20 anos, volver
PEC 241 põe em risco continuidade dos avanços alcançados pelas universidades nos últimos anos
Uma transformação marcou o sistema federal de ensino nos últimos dez anos, evidenciada, na UFMG, pelo aumento expressivo do número de alunos, incluindo, sobretudo, estudantes oriundos de estratos socieconômicos desfavorecidos, avanços nos indicadores de qualidade da graduação e pós-graduação, melhoria das condições de oferta de cursos, ampliação de projetos de extensão e fortalecimento da pesquisa. Esses avanços estão ameaçados pela PEC 241, proposta de emenda constitucional que reduz a evolução do aporte de recursos que possibilitou a expansão e fortalecimento do sistema federal de ensino superior e que terá “efeitos desastrosos”, segundo manifestação do Conselho Universitário da UFMG.
De 2007 a 2016, o número de vagas abertas nos processos seletivos da graduação da UFMG aumentou 44%, e o de alunos subiu 37% no mesmo período. Nos últimos nove anos, o número de cursos ofertados pela instituição saltou de 48 para 77. No mesmo período, a proporção de alunos matriculados em cursos noturnos aumentou de 19% para 33,2% do total de matrículas, atendendo principalmente estudantes que necessitam trabalhar ao mesmo tempo que se dedicam a uma formação acadêmica.
Essa expansão só foi possível graças ao crescente e continuado aporte de recursos que a UFMG recebeu na última década por meio de iniciativas como o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). “Estamos falando de um forte movimento de inclusão, de acolhida na universidade de populações antes afastadas do ensino superior público em razão da necessidade de ingressar no mercado de trabalho. Foi uma grande conquista da sociedade”, avalia o reitor Jaime Ramírez.
Crescimento semelhante também ocorreu nas matrículas da pós-graduação. O número de alunos em programas de mestrado e doutorado subiu de 6.304, em 2007, para 9.323, em 2015, crescimento de 47,8%. A oferta de cursos de mestrado e doutorado, por sua vez, passou de 117, em 2007, para 146, em 2016 [dado de janeiro até setembro].
A ampliação quantitativa foi acompanhada pela evolução qualitativa do ensino de graduação e pós-graduação da UFMG, como atestam os principais indicadores oficiais de avaliação. É o caso do Índice Geral de Cursos (IGC), divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia vinculada ao MEC. O índice faz uma avaliação global dos cursos das instituições de ensino superior. A UFMG tem recebido nota máxima (5) desde que o indicador foi instituído, em 2007, e se posiciona entre as cinco melhores universidades do país em todas as edições do Exame Nacional de Desempenho (Enade) em que o IGC foi calculado.
Na área de pós-graduação, a principal medida do desempenho da UFMG é a evolução no processo de avaliação trienal da Capes. Em 2007, 22% dos seus cursos obtiveram conceitos 6 ou 7 – de padrão internacional –, índice que subiu para 32%, em 2010, e alcançou 45,7% na última avaliação, realizada em 2013.
O campo da pesquisa, tecnologia e inovação também se beneficiou dessa expansão. A UFMG publica hoje praticamente o dobro de papers que produzia há dez anos – 2880 artigos, em 2005, frente aos 5009, em 2015. Nos últimos dez anos, a Universidade depositou cinco vezes mais patentes do que em toda sua história pregressa – 160 patentes, em 2005, frente às 747 de 2015 – e licenciou para o setor privado dez vezes mais tecnologias do que em todos os anos anteriores. Foram nove licenciamentos até 2005 frente aos 84 registrados até 2015.
Ameaça
A continuidade desses avanços está ameaçada pela PEC do Teto dos Gastos Públicos (Proposta de Emenda à Constituição 241/16), aprovada em primeiro turno no último dia 10 e que deve ser votada em segundo turno nesta segunda-feira, 24. A medida, que tem o objetivo de criar um “novo regime fiscal”, alcança os três poderes e órgãos federais que integram o orçamento fiscal e da seguridade social, estabelecendo que, a cada ano, a despesa primária da União (que inclui gastos com pessoal, custeio e investimento) não poderá superar a do ano anterior corrigida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou por outro índice que poderá substituí-lo.
Além de não resolver o problema relacionado aos gastos com o pagamento de juros da dívida pública, a PEC 241 também altera a regra que vincula o valor mínimo das despesas com educação e saúde ao crescimento da receita do governo. Isso significa que, na melhor das hipóteses, as despesas do governo federal crescerão apenas no ritmo da inflação medida pelo IPCA, ficando congeladas em termos reais ao longo dos 20 anos em que a proposta vigorar.
Em nota, o Conselho Universitário reconhece a necessidade de preservar o equilíbrio das finanças públicas e observa que a oposição à PEC 241 não deve ser confundida com uma atitude de irresponsabilidade em relação ao momento que o país vive. A retomada do crescimento econômico é imprescindível para garantir a melhoria de vida da maioria dos brasileiros e a redução das desigualdades sociais. No entanto, a PEC 241, como foi concebida, trará consequências devastadoras para a educação, a ciência e outras áreas de relevância social, como a saúde.
“Ao estabelecer que, qualquer que seja o crescimento da economia e das receitas fiscais, as despesas primárias ficarão limitadas à correção pela inflação, a proposta propõe corte linear que compromete a possibilidade de crescimento dos investimentos em todas as áreas, em especial as sociais, privilegiando, assim, o pagamento dos juros da dívida pública”, prevê o reitor Jaime Arturo Ramírez.
O projeto de emenda apresentado pelo governo federal modifica também o artigo 212 da Constituição Federal, que garante, como política de Estado, os recursos públicos para educação. O texto diz que “a União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”.
Simulação
Os impactos da PEC 241 sobre o orçamento da UFMG foram evidenciados pela Pró-reitoria de Planejamento e Desenvolvimento (Proplan) em uma simulação retroativa que compreende o período de 2006 a 2015. O levantamento ilustra o que teria acontecido com as despesas de custeio e os investimentos da UFMG nesse intervalo de dez anos se as regras da PEC 241 já estivessem em vigor e compara os valores da simulação com os que efetivamente foram praticados.
Segundo o pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento, Hugo da Gama Cerqueira, os valores nominais das despesas executadas pela UFMG no período saltaram de R$ 63,7 milhões, em 2006, para R$192,6 milhões, em 2015. Em 2013, alcançaram o teto de
R$ 250,3 milhões. A redução verificada em 2014 e 2015 explica-se pelo contingenciamento imposto pelo governo federal nesses anos.
“No primeiro ano da série, 2006, não haveria perdas, mas já em 2007 a Universidade teria sido impedida de aplicar recursos em custeio e realizar investimentos no valor de R$ 19,8 milhões. Essa diferença cresceria nos anos seguintes, chegando a R$ 159,8 milhões, em 2013, e a R$ 90,6 milhões, em 2015”, explica Hugo Cerqueira. Ao fim da série, as perdas orçamentárias da UFMG totalizariam R$ 774 milhões, cerca de quatro vezes o valor do orçamento de 2015.
Efeito devastador
A eventual entrada em vigor da PEC 241 não ameaça apenas a continuidade do aprimoramento do sistema federal de ensino superior, mas põe em xeque os avanços conquistados. A implantação da infraestrutura do Reuni, por exemplo, ainda não foi concluída. Obras de expansão física da UFMG estão paralisadas em razão do contingenciamento de recursos determinado nos dois últimos anos, e esse cenário se agravará com a entrada em vigor da PEC 241.
“Novos cursos foram criados, mas, para que a estrutura seja concluída, a Universidade precisa continuar recebendo, além dos recursos de manutenção, os aportes para o investimento e a conclusão dessas obras, fundamentais para assegurar a qualidade da Instituição”, defende o reitor Jaime Ramírez.
As obras interrompidas são o Centro de Atividades Didáticas III, os anexos da Faculdade de Educação, do Departamento de Química (3A) e das escolas de Música e de Belas-Artes, o Centro de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT) e a Unidade
Administrativa 5, no campus Pampulha. Em Montes Claros, estão paralisadas as obras do segundo pavimento do Centro de Pesquisa em Ciências Agrárias (CPCA) e a ala administrativa do Centro de Atividades Administrativas e Didáticas (CAAD).
Outras áreas que deverão ser afetadas pelos limites impostos pela PEC 241 são as de extensão e de pesquisa. “No caso desta última, o efeito não será sentido agora, mas num futuro próximo, e tende a ser devastador para a produção científica”, avalia o reitor Jaime Ramírez.
Na avaliação da vice-reitora Sandra Goulart Almeida, uma das áreas mais sensíveis aos cortes impostos pela PEC 241 é a de assistência estudantil, que recebeu forte impulso nos últimos anos graças ao Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). Ela lembra que, por determinação da Lei de Cotas, metade dos estudantes que a UFMG recebe hoje é proveniente de escolas públicas ou pertence a grupos sociais que necessitam de suporte financeiro. Esse número tende a aumentar nos próximos anos, já que a UFMG somente atingiu o limite de 50% de alunos provenientes da Lei de Cotas em 2016.
Criado em 2008, o Pnaes tem o objetivo de apoiar a permanência em cursos de graduação presenciais dos estudantes de baixa renda matriculados nas universidades federais. Até 2007, não havia recursos exclusivos no orçamento para despesas com bolsas de assistência, manutenção das moradias universitárias e subsídio da alimentação para alunos que demandam esse tipo de auxílio. Mais de 10 mil estudantes de graduação são beneficiados com algum tipo de auxílio de assistência estudantil.
De 2008 a 2015, os valores aportados na UFMG pelo Pnaes aumentaram de R$ 6,6 milhões para R$ 37,7 milhões, crescimento nominal de 412% dos recursos executados e de 236% em termos reais, descontada a inflação do período. “Entretanto, os contingenciamentos dos últimos dois anos já reduziram o valor real dos recursos do Pnaes justamente no momento em que a demanda por assistência cresceu em razão da crise econômica, que afetou fortemente os estudantes, e do ingresso de um número superior de alunos oriundos de famílias de baixa renda”, analisa Sandra Goulart Almeida.
A vice-reitora acrescenta que o processo de inclusão ocorrido nos últimos anos está longe de se completar, e “uma medida como a PEC 241 pode pôr a perder todo o esforço feito até o momento e dificultar a permanência dos estudantes na instituição, resultando em evasão”.