A crise desmata
Em artigo, pesquisadores da UFMG mostram que má governança ambiental põe em risco a contribuição brasileira para o Acordo de Paris
Sétimo maior emissor mundial de gases de efeito estufa (GEE), o Brasil tem dado apoio político a práticas agrícolas predatórias, o que pode impossibilitar o cumprimento de metas compatíveis com a contribuição do país para cumprir o objetivo estabelecido no acordo climático de Paris. O alerta está em artigo publicado em julho, na revista Nature Climate Change, por pesquisadores da UFMG, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade de Brasília (UnB).
Um dos autores do trabalho, o professor Raoni Rajão, do Departamento de Engenharia de Produção da UFMG, explica que, historicamente, a dinâmica do desmatamento no país tem sido moldada não apenas por ações administrativas concretas, mas também pelos sinais enviados pelo governo, que podem, direta ou indiretamente, incentivar os agentes econômicos a decidir se desmatam ilegalmente ou não.
Rajão comenta que, em alguns setores, estabeleceu-se a certeza de que basta pressionar para que o presidente assine decretos que desprotegem uma reserva de cobre ou uma grande unidade de conservação, por exemplo, o que “dá uma sensação de poder a quem está desmatando, e isso vai ser traduzido em desmatamento”. Assim, mesmo com a manutenção e o aprimoramento das políticas de controle do desmatamento, existe o risco de que a perda das florestas continue se acelerando nos próximos anos.
O arranjo institucional também pode ser afetado pelo grau de cooperação com o regime internacional sobre mudança climática. Firmado por 195 países no fim de 2015, com efeito a partir de outubro de 2016, o Acordo de Paris da Convenção Climática definiu o compromisso de manter o aumento da temperatura média global em menos de 2°C com relação aos níveis pré-industriais. “Um dos conceitos de fundo que quisemos explicitar é que o orçamento climático, ou seja, aquilo que cada país pode emitir é um bolo limitado de recursos”, comenta o professor, que compõe com a pesquisadora Juliana Davis a equipe da UFMG liderada pelo professor Britaldo Soares-Filho.
Por meio de modelos de avaliação integrados, desenvolvidos especificamente para o Brasil, os autores do artigo desenham três cenários de emissão de dióxido de carbono (CO2) e estimam o esforço necessário em outros setores da economia para compensar o enfraquecimento da governança ambiental que resulta potencialmente em maiores taxas de desmatamento.
Uma das intenções, segundo o professor, é enfatizar a noção de orçamento de carbono, recurso limitado que precisa ser usado por todos os setores da economia “da maneira mais inteligente possível, para promover o máximo de crescimento”. O orçamento fixo de carbono que o Brasil pode emitir, de 2010 a 2050, é de 24 gigatoneladas (GtCO2). “Dependendo do cenário de governança ambiental, sobrariam apenas 0,9 GtCO2 para todos os outros setores. E, para respeitar a meta mundial de 2°C, o Brasil terá de comprar créditos de carbono de outros países, porque não tem tecnologia suficientemente desenvolvida para que os outros setores emitam tão pouco”, pondera Raoni Rajão. Em sua opinião, o setor produtivo precisa estar atento a essa realidade e “começar a ter um diálogo interno mais articulado, para racionalizar a forma como cada um está emitindo GEE”.
Os autores do artigo dividiram a governança ambiental no Brasil em três grandes períodos: pré-2005, em que era muito precária e com altas taxas de desmatamento; 2005 a 2011, com resultados efetivos na redução do desmatamento; 2012 a 2017, em que a governança sofreu erosão gradual, com a grande anistia concedida a desmatadores ilegais, na revisão do Código Florestal, e agravada pela crise política. “Por esses motivos, mesmo que tenham sido aprimoradas, as políticas de controle não conseguiram impedir o aumento no desmatamento, de 2012 a 2017”, explica Rajão.
Cenários
Com base nos dados observados no passado recente, foram definidos três cenários. O melhor seria aquele com queda do desmatamento, devido a um reforço na capacidade do governo e à sinalização política de que isso não será tolerado. O pior cenário seria o de abandono completo das políticas de controle. “Entendemos como tendencial o cenário intermediário, que é a realidade atual, com retomada do desmatamento. Mesmo com a manutenção das políticas de proteção, há uma crescente sinalização pró-desmatamento”, pondera o professor.
No pior cenário, mantida a tendência de desmatamento e de barganhas políticas, será preciso investir de dois a cinco trilhões de dólares para alcançar a meta de Paris. “Para produzir a energia para consumo doméstico, não bastará uma tecnologia intermediária, como a queima de biocombustível, ou uma termelétrica. Será preciso comprar tecnologia de ponta, caríssima, para gerar energia, por exemplo, enterrando as emissões debaixo da terra, o que hoje é inviável do ponto de vista comercial”, exemplifica. Segundo Rajão, a própria indústria terá de pagar uma taxa de carbono altíssima para se modernizar, talvez até mesmo prematuramente. Por isso, alerta o pesquisador, a preocupação com as emissões não deve ser exclusivamente dos ambientalistas.
(Versão ampliada desta matéria foi publicada no Portal UFMG, em 11/7/2018)