Elogio da alteridade
Festival de Inverno alcança sua 50ª edição focado na construção de novas possibilidades de existência comum
Com o tema coExistência – um dois nós, o 50° Festival de Inverno da UFMG será realizado neste mês, de 20 a 28, em diferentes espaços da UFMG em Belo Horizonte. A temática escolhida põe em cena a construção conjunta de novas possibilidades de existência comum e chama atenção para três tipos de conexões presentes na vida cotidiana: com a nossa vida interior, com os nossos semelhantes e com o mundo.
“O momento é de pensarmos o nosso coexistir, o existir junto, e de fazermos a reflexão sobre como concretizar essa convivência da diversidade, da pluralidade, num espaço comum, que é o espaço da nossa cidade e da Universidade”, afirma a reitora Sandra Goulart Almeida. “Pensar essa coexistência, – por meio das artes – é muito importante para nós”, afirma.
Para o professor Rodrigo Vivas, diretor de Ação Cultural da UFMG, a temática da coexistência representa um libelo contra as dicotomias, a polaridade e o maniqueísmo. “Nosso maior desafio, hoje, é o de nos relacionarmos com o outro, nos contaminar com o outro, ocuparmos o mesmo espaço da diferença. Em alguma medida, perdemos a capacidade de escuta”, diz o diretor, citando as redes sociais como ambientes onde “não existe diálogo e efetiva coexistência”. Nesse sentido, essa temática visa justamente pôr em cena o desejo de se encontrar possibilidades de sobreposições e de contaminações que trabalhem na contramão desse quadro.
Imersão e convivência
Com foco nessa existência em comum, o Festival deste ano contará com oito residências artísticas, modalidade já experimentada em edições do passado e retomada em 2017. Para os organizadores, desde que o Festival voltou a ser realizado em Belo Horizonte, em 2014, esse tipo de atividade revelou-se o experimento mais bem-sucedido do evento, em razão do tempo de imersão e da convivência que proporciona aos participantes. “Em cidades menores, como Ouro Preto e Diamantina, as pessoas estão sempre em contato, andando pelas ruas, encontrando-se nas praças. Quando o Festival veio para Belo Horizonte, a cidade de certa forma o engoliu. O objetivo das residências é colaborar para que, mesmo na capital, a imersão possa ocorrer”, explica o professor Mauro Rodrigues, diretor artístico do Festival de Inverno.
Rodrigues entende que as residências artísticas, em razão de sua carga horária e período integral, são o modelo de atividade mais apropriado para os interesses e as condições atuais de realização do evento. “Buscamos aprofundar esse aspecto de imersão e convivência, e as residências possibilitam isso. Elas são como um ritual de passagem. A ideia é efetivamente oferecer condições para que as pessoas suspendam a pressão de sua mecanicidade, criando assim um espaço liminar de transformação para que, ao voltarem às suas vidas cotidianas, possam alcançá-las como sujeitos mais capazes de confrontar as forças do automatismo”, afirma Rodrigues. Em razão da potência de fomentar “pós-liminaridades”, a atividade foi escolhida como eixo organizador da edição deste ano. As residências serão realizadas nas escolas de Música e de Belas Artes.
Estão programadas residências sobre música, sonorização, captação de sons, comunicação, cinema, artes gerais, teatro e dança [leia sobre cada residência ao fim desta reportagem]. Cada uma terá carga horária de 56 horas durante oito dias. “Nosso interesse é fazer as residências dialogarem, avançando na questão da interdisciplinaridade e vislumbrando a transdisciplinaridade. O que buscamos, basicamente, é a coexistência harmoniosa. Esse diálogo ocorre, por exemplo, nas residências ministradas por Cao Guimarães e pelo grupo O Grivo, que vão relacionar som, cinema e artes plásticas, assim como nas atividades conduzidas por Francisco Valdean e Fernando Braga Campos, que vão tratar dialogicamente da produção de conteúdos comunicativos e da captação e processamento de sons”, afirma Mauro Rodrigues.
Música e cidade
Uma novidade desta edição é a jornada de estudos À escuta de mundos possíveis: música, cenas, territórios, que vai promover reflexões sobre a relação entre a música e a cidade. A jornada será realizada no Conservatório, no dia 21, sob a coordenação de Lúcia Campos, professora da Escola de Música da Uemg e pós-doutoranda da Escola de Música da UFMG. O evento contará com mesas-redondas, painéis temáticos e exibição de documentário.
Quatro oficinas estão programadas para esta edição: duas para crianças, uma para jovens e uma para a terceira idade. Elas serão ministradas no Centro Pedagógico, na Escola de Música e na Escola de Belas Artes, respectivamente. As conferências serão realizadas no Conservatório e trarão à UFMG a atriz, diretora e dramaturga Grace Passô, a diretora do grupo Oficcina Multimédia, Ione de Medeiros, o músico, compositor e ensaísta José Miguel Wisnik e o artista plástico e ensaísta Nuno Ramos.
No plano artístico-cultural, o evento contará com shows musicais, espetáculos teatrais e performances, além de concerto do Ars Nova-Coral da UFMG e de um show de samba da cantora e compositora Aline Calixto, que comandará a festa de encerramento. Outro destaque da programação é a exposição Clébio Maduro: obra gráfica, que será montada no saguão da Reitoria. Com abertura programada para dia 20, às 18h, a mostra reunirá 97 obras do professor da Escola de Belas Artes e considerado um dos mais importantes nomes da gravura no Brasil.
A programação do Festival de Inverno da UFMG é gratuita e pode ser conferida no site. Algumas atividades, contudo, exigem inscrição prévia, que também pode ser feita pela internet. Além da direção geral de Rodrigo Vivas e artística de Mauro Rodrigues, a programação foi concebida sob a curadoria de Heloisa Faria Braga Feichas, Mário Alex Rosa e Patrícia Gomes de Azevedo.
As oito residências
Ateliê de música – Interdisciplinaridade com dança, com Benjamim Taubkin
Com foco na composição coletiva, estímulos vindos da dança servirão para ampliar a percepção dos músicos sobre as suas próprias criações.
Mover e som, com Dudude Herrmann
Entre a residência, a convivência e o compartilhamento, os residentes vão investir na improvisação como recurso para estabelecer diálogos entre música e dança.
Sons do Festival, com Fernando Braga Campos [Bozo]
Das entrevistas à criação de paisagens sonoras, os participantes vão receber lições sobre captação e processamento de sons (captação geral e em gravadores portáteis) e sobre montagem de sons em software multipista.
Laboratório de ComunicaAção: relatos sobre o 50º Festival de Inverno da UFMG, com Francisco Valdean
Residência inspirada no projeto Imagens do Povo/Observatório de Favelas, do Rio de Janeiro, a atividade vai possibilitar a produção de conteúdos – fotografia, vídeo e texto – para veiculação no site e nas redes sociais do Festival.
Som e improvisação: limites e interseções, com grupo musical experimental O Grivo
Residentes vão pesquisar maneiras de produzir, amplificar e transformar sons via recursos eletrônicos. Na atividade, será criado e montado um pequeno conjunto de improvisações musicais por meio do diálogo entre o som, a música e as narrativas visuais.
Ver é uma fábula, com Cao Guimarães
Cao Guimarães vai apresentar panorama de sua produção cinematográfica e propor exercícios sobre narrativas e poéticas visuais, com foco na relação entre imagem e som, explorando a interface de cinema e artes plásticas.
Processos de criação & Pesquisa de materiais, com Jorge Fonseca
Por meio de exercícios teóricos e práticos, os participantes vão desenvolver aspectos como inteligência visual, criatividade, conhecimento, percepção, sensibilidade e repertório cultural.
Memórias inventadas: um laboratório teatral sobre a improvisação estruturada, a partir de textos de Manoel de Barros, com François Kahn
O ator, diretor, dramaturgo e pedagogo teatral vai propor a composição de cenas individuais e coletivas, com base na improvisação de lembranças pessoais.