O Haiti é aqui
Parceria da Fale com centro de acompanhamento de migrantes viabiliza ensino de língua portuguesa para refugiados oriundos do país
A dificuldade de dominar a língua portuguesa é um dos principais entraves para a adaptação dos cerca de cinco mil refugiados haitianos que chegaram à Região Metropolitana de Belo Horizonte nos últimos anos. Para ajudá-los a vencer esse obstáculo, o Centro de Extensão da Faculdade de Letras (Fale), em parceria com o Centro Zanmi – Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados, desenvolve, desde o ano passado, o projeto Português para Estrangeiros em Regime Especial de Permanência.
“A maioria das empresas exige o Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros, e muitos dos imigrantes querem fazer o Enem, uma vez que suas habilitações acadêmicas estão defasadas em relação às atribuições designadas à profissão no Brasil”
Coordenada pela professora Maria Auxiliadora Leal, a iniciativa busca, de um lado, potencializar o estudo da língua portuguesa e qualificar os estrangeiros e, de outro, melhorar a formação acadêmica e ampliar a vivência dos bolsistas de extensão. “A maioria das empresas exige o Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras), e muitos dos imigrantes querem fazer o Enem, uma vez que suas habilitações acadêmicas estão defasadas em relação às atribuições designadas à profissão no Brasil”, explica.
A ação de extensão é acompanhada pelos bolsistas Bruna Amarante Cohen e Marco Aurélio Melo, alunos de licenciatura dupla em português-francês da Fale, também responsáveis pela elaboração de todo o material didático usado nas aulas. Segundo Bruna, são ministradas aulas para nove haitianos – até o ano passado também havia uma aluna síria. “Após um teste de nivelamento, os mais proficientes em português são assistidos pelo projeto, que é bastante concorrido. Só em abril, 160 imigrantes fizeram o exame para adquirir o Celpe-Bras”.
Lucas Hill é orientador pedagógico do Centro Zanmi, que recebe em média 70 alunos/mês e conta com cerca de 50 voluntários. Por ser o grupo imigrante majoritário na Grande BH (seguido por bolivianos, africanos e sírios), os haitianos são o principal público. “Começamos auxiliando com a burocracia dos documentos e os direitos trabalhistas, ampliamos para redes de parcerias com orientação jurídica, encaminhamento para serviços sociais, trabalho e enfoque nos Direitos Humanos”, explica Hill.
Outra ação de extensão da UFMG, também articulada com o Zanmi, é a Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Faculdade de Direito e Ciências do Estado. Alunos de graduação, orientados por professores, ministram aulas de direito do trabalho para a comunidade haitiana.
Duas visões
Essa atuação conjunta favorece a acolhida de imigrantes. É o caso de Fritz Pascal, 32 anos. Advogado, trabalha como carregador na Ceasa (Centrais de Abastecimento de Minas Gerais), desde que chegou ao Brasil, há um ano e quatro meses. “Meu pai é médico, minha mãe, professora, sou de uma família com recursos, mas, depois do terremoto que fez mais de 300 mil mortos e destruiu Porto Príncipe, perdi tudo, muita gente morreu. Aqui moro em Ribeirão das Neves, acordo às 2h15 da manhã para pegar serviço das 4h às 15h, de segunda a sábado. São quase 12 horas de trabalho, não se tem tempo para mais nada. Estou fazendo o esforço de estudar português para mudar minha vida”, revela.
Para Pascal, o mais difícil não é o peso das caixas de alimentos, mas o da discriminação. “Trabalho é liberdade, não devemos ter vergonha, mas tenho um curso superior, e as pessoas que trabalham comigo não acreditam. Todos os dias me chamam de burro e escravo e perguntam: você saiu de lá porque estava comendo pedra?. Lá tem carro? Tem moto? O Haiti é um país pobre, mas temos coisas. Aqui no Brasil não me sinto muito bem”, desabafa.
“Considero BH outra cultura, totalmente diferente da minha, as pessoas reagem de maneira diferente, mas os brasileiros são hospitaleiros, minha adaptação está sendo tranquila, e o Brasil tem sido acolhedor”
Situação mais favorável é vivenciada pelo haitiano Clones Estimante, de 26 anos, que veio estudar por recomendação do primo. Formado em Ciência da Educação, chegou ao Brasil há um ano e três meses e, além de frequentar as aulas de português, ganha a vida dando aulas particulares de francês em uma escola de idiomas em Betim. Seu objetivo é trabalhar no Reino Unido como intérprete de línguas. “A língua não é um problema, pois gosto e quero trabalhar com isso”, diz. “Comecei a estudar sozinho ouvindo rádio e vendo TV, percebendo algumas semelhanças de palavras, que variavam apenas nas terminações como possibilidade/possibilité e comunicação/communication.”
Em situação regular em Belo Horizonte, Clones tem uma visão positiva. “Considero BH outra cultura, totalmente diferente da minha, as pessoas reagem de maneira diferente, mas os brasileiros são hospitaleiros, minha adaptação está sendo tranquila, e o Brasil tem sido acolhedor”, pondera.
(Lucas Senra - Estudante de jornalismo da Fafich)