A crise é psicológica
O ser humano carrega uma pesada herança de violências individuais e coletivas. Dentro de nós está o instinto de sobrevivência, de defesa e de ataque. São milhões de anos aprendendo a sobreviver em meio a inúmeros perigos. A violência está aninhada no nosso íntimo. Na opinião do professor José Manuel Moran, doutor em
Ciência da Comunicação pela USP, manifestada na obra Aprendendo a viver: caminhos para a realização plena (1999), “a exploração mais profunda não é a econômica, é a emocional, e esta ocorre em todos os grupos sociais”. Nós ajudaremos mais a nós mesmos se também procurarmos ajudar os que precisam de nós. Quem necessita de nós faz-nos crescer, dá uma nova dimensão à nossa vida.
O “egoísta”, que vive fechado no seu mundo, que ignora os outros, evolui pouco, perde grandes chances de aprendizado. Quem só acumula dinheiro ou se apega aos bens materiais deixa de lado imensas possibilidades de crescimento, de evolução. A economia, palavra que deriva do grego oikos + nomos, “administração da casa”, não deveria ser vista sob a perspectiva da maximização do lucro, mas pelo bem-estar da coletividade. A esse respeito, o zoólogo austríaco Konrad Lorenz, em Os oito pecados mortais do homem civilizado (1988), alerta que “a competição do homem com o homem se opõe, como nenhum fator biológico jamais o fez, ‘à força eternamente ativa e benevolentemente criadora’, destruindo com brutalidade fria e diabólica todos os valores que ele próprio criou, em nome de considerações puramente comerciais e em detrimento de todos os valores reais. O que é bom e útil para a humanidade como um todo, ou mesmo para o homem isolado, já foi completamente esquecido devido à pressão dessa competição furiosa. Os valores apreciados pelo homem contemporâneo são aqueles que levam ao sucesso e à superação do próximo”.
Logo, além dos fatores econômicos, políticos e éticos, nossa crise também é de ordem psicológica. É importante reconhecer as formas de violência que reprimimos e expressamos no cotidiano, para aprender a superar as suas formas autodestrutivas. São elas: a) a autodesvalorização (não se dar valor, afeto); b) a autopunição (culpar-se por tudo); c) a rejeição (de si mesmo e dos outros). E para aprender a superar as formas de violência contra os outros, precisamos superar as agressividades físicas e psíquicas. Podemos enumerar uma série de exemplos abusivos: a) as formas manifestas e sutis de humilhação; b) a desvalorização dos outros, a crítica constante; c) as críticas corrosivas; d) a comparação contínua com os outros, sempre tomados como modelos; e) a omissão sistemática de elogios.
“Liderança é conduzir processos sem se impor. É quem sabe compartilhar. Significa crescer, levando o outro a crescer junto. Líder é quem estimula que o outro lidere. É quem pratica a generosidade. É quem nos retira da passividade e nos impele à revolução”
Só mudaremos a sociedade reconfigurando as relações pessoais, interpessoais, comunitárias e sociais. Se fizermos tudo o que estiver ao nosso alcance para nos comunicarmos de forma mais afetiva e aberta, estaremos contribuindo para tornar melhor tanto a nossa vida como a dos que convivem conosco. Só assim a paz poderá ser alcançada. É de suma importância que o zelo comunicativo se destaque pela viabilização da expressão da alteridade. Nesse sentido, o jornalista Mário Geraldo da Fonseca afirma que “comunicação é tentar incluir o Outro na sua linguagem”. O publicitário Thiago Júlio Diniz, por sua vez, considera a poética da relação como supremo ato comunicativo: “É quando eu falo e você me entende, entende? É o que acontece quando a ponte que liga nossas mensagens não está quebrada”.
Todos temos o direito de ser livres, de superar todas as formas de violência. É possível aprender a evoluir, a superar as injustiças, a criar relações mais abertas e confiantes. Com o desenvolvimento da liderança colaborativa, o escritor Fábio Borges Brasileiro nos ajuda a não aceitar passivamente as violências que alguns teimam em impor e a comunicarmo-nos com os outros de forma mais aberta e pacífica: “Liderança é conduzir processos sem se impor. É quem sabe compartilhar. Significa crescer, levando o outro a crescer junto. Líder é quem estimula que o outro lidere. É quem pratica a generosidade. É quem nos retira da passividade e nos impele à revolução”.
A primeira grande batalha contra a violência é aprender a ser menos violento consigo mesmo. Ou seja: aprender a desmontar os mecanismos destrutivos da autodesvalorização, da crítica corrosiva, da autopunição. O filósofo Joaldo Alves propõe a educação afetiva, o incentivo e o apoio como as formas mais eficazes de diminuir a violência, de canalizar nossas energias para o avanço das relações sociais, para que cada pessoa viva melhor: “Em poucas palavras, hoje penso que liderar é persuadir e inspirar o outro pelo exemplo. Fazer com que o outro faça sem se sentir obrigado, mas sim porque é capaz”.
Precisamos adquirir uma confiança forte o suficiente para nos manter sempre na trilha do bem, do apoio pessoal e social, com a humildade de quem está aberto para o novo, para o imprevisível. Nesse sentido, o sociólogo Ricardo Evangelista sugere a seguinte linha de atuação coletiva: “Acredito na concepção administrativa que está na linha de apontar caminhos, iluminar os nortes, construir diálogos possíveis, com autoridade e sem autoritarismo na relação com os outros. Esse processo motiva, encoraja e aponta saídas e soluções para os desafios do caminho”. Estar atento a tudo que nos cerca, vendo a contribuição de cada pessoa e circunstância para o nosso desenvolvimento, o que não significa ter uma atitude de “Polyana”, ou seja, de fazer de conta que tudo está bem. Significa perceber que tudo colabora para a nossa evolução pessoal, para que nos tornemos seres humanos mais amadurecidos, abertos, compreensivos e realizados. Mesmo as dificuldades, os problemas, têm papel didático: o de ensinar-nos a enxergar além das aparências, a incorporar todas as dimensões da vida, a não ficar na exterioridade das coisas.
* Professor das Faculdades Ascensão e JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.