sequência de operações e formação e aquisição de imagens, além de espectroscopia de raio-X e difração de elétrons retroespalhados.
Karla Balzuweit destaca que os peritos estão sendo treinados para operar o equipamento, mas a precisão dos laudos vai além das análises microscópicas. “A importância desse curso é que há uma série de conceitos básicos de física que são a base da maioria desses equipamentos modernos de caracterização e que interferem na interpretação dos dados. Para operar esse tipo de microscópio, não basta apertar um botão, é necessário estudo para saber ajustar o microscópio e interpretar os resultados, preparando a máquina para encontrar respostas às perguntas que podem colaborar na elucidação de um crime”, diz.
Segundo o perito da Polícia Civil de Minas Gerais Rogério Araújo Lordeiro, o curso é importante para que os profissionais se sintam capazes de operar os novos equipamentos que devem ser adquiridos pela Polícia Civil. “Estamos entrando em contato com uma tecnologia de ponta que poderá nos auxiliar a compor provas de uma série de crimes. Como temos peritos de campo e de laboratório, aprender a operar o equipamento é essencial para fazer as melhores análises das provas técnicas colhidas e reuni-las em um inquérito policial”, afirma Lordeiro.
Microscopia na segurança pública
O curso de microscopia eletrônica integra as atividades do projeto Metrofor – uso de microscopia eletrônica e química analítica em áreas prioritárias com aplicação em segurança pública, coordenado pelo pesquisador Wanderley de Souza, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Com o objetivo de criar núcleos de pesquisas em microscopia, química e balística forense, o projeto envolve 11 instituições do Brasil na modernização de processos da área forense nas esferas das polícias civil e federal. “Pretendemos contribuir para a melhoria da área forense brasileira, envolvendo instituições de pesquisa, universidades e secretarias de segurança pública”, afirma Karla Balzuweit.
Pretendemos contribuir para a melhoria da área forense brasileira, envolvendo instituições de pesquisa, universidades e secretarias de segurança pública
Segundo a professora, existem poucas unidades do microscópio eletrônico nos departamentos de polícia do país. A Superintendência da Polícia Federal no Distrito Federal foi o primeiro órgão a adquirir o microscópio eletrônico para análises forenses, mas, segundo Karla, há um processo licitatório em andamento para que o equipamento seja adquirido para outras unidades.
Ela acrescenta que, também como parte das atividades do Metrofor, o grupo de pesquisadores do Centro de Microscopia está trabalhando na criação de uma rotina para automatizar resíduos de tiro no microscópio eletrônico, processo que vai melhorar as análises de provas obtidas nas mãos e roupas de suspeitos. Além disso, a equipe também está criando novas metodologias para que as análises ganhem precisão e resultem em provas criminais mais conclusivas.
“A maioria das espoletas possuem micropartículas (em tamanho micrométrico, ou seja, invisíveis a olho nu) e antimônio, chumbo e bário. Um soldador, por exemplo, tem resíduos de chumbo e antimônio em suas mãos, mesmo sem ter pegado em uma arma. Por meio de microscópio eletrônico, é possível fazer uma análise química e morfológica para eliminar os falsos positivos”, diz. Dessa forma, uma pessoa que trabalha com um material que deixa resíduo semelhante ao de uma arma poderá ser facilmente excluída do rol de suspeitos de um crime.