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De arte e tecnologia

Pesquisa da EBA propõe reflexão sobre experimentações artísticas que utilizam aparatos computacionais

Uma réplica de coração humano bate mecanicamente em sincronia com o do observador, que teve seus batimentos hackeados. A instalação transfere o sinal vital, e a réplica pulsa, explicitamente, por meio de circuitos eletrônicos. Assim funciona a obra Anatomia de um hacking, de Leonardo Souza, que cria uma experiência estética gerada pela transformação do batimento cardíaco em sinal elétrico.

A experimentação foi incorporada à pesquisa de doutorado de Leonardo, no Programa de Pós-graduação em Artes. O trabalho aborda a produção artística contemporânea que lança mão de aparatos computacionais, eletrônicos e objetos técnicos, ou seja, vale-se de materiais heterogêneos, oriundos de domínios, a princípio estranhos à arte, para criar provocações estéticas.

“Mostrei como essas provocações podem ser trabalhadas com base em conceitos de Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari, criando sensações heterogêneas para o público, uma espécie de sensibilidade técnica, computacional e artística ao mesmo tempo”, explica o pesquisador. Ele se apoia na leitura que o historiador da arte Andreas Broeckmann fez, nos anos 1990, do conceito de heterogênese, oriundo da biologia. “Broeckmann propõe a estética da heterogênese, isto é, a criação que combina distintos materiais e formas de pensamento, relacionados à arte, à ciência e à tecnologia.”

Anatomia de um hacking: provocação estética
'Anatomia de um hacking': provocação estética Leonardo Souza

Ainda de acordo com Leonardo Souza, que coordena o Bacharelado Interdisciplinar em Artes da Universidade Federal do Sul da Bahia, essa forma de criação gera uma poética de heterogêneses, que sintetiza modos de pensamento diferentes de forma poética. “Contemporaneamente, a busca é pela composição de sensações com base em elementos materiais e imateriais”, comenta Leonardo. “Um quadro pode ser produzido com tinta, mas uma performance lança mão de uma situação, um contexto, para ganhar sentido. A heterogênese cria novas formas de sensação, como o sentir-código, o respirar-poesia, o batimento-mecânico. Como afirmam Deleuze e Guattari sobre o pensamento artístico, não apenas escrevemos com sensações, também escrevemos sensações.”

Fonte de poesias
Para exemplificar a poética da heterogênese, Leonardo Souza descreve e comenta obras de Rafael Lozano-Hemmer, artista cuja trajetória perpassa a filosofia e as ciências exatas. Na série Call on water, o artista mexicano-canadense propõe uma fonte de poesias, que podem ser, literalmente, inspiradas. 

Outra experiência do próprio ­autor utilizada na tese é o dispositivo Improvr, que potencializa o audio­visual na improvisação cênica com vídeo em 360 graus, capaz de promover a imersão em espaço-temporalidades alternativas. Em cenas teatrais improvisadas, abrem-se diversas possibilidades com a imersão em imagens ao vivo, ou gravadas previamente, relacionadas às improvisações. “O Improvr cria a heterogênese entre audiovisual e teatro por meio do intercâmbio de comportamentos com aparatos tecnológicos, de forma que o espaço-tempo do teatro assume uma extensão ao do audiovisual”, explica o pesquisador.

Bacharel em Ciência da Computação pela UFMG, Leonardo Souza criou, ao fim do curso, máquinas autônomas de montagem audiovisual, aliando a Escola de Belas Artes e o DCC. Ele passou a trilhar o que chama de “caminho de resistência na pesquisa transdisciplinar”. Estudou eletrônica para as artes, inteligência artificial e realidade aumentada, ao mesmo tempo que se aprofundava em performance, instalação audiovisual, escultura e dramaturgia, sempre explorando autores como Edmond Couchot, Mathew Fuller, Jussi Parikka e Gilbert Simondon.

Tese: A poética da heterogênese: acerca de dispositivos artísticos com aparatos computacionais
Autor: Leonardo da Silva Souza
Orientador: Carlos Henrique Falci
Defesa: fevereiro de 2018, no Programa de Pós-graduação em Artes

Itamar Rigueira Jr.