Automáticos e disfuncionais

Mediadora de relações

Dialogando com a literatura e a filosofia, professor da UFMG propõe, em livro, uma “arquitetura menor”, que se constrói no dia a dia

Há alguns anos, um amigo morador de um aglomerado em Belo Horizonte pediu ao arquiteto e professor da UFMG Adriano Mattos Corrêa que propusesse soluções para um problema em sua casa. Com a idade mais avançada e ganho de peso, ele e a mulher vinham enfrentando cada vez mais dificuldades para se movimentar entre os quatro pavimentos da construção, muito estreita e espremida entre outros prédios. Os recursos da arquitetura tradicional não davam conta do desafio, e Adriano fez adaptações – como a instalação de próteses para apoio dos corpos nas paredes –, depois de estudar os movimentos feitos pelo casal para vencer os degraus e circular em sua casa.

Sem nome
Sem nome Louise Ganz

A história resgatada por Corrêa ajuda a entender a abordagem do livro que ele acaba de publicar pela Editora UFMG. Em O segredo do arquiteto – perdão por não lhe abrigar, o professor do Departamento de Projetos da Escola de Arquitetura propõe a chamada “arquitetura menor”, feita todos os dias, para resolver problemas que aparecem nas relações entre as pessoas e entre elas e suas casas e cidades. 

“Os arquitetos devem ser mediadores dessas relações. Se queremos mudar o mundo, devemos mudar radicalmente nossa forma de trabalhar, parar de construir e contribuir para a melhoria das relações das pessoas com o ambiente em que vivem”, afirma o autor, que transpôs para o livro conceitos que nortearam sua tese de doutorado Má carpintaria: por uma arquitetura menor, defendida na UFMG em 2014, com orientação da professora Celina Borges Lemos.

A expressão “má carpintaria” define, segundo Adriano, uma arquitetura “que é a única possível, que nunca está pronta, que tem falhas e depende do carpinteiro todos os dias”. O professor aplica seus conceitos na prática – ele mesmo é capaz de lidar com madeira e construção – e estimula seus alunos a fazer arquitetura com o próprio corpo e escutar mais. “O mundo está saturado de imagens, enxergar não é mais tão necessário. Precisamos, sim, escutar a fala do outro e o que o cerca”, diz o coordenador do grupo de pesquisa Tradução & Arquitetura.

Hospitalidade

O segredo do arquiteto... lança mão, o tempo todo, do diálogo com a mitologia, com a literatura e com a filosofia. De Franz Kafka, Adriano toma como inspiração a ideia de “literatura menor”, livre de metáforas e dedicada a questões de vida e de morte. Com escritoras como Maria Gabriela Llansol, Marguerite Duras e Clarice Lispector, ele conversa sobre relações cotidianas com a casa e a cidade, espaços que abrigam questões fundamentais de seus textos.

O filósofo Jacques Derrida contribui com conceitos como o de hospitalidade. “Ele escreveu ‘se a minha casa me hospeda, ela poderia hospedar qualquer outro’, e isso também tem tudo a ver com a arquitetura menor”, comenta Adriano Corrêa, que também aprendeu com os índios. Participante do projeto da UFMG de formação de educadores indígenas, ele ajudou a erguer uma escola em aldeia Xacriabá. “Essa experiência mudou minha visão. Enquanto nós projetamos o espaço por medo do tempo, os índios não definem antecipadamente suas construções, o processo é contínuo”, explica o professor, que fez seu mestrado na área de estudos literários, também na UFMG.

Dedicada “aos arquitetos dos próximos dias” e também a não especialistas, a obra recém-lançada por Adriano Corrêa defende a superação da arquitetura estratégica, instrumento de domínio sobre o território, e exalta a arquitetura tática, feita passo a passo e com base em observação constante. “Os arquitetos da contemporaneidade devem estar prontos para investigar e experimentar, dispostos ao risco”, afirma o autor. “Se, como escreveu Georges Bataille, ‘há um abismo intransponível entre mim e o outro’, a arquitetura que vai lidar com essa ‘comunidade de diferenças’ é a que se faz no cotidiano.”

Livro: O segredo do arquiteto – perdão por não lhe abrigar

De Adriano Mattos Corrêa

Ilustrações de Louise Ganz

Editora UFMG

144 páginas / R$ 37 (preço de capa)

Itamar Rigueira Jr.