Gringo na balada
Editora UFMG publica coletânea com relatos de estrangeiros que visitaram Minas Gerais no século 19. Entre uma pesquisa e outra, os viajantes participaram de festas e escreveram sobre elas
Na história da humanidade, há uma particular ligação entre escrita e viagem. A experiência da terra estrangeira, em razão do contato com a alteridade que proporciona, parece ter fomentado, ao longo da história, o ímpeto da escrita: registramos a experiência como forma de apreender o novo; tentamos, por meio desse registro, dar conta daquilo que de início nos escapa à compreensão.
Sob a coordenação de Léa Freitas Perez, professora do Departamento de Sociologia da Fafich, os pesquisadores Ana Paula Lessa Belone, Marcos da Costa Martins e Rafael Barros Gomes coligiram relatos de viajantes estrangeiros sobre as suas experiências em Minas Gerais, no decorrer do século 19, com foco nas percepções que tiveram sobre os momentos festivos com os quais depararam ao longo de suas itinerâncias pelo território mineiro. “Fomos motivados pela total ausência, na literatura sobre os viajantes, de uma visada sobre a festa”, escrevem Marcos e Ana Paula na apresentação do volume. “Existem estudos sobre como os viajantes observaram os vários aspectos da sociedade e da vida entre nós – por exemplo, a escravidão e as mulheres –, mas havia um silêncio no que tange aos aspectos festivos.”
Intitulado Festas & viajantes em Minas Gerais no século XIX: compêndio de citações, o livro tem acabamento luxuoso com capa dura e título em relevo. Cada viajante é apresentado por meio de breve biografia, acrescida da lista de suas obras de onde foram extraídas as citações. Em seguida, elas são organizadas por obra, o que possibilita que o livro seja consultado conforme o interesse do leitor, dispensando a linearidade em sua leitura.
Império das festas
Os organizadores do volume explicam que, naquela época, as viagens tinham teor, sobretudo, científico. Paralelamente, vivia-se, em Minas Gerais, uma espécie de “império das festas”. Segundo os pesquisadores, “o trabalho de análise da literatura de viagem seguiu nos moldes de uma arqueologia e de uma cartografia, trazendo à tona, em meio às múltiplas camadas de descrições a respeito da geografia local, da diversidade biológica e dos recursos minerais, o rico calendário festivo que engendrava essa sociedade”.
Para a composição do volume, foram analisadas 21 obras de 17 viajantes estrangeiros de diferentes nacionalidades, que passaram por Minas Gerais em algum momento do século 19 – entre eles, o célebre naturalista e botânico francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853). Seus relatos, produzidos em diferentes momentos dos seis anos vividos no Brasil, a partir de 1816, combinam o clássico diário de campo com reflexões pessoais e pesquisa histórica (leia trecho no fim da reportagem).
Os organizadores classificaram as festas com base na percepção dos viajantes, totalizando 10 modalidades: religiosas (missas, procissões, romarias, cavalhadas e celebrações), cívicas (celebrações ao poder político constituído), públicas (carnaval e ano-novo), domésticas (batizados, casamentos e jantares), negras (alforria, coroação, entre outras), indígenas (colheitas, danças e funerais), divertimentos públicos (jogos, teatro e fandangos), divertimentos domésticos (bailes, saraus e almoços), hospitalidade (eventos de acolhimento, gentileza, polidez e despedida) e suspensão do trabalho (lazer, dia de descanso e momento de liberdade para os negros).
Em Ouro Branco
“Era dia de festa, e os habitantes da vizinhança se dirigiam em grande número para a igreja. Todos estavam vestidos com limpeza: as mulheres traziam vestidos brancos, uma espécie de jaquetão de pano e um chapéu de feltro, mas as pernas e pés estavam nus. Quase todos os que encontrávamos, homens e mulheres, brancos e gente de cor, tinham um grande bócio, e, nesse local assim como nos vales da Europa em que essa enfermidade é comum, se atribui à frialdade das águas.”
Livro: Festas & viajantes em Minas Gerais no século XIX: compêndio de citações
Coordenação: Léa Freitas Perez
Organização: Ana Paula Lessa Belone, Marcos da Costa Martins e Rafael Barros Gomes
Editora UFMG
286 páginas / R$ 60