O intelectual midiático
Não é de hoje que os intelectuais passaram a exercer uma função midiática que extrapola as antigas aparições públicas, nas quais a fala do acadêmico se apresentava como um diferenciador no âmbito do debate público. Entre a tagarelice das opiniões de pouca solidez, porém repetidas como se certezas fossem, a figura do conhecedor, do estudioso, ou mesmo do especialista surgia como um tipo de freio às vulgarizações e distorções do cotidiano. Nos últimos anos, contudo, a diferença explícita entre o conhecimento e a simples informação, entre o papel do intelectual e a função midiática não só diminuiu, como se tornou quase nula. Nesse contexto, não demoraria muito para que o ambiente universitário (ainda considerado por muitos acadêmicos um campo “afastado” e “superior” à realidade externa) também fosse absorvido pela “sociedade do espetáculo”. Eis que surge uma nova figura no status quo pós-moderno: o “intelectual midiático”.
Não surpreende, portanto, se as tecnologias informáticas, eletrônicas e cibernéticas, dominadas por gigantescos conglomerados internacionais, tomam conta de todas as esferas da vida humana, atraindo muitos intelectuais a seu serviço. Assim, hoje, para a sua formação, o intelectual é compelido a tornar-se especialista da imagem, do som, dos jogos de linguagem, das virtualidades eletrônicas. No mundo das sensações, das modas e dos rápidos contágios massificados, é fundamental que se aprenda, acima de tudo, a manejar a arte da aparência. Por isso, chega-se a falar no fim do intelectual político-pedagógico vinculado à escrita, à escola, ao partido, às organizações populares. O que se celebra agora é o advento da inteligência na “videoesfera”, no simbolismo e nas criações instantâneas, nos “spots” comerciais e nos condensados e efêmeros “insights” em tela. O intelectual “clássico”, cultor da razão e da cosmovisão, da paciência histórica e da pedagogia política popular, é suplantado pela “inteligência emocional” e pelos recursos tecnológicos. O objetivo da “videoesfera” não é a educação – “ranço iluminista!” –, mas o entretenimento e a sedução.
Com o intuito de atribuir um padrão supostamente “científico” à grade de programação, muitos veículos de comunicação convidam os “intelectuais midiáticos” a legitimar suas posições controversas que, não raro, são fomentadas por visões racistas, classistas, misóginas ou pró-imperialistas. Sendo assim, em troca de visibilidade midiática, ou mesmo por pura vaidade, indivíduos que deveriam contribuir para a difusão do conhecimento transformam-se em meras correias de transmissão para o que há de mais nefasto e conservador no pensamento brasileiro. Lastimável contrassenso.
Para ser um “intelectual midiático”, não é necessário ser reconhecido pelos seus pares ou tampouco possuir uma obra acadêmica contundente e profícua. Além de apresentar a já citada desenvoltura diante das câmeras, o aspirante a “intelectual midiático” tem de seguir ao menos três regras básicas: ser dono de um discurso totalmente condizente com o pensamento conservador da mídia hegemônica, ter a hercúlea capacidade de simplificar questões demasiadamente complexas para o grande público e opinar frequentemente sobre qualquer coisa, não importando qual seja o assunto em pauta.
À esteira do pensamento expresso por Othon M. Garcia, em Comunicação em prosa moderna (1967), pode-se dizer que o intelectual homologado faz da linguagem, oral ou escrita, um veículo de escamoteação de ideias e não de comunicação clara, objetiva e coerente. Nesse sentido, prefere-se o fundamentalismo ideológico à radicalidade argumentativa. A ofensa entra em campo no lugar da crítica. O debate perde espaço para o combate. A arte da desconversa se consagra como estilo preponderante de quem só busca comparsas ideológicos, favorecendo, assim, a propagação do consenso artificial transmitido unilateralmente e, portanto, avesso aos mecanismos saudáveis da divergência, da relativização e da pluralidade existentes no mundo do livre pensar.
Adverte o psicólogo Yuri Amaral que, aos borbotões, verifica-se a predominância do stand-up epistemológico como artifício discursivo perigoso. Ou seja, um espetáculo de humor reacionário vem tomando conta da performance vazia de pensadores que atuam exclusivamente para impressionar a plateia com frases de efeito e desenvoltura cordial-carismática. Os “intelectuais homologados” – feliz expressão de Marilena Chauí – preferem tocar os clarins da fama a desafinar o coro dos contentes. Logo, a celebridade intelectual se comporta como reis em pele de bobos da corte. Atuam desse modo, como farsantes que fabricam falsa moeda reflexiva para garantir seu triunfo sobre o mercado da convicção. Eles representam exatamente o oposto do modelo do intelectual da esfera pública, aquele dedicado a grandes temas de interesse nacional e popular, com abordagem alternativa e com linguagem acessível a todos.
Os intelectuais midiáticos espalham elegância oca, afetação retórica, exuberância léxica, fraseado bonito, enfim, todos os requintes estilísticos preciosistas e estéreis que mais falseiam a expressão das ideias do que contribuem para a sua fidedignidade. Deixam de lado a clareza, a precisão de ideias e a coerência para investir todas as suas fichas reflexivas no desempenho enfático: de afirmação em afirmação bombástica, o “intelectual-trator” se mostra escravizado pelo calor das horas para destilar seus sofismas combativos como se fossem pensamentos agudos. Costuma pintar também na arena do pensamento dos nossos tempos o fetiche do intelectual autêntico que não tem papas na língua e fala a verdade, somente a verdade, doa a quem doer. Nesses casos, o rude se confunde tragicamente com o sincero, e o argumento de autoridade costuma infelizmente prevalecer sobre a autoridade do argumento.