Sobre o suicídio
Em romance publicado pela Editora UFMG, José María Arguedas detalha seus planos de autoextermínio e discute os destinos da cultura indígena
Devemos viver a qualquer custo e em qualquer condição ou temos o direito moral de escolher livremente a nossa morte? Já não suportando mais os efeitos de uma depressão que o acompanhou por toda a vida adulta, o escritor peruano José María Arguedas (1911-1969) passou seus últimos anos elaborando meios para dar fim à própria existência, tarefa que executou aos 58 anos de idade.
No romance A raposa de cima e a raposa de baixo, Arguedas mistura os registros de seus diários com ficção dialógica e narrativa, de forma a construir uma obra experimental e fragmentária, capaz de refletir os desafios vividos por seu país no século 20 – em especial, pela cultura andina quéchua, indígena – face às transformações socioeconômicas experimentadas em razão da modernidade. Publicado originalmente em 1971, o livro acaba de ser traduzido para o público brasileiro por Rômulo Monte Alto, professor da Faculdade de Letras, e alcança as prateleiras pela coleção Fora de Série, da Editora UFMG.
O romance começa com um registro de Arguedas referente ao dia 10 de maio de 1968: "Há pouco mais de dois anos, tentei cometer suicídio". Nas páginas seguintes, despontará na obra uma ficção centrada no diálogo entre as lendárias raposas, ao mesmo tempo que os registros autobiográficos do escritor vão ganhando dramaticidade. "Escrevo estas páginas porque me disseram, insistentemente, que se consigo escrever recupero a sanidade. Porém, como não consigo escrever sobre os assuntos pensados, elaborados, pequenos ou muito ambiciosos, vou escrever sobre o único que me atrai: de como não consegui me matar e como agora quebro a cabeça buscando uma forma de me liquidar com decência", assinala.
De fato, Arguedas acaba por disparar um revólver contra a têmpora um ano e meio depois, no dia 28 de novembro de 1969, dentro da sala em que ministrava aulas na universidade. Pouco antes, em 22 de outubro, o escritor havia registrado uma espécie de despedida: "Haverão de me perdoar o que há de petitório e de pavonesco neste último diário, se o tiro se produz e acerta. E, por força, tenho de esperar não sei quantos dias para fazê-lo". No mesmo diário, o escritor acrescentou: "Possivelmente comigo começa a fechar um tempo e a começar outro no Peru", o que faz de sua morte um signo da transformação que esperava para a sociedade peruana: do sofrimento à redenção, da opressão à liberdade.
O que dizem os filósofos
Para embasar o debate sobre o suicídio, a Editora UFMG mantém em seu catálogo uma antologia de textos que alguns dos mais importantes pensadores da história da filosofia escreveram sobre o assunto.
Em Os filósofos e o suicídio, pensadores como Platão, Sêneca, Tomás de Aquino, Montaigne, Rousseau e Schopenhauer transcendem a tradicional condenação moral para pensar a questão por perspectivas complexas, tendentes também à tolerância em relação à medida terminante. Em um tempo em que a religiosidade ainda se mantém como alicerce de grande parte dos postulados morais contrários à autonomia do sujeito em relação à manutenção da própria vida, parece pertinente – em um Estado que se quer laico – voltar aos filósofos para pensar o assunto. Não custa lembrar: ao aceitar sua condenação, Sócrates bebeu a cicuta que o levaria à morte.