Esperança contra a colestase

Cores amazônicas

Rodrigo Vivas, da EBA, revela a arte de Raimundo Canavarro, pintor de placas que retratou o imaginário da região com toque de surrealismo

O professor Rodrigo Vivas, da Escola de Belas Artes, tem-se dedicado ao estudo de obras dos acervos mineiros, e uma de suas preocupações é identificar e investigar artistas que não chegam ao conhecimento do público. Recentemente, deparou com um quadro em recuperação no Centro de Conservação e Restauração (Cecor) da UFMG, e a descoberta provocou impacto suficiente para levá-lo a Porto Velho, Rondônia.

Vivas foi em busca de informações sobre o artista e a obra, e a longa viagem de pesquisa resultou no livro Arte como vocação – Raimundo Coutinho Canavarro (edição do autor). Canavarro (1934-2013), que sustentava a família como pintor de placas e cartazes, começou a estudar manuais encontrados em sebos e igrejas e produziu seus primeiros quadros, inicialmente usando as tintas de que dispunha para seu ofício cotidiano.

“A hipótese com que trabalho no livro é a de que Canavarro atualiza, a seu modo, a estética dos tratados dos séculos 17 e 18. Ele usa frequentemente o recurso do agigantamento, para isolar o objeto ao qual quer dar destaque. É uma das técnicas da ilustração científica”, explica Rodrigo Vivas. “Seus grandes temas, não mais que cinco ou seis, estão ligados ao imaginário e à iconografia da Amazônia. Ele criou um padrão visual que se espalhou por toda a cidade desde a década de 1960. Há quem, até hoje, reproduza o que ele fez, como ocorre com outros artistas pelo Brasil.”

De acordo com o pesquisador, ao mesmo tempo em que se assumia como artista, Raimundo Canavarro criou uma forma de utilização cromática rara, sem misturas. “Como se fosse inspirado por mestres como Matisse e Van Gogh, ele usava campos de cor, ou seja, chegava às formas dos objetos com as próprias cores, sem os traços do desenho prévio. É possível inferir que esse talento veio dos gestos sem erros do trabalho com placas”, afirma Vivas, que é mestre em História da Cultura pela UFMG e doutor em História da Arte pela Unicamp.

Arte popular

Com apoio de Allan Canavarro, filho do artista, Rodrigo Vivas entrou em contato com pessoas que trabalharam com ele e fez um levantamento das obras espalhadas por casas, restaurantes e outros espaços de Porto Velho. Pesquisou a arte local, com base em pouquíssima informação disponível. 

Renovusvitae (2001, óleo sobre tela, 59 x 79 cm): estética do agigantamento
Renovusvitae (2001, óleo sobre tela): estética do agigantamento Reprodução | Arte como vocação


No livro, Vivas aborda temas como a urgência de estudar os artistas brasileiros, o conceito de paisagem na história da arte e como Canavarro se insere nesse discurso,  assim como as características da obra do pintor autodidata. “Seu trabalho tem conexões fortes com a arte popular e habita um universo cromático particular, já que ele utilizava pigmentos extraídos de plantas da Amazônia para fabricar as tintas”, conta o pesquisador. Canavarro, acrescenta Vivas, produziu paisagens sem o intuito de copiar, criou seres inspirados no imaginário e flertou com uma estética próxima ao surrealismo. Muitas vezes, pintou quadros que eram reproduções de obras suas, com pequenas diferenças.

Rodrigo Vivas, diretor de Ação Cultural da UFMG, defende que é fundamental conhecer obras como a de Raimundo Canavarro para entender o que é a arte brasileira. “Quero mostrar que existe no país uma produção que não segue o cânone europeu. O artista brasileiro ainda é julgado com base no cânone e não é valorizado.” 

O autor ressalta que o artista é um trabalhador, e o mito da genialidade, além de não coincidir com a realidade, cria um distanciamento indesejável. Um dos objetivos do seu livro, reforça Vivas, é reconhecer o talento de artistas que não têm visibilidade. “Esses artistas devem passar a ser julgados pela combinação de dois elementos: as ferramentas de que dispõem e os resultados que alcançam”, defende.

Livro: Arte como vocação – Raimundo Coutinho Canavarro
Autor: Rodrigo Vivas
Edição do autor
207 páginas / R$ 30
Distribuição gratuita para instituições (rodvivas@gmail.com)

Itamar Rigueira Jr.