Me escreva cartas pirotécnicas
Em tese de doutorado, pesquisador da UFMG apresenta correspondência inédita de Murilo Rubião com Mário de Andrade, Fernando Sabino e Otto Lara Re
Em junho deste ano, comemora-se o centenário de nascimento de Murilo Rubião, escritor mineiro que deixou publicados 33 contos, obra que ele reescreveu e reapresentou aos seus leitores durante toda sua trajetória literária. Com base no trabalho de pesquisador da UFMG, ao menos dois livros inéditos do autor chegarão às livrarias brasileiras neste ano.
Cleber Araújo Cabral defendeu há pouco mais de um mês, na Faculdade de Letras, a tese Aos leitores, as cartas: proposta de edição anotada da correspondência de Murilo Rubião com Fernando Sabino, Mário de Andrade e Otto Lara Resende, trabalho em que apresenta uma proposta de edição anotada (transcrição com notas) de documentação arquivística inédita, reunida em diferentes acervos brasileiros.
Agora, conta o autor, serão extraídos da tese informações para os livros Correspondência de Mário de Andrade & Murilo Rubião – que será publicado pela Edusp – e Correspondência de Murilo Rubião & Otto Lara Resende, pela Editora UFMG, em parceria com a Autêntica. “Desde quando a tese foi concebida, a ideia era que ela gerasse produtos editoriais para o centenário de Rubião. Felizmente, o trabalho chegará às livrarias ainda neste ano”, comemora o pesquisador, cujo trabalho foi aprovado com louvor.
A correspondência entre Murilo e Mário, especificamente, já havia originado uma publicação em 1995. Contudo, nessa edição só foram apresentadas 13 cartas. “Agora, o conjunto passa a 21 missivas, dez de Mário e 11 de Murilo. Depois desse suplemento, podemos de fato ouvir a voz própria do Murilo no diálogo com Mário”, conta o pesquisador. A correspondência com Otto, por sua vez, é inédita e soma 94 cartas, que vão de 1943 a 1991.
Segundo Cabral, parte das missivas revela um misto de reverência, afeto e cumplicidade que marcava a relação entre Rubião e os escritores. Autor consagrado, Mário de Andrade usava a expressão “cartas de pijama” para qualificar o tom informal das mensagens que enviava aos jovens escritores que lhe pediam conselhos. Nas conversas entre Murilo e Otto, ambos compartilhavam o desejo de enviar “cartas à posteridade”, o que sinalizava o anseio de endereçar sua obra e seu arquivo ao futuro. Já Fernando Sabino insistia com Rubião: “Me escreva cartas pirotécnicas”.
“A minha proposta neste trabalho é que o arquivo e a correspondência de Murilo Rubião sejam lidos como uma (h)antolog* de narrativas de formação, em que se pode perceber a construção das trajetórias do escritor e da sua obra”, diz. Nesse sentido, a hipótese do pesquisador é a de que, com base na mobilização de tal documentação arquivística, a obra de Murilo possa ser lida por novos vieses, que transcendam a mirada kafkiana, muito comum na crítica que se estabeleceu sobre o autor. Para alcançar esse objetivo, mais de 300 notas explicativas acompanham as correspondências.
Cartas fantasmas
A correspondência entre Murilo Rubião e Fernando Sabino reunida pelo pesquisador soma 45 cartas, escritas de 1942 a 1983. No entanto, apenas uma via da conversa pôde ser localizada: as cartas enviadas por Sabino a Murilo. “Quanto ao destino das cartas enviadas por Rubião a Fernando, ele permanece, até o momento, no campo da especulação, pois apesar dos esforços empreendidos no contato com herdeiros e instituições de guarda e pesquisa de arquivos, não houve êxito em encontrá-las”, conta o pesquisador.
Cleber Cabral explica que busca, com seu trabalho, despertar um novo olhar para Murilo Rubião e sua obra: uma perspectiva que transcenda a celebração do autor como aquele que “inaugurou o realismo fantástico (ou mágico) latino-americano no século 20”, precedendo Jorge Luis Borges e Alejo Carpentier. “Quando estacionamos Murilo Rubião neste lugar na estante da tradição, impedimos o redimensionamento da sua obra. É algo que só presta serviço aos manuais pedagógicos. Penso que Murilo foi, mais precisamente, um contador de estórias que soube dialogar e mesclar diversas tradições literárias – a oral, a local e a universal – para desenvolver uma forma de narrar os mal-estares das realidades históricas com as quais conviveu”, conclui.
*Conceito elaborado pelo próprio autor, em que articula, por meio de um neologismo, a ideia dicionarizada de “antologia” e a noção de “hantologie”, que já havia sido estabelecida por Jacques Derrida, também como neologismo.