Escola sem Partido
Uma escola sem partido está muito longe de uma educação democraticamente orientada. A educação moral pode ser um âmbito de reflexo que ajude a detectar e criticar os aspectos injustos da realidade cotidiana e das normas sociais vigentes, a construir formas de vida mais justas, tanto nos âmbitos interpessoais como nos coletivos e a elaborar autônoma, racional e dialogicamente princípios de valor que favoreçam o julgamento crítico da realidade, para que os jovens façam seus aqueles tipos de comportamentos coerentes com os princípios e normas que pessoalmente construíram e adquiram também as normas que a sociedade lhes ofereceu, de modo democrático e visando à justiça. Dito de outro modo, a educação moral quer colaborar com os educandos para facilitar o desenvolvimento e a formação de todas aquelas capacidades que intervêm no juízo e na ação moral.
As escolas devem ser tomadas como “comunidades democráticas”, nas quais devem ser respeitadas a liberdade de expressão e a responsabilidade argumentativa. A disciplina escolar remete às pautas de convívio, esboçadas pelas expectativas e pelos valores característicos das relações escolares, os quais balizam o que produzimos e o que pensamos sobre o fazer cotidiano. Uma espécie de norte e, ao mesmo tempo, de combustível das relações – ambos deflagradores dos laços de respeito entre o alunado e agentes escolares. Daí a proposta do contrato pedagógico.
A população deposita fé em escolas que incentivam a promoção da cidadania, a visão crítica da realidade e a construção da participação social. Viver democraticamente pressupõe o livre fluxo das ideias, independentemente de sua popularidade, que permite às pessoas estarem tão bem informadas quanto possível. Pressupõe também a crença na capacidade individual e coletiva das pessoas criarem condições de resolver problemas. Essas atitudes exigem o uso da reflexão e da análise crítica para avaliar ideias, problemas e políticas. Em termos éticos, viver democraticamente demanda preocupação com o bem-estar dos outros e com o “bem comum”, com a dignidade e os direitos dos indíviduos e das minorias. Por essas razões, não existirão democracias sustentáveis se não houver escolas orientadas para a defesa intransigente da liberdade, da dignidade, da justiça, do respeito mútuo e demais motivos edificantes.
Sistema aberto em interação com o meio, a escola não pode ficar imune às tensões sociais. Assim, a indisciplina que atualmente perturba a vida de muitas escolas pode ser interpretada como reflexo dos conflitos e da violência que grassa na sociedade em geral. As desigualdades econômicas e sociais, a crise de valores e o conflito de gerações são fatores que podem explicar os desequilíbrios que afetam tanto a vida social quanto a escolar. Daí o inegável fato de que a educação contemporânea tem privilegiado o domínio disciplinar-atitudinal em detrimento do âmbito propriamente pedagógico-intelectual.
Educar é tomar partido da autonomia na luta contra os mecanismos opressivos que tomam conta da sociedade. Lamentavelmente, nem sempre essa força consegue superar a força centrípeta do egoísmo. Além disso, quando a política não é capaz de mover a nação na direção do progresso, a sociedade fica para trás em pobreza, violência, desigualdade, desencanto. Face ao exposto, uma escola sem partido lava perigosamente as mãos e comete uma série de assassinatos, a começar pela corrosão do caráter intelectual e sensível. Fica a pergunta: escola é adaptação ou transformação social? Fazendo-se de agentes da neutralidade ideológica, as vozes conservadores ignoram cinicamente o abismo que separa o Brasil real do Brasil fictício. A respeito, muito têm a colaborar as reflexões trazidas pelo jornalista Carlos Alexandre, no Correio Braziliense, de 7/6/2016: “A cada dia que passa, torna-se evidente que a miséria brasileira não é apenas um problema econômico. Nossa sociedade bárbara está desprovida de educação, tolerância, respeito, cidadania, igualdade. Na ausência do Estado, prevalece o poder das armas, do machismo, da corrupção, da intolerância, do obscurantismo”.
Conforme explica Olgadir Amancia, professora da UnB, “o Projeto Escola sem Partido apresentado no Congresso Nacional pelo deputado Izalci Lucas (PSDB/DF), assim como similares encaminhados em diferentes assembleias estaduais e municipais, representa um ataque à educação, ao pluralismo de ideias e à autonomia dos educadores. Usando o falso argumento da ideologização da educação, da partidarização da escola, objetiva amordaçar professores, obstruir a construção dialógica e crítica do conhecimento. Busca impedir a escola de cumprir o seu papel constitucional de formação, com vistas ‘ao pleno desenvolvimento da pessoa’ e para ‘o exercício da cidadania’, como prevê o artigo 205 da Constituição Federal de 1988”.
Alguns retrocessos na defesa da neutralidade e no elogio da etiqueta social encontram-se entrelaçados nesse tipo de escola distante do mérito questionador que a define radicalmente. Exemplo: “Art. 3º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”. Contudo, a independência de pensamento crítico é uma meta fundamental da escola. E essa meta depende, sim, de professores que trabalham com independência.
(Marcos Fabrício Lopes da Silva - Professor das Faculdades Ascensão e JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG)